Por que decidi morar fora do Brasil?
Vou pular a parte chata, aquela em que discorro sobre política, corrupção, crise… Afinal, argumentos do tipo “aqui está ruim” ou “lá é melhor” estão carregados de juízo de valor e esse tipo de percepção ou julgamento é absolutamente individual. Aliás, é disso que esse tipo de decisão trata: individualidade. Resta-nos falar, uma vez que sobrevoamos esses tópicos, de quem está por trás dessa empreitada, da história e trajetória de cada um.
Sou franco-brasileira, nascida em São Paulo e filha de pai e mãe franceses. Meus pais vieram para o Brasil no final dos anos 70 e nunca mais voltaram a morar na França. Se falo francês? Claro! É minha língua materna. Estudei no Lycée Pasteur até minha adolescência. Depois disso, completei o ensino médio num colégio brasileiro perto da
minha casa, antes de passar no vestibular e começar uma faculdade. É aqui que minha relação com a decisão de morar fora começa.
Cursei o primeiro ano da faculdade de Relações Internacionais antes de ir a Portugal. Meu plano era pedir transferência e concluir um curso semelhante na Universidade do Porto. Viajei com apenas 2 malas e, na bagagem, muito mais do que pertences pessoais: carregava expectativas. Noiva aos 19 anos de um português, descobri durante uma viagem com um grupo de estudantes brasileiros que o mundo era grande demais para decidir, tão nova, algo tão definitivo. Meu lugar não era ali.
De volta ao Brasil, prestei vestibular novamente. Dessa vez, para o curso de Jornalismo. Recomecei do zero. No segundo ano da faculdade eu era uma das únicas da turma que já trabalhava na área. Eu havia conseguido um estágio na redação de um jornal francês online. Na mesma época, me candidatei de madrugada, sem muita confiança, para uma vaga no ACNUR, em Strasbourg, na França. Telefonaram-me num feriado para agendar a entrevista. Passei por uma prova e quase morri, quando, meses depois, recebi a notícia de que tinha sido aceita. Era oficial: o estágio seria de apenas 4 meses e começaria em junho. Tinha pouco mais de um semestre para me preparar.
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Então, tomei duas decisões importantes: iria em janeiro para Londres fazer um curso intensivo de inglês por 5 semanas (apesar de ter apresentado teste de proficiência, senti que ainda precisava de mais fluência e confiança); e emendaria um intercâmbio de 6
meses em Madri, logo após o término do estágio, para não perder o semestre na faculdade no Brasil, que já teria iniciado. Acabei ficando um ano na Espanha.
Até hoje, falo dessa experiência com muito orgulho e saudade; pois, acredito, tenha sido uma das melhores fases da minha vida. Um período em que fiquei por mais tempo longe de casa, vivi muitas coisas, fiz amizades para a vida toda e, ainda, o melhor encontro foi com uma faceta de mim mesma que eu ainda não conhecia. Cresci.
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Voltar à casa da minha mãe depois disso tudo foi bom, mas foi muito difícil. Foi quando conheci meu marido. Em dois anos nos casamos e no terceiro ano tivemos um filho. Hoje, ele tem 3 meses. Eu sempre disse a ele que quando tivesse um filho eu o criaria na França. Acontece que não tive um filho sozinha. Já não há nada de individual em minhas decisões. Meus planos já não são mais só meus. Tenho uma família. E agora?
O projeto de morar fora não é uma decisão minha ou dele. É nossa! Trata-se de algo que poderíamos ter feito sozinhos, um dia, em nossas vidas, mas eis que o destino mexeu seus pauzinhos e esperamos um pelo outro para fazer isso juntos. Expectativas, temos.
Incertezas, também. Não sei se saberia responder, ao certo, em que momento você vira uma chave e decide, simplesmente, experimentar outra coisa, viver algo diferente. Mudar. A vida toda fui movida pela curiosidade, pelo novo. E, no fundo, acho que o que responde minha pergunta “por que decidi morar fora do Brasil” é outra pergunta. E, por mais inconsequente que ela possa parecer e apesar de carregar uma conotação um tanto impulsiva, pergunto: afinal, por que não?
Claro que é desafiador fazer uma mudança com marido, filho pequeno e cachorro. É, no mínimo, emocionante! É uma página em branco, uma oportunidade de recomeçar em outro lugar com sua família. Será que tem algo que possa nos propiciar maior crescimento que esse?
Não que aqui não esteja bom. Aliás, em minha vida, por diversas vezes, provei que fazemos nossa própria sorte. Ou seja, se não está bom, faça algo diferente do que sempre fez. Algo como se não deu certo hoje, acorde mais cedo amanhã e tente novamente.
Eu amo o Brasil. Aqui deixo meus pais e meu irmão, a quem também amo muito. Mas, aprendi que posso olhar para tudo aquilo de bom que tenho ou para tudo que poderia ter. Minha escolha (individual) sempre foi andar para frente. Hoje, minha escolha é em família, é ter alguém para estar junto de mim.
Na bagagem, com destino mais uma vez a Strasbourg, ainda carrego pertences pessoais e, claro, muitas expectativas. Porém, dessa vez, não estou engessada em algo definitivo. Pelo contrário, estou aberta a abraçar as dores e as delícias que poderei experimentar.
Pronta para o recomeço.