O que devo preparar para morar fora do Brasil?
Final de maio de 2019 completei três anos morando no exterior, conforme comentei em meu último texto. Vivendo e experienciando na prática cada passo e orientação que prestei ao longo de cinco anos prestando consultoria tributária no Brasil. Somando a isso, desde que vim para cá, tenho assessorado e orientado muitos brasileiros espalhados pelo mundo que me procuram, principalmente, em virtude dos meus textos do Brasileiras pelo mundo.
Ao longo destes anos e assessoramentos, pude notar e acompanhar que nós, brasileiros, em comparação com expatriados de outras nacionalidades, damos pouca ou nenhuma importância para temas fundamentais na decisão de morar fora, tais como impostos, previdência social, documentos, cópias, apostilamentos e afins. Dito isso, resolvi montar um texto para abordar esses aspectos em que geralmente nunca levamos em consideração quando vamos planejar nossa mudança ou expatriação.
1. Impostos
Optei por colocar esse tópico no item um mesmo, pois nunca damos o devido valor que um mau planejamento tributário pode ter no orçamento, quando não levamos isso em consideração antes de morar fora do Brasil. Conforme eu já tratei em um texto anterior, o Brasil trabalha com um sistema de tributação em bases globais, ou seja, todo residente fiscal brasileiro está sujeito a oferecer à tributação sua renda recebida no Brasil e no exterior. Isto é, em outras palavras, não interessa se você deixou o Brasil; caso não tenha encerrado sua residência e aufira renda fora do pais e se enquadre nas condições para entregar uma declaração de imposto de renda, pense que sua renda em euros, dólares ou qualquer moeda, deverá também ser informada à Receita Federal Brasileira (RFB). Aspectos importantes nesse tópico para se pensar: países que possum acordo para evitar dupla tributação com o Brasil, encerramento de residência com o Brasil, tributação de residente e de não residente sobre rendimentos provenientes do exterior e gerados no Brasil. Não vou entrar nos detalhes conceituais neste texto, porém aconselho a colocar esse item no topo da lista e procurar assessoria de um consultor tributário, caso tenha qualquer dúvida sobre o tema.
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2. Previdência social e aposentadoria
Outro tópico que costuma ser completamente relegado e é fundamental quando estamos cogitando morar fora. Por quê ? Porque você está trabalhando hoje, contribuindo para a previdência e possivelmente pretenda se aposentar um dia usando o tempo de contribuição. Vamos supor que você contribuiu durante 10 anos para a previdência brasileira e decidiu se mudar/migrar para um país com o qual o Brasil não tenha acordo de totalização. Você não terá a possibilidade de utilizar esses anos/tempo de contribuição no país onde estiver residindo a partir de então. Por outro lado, se, ao pesquisar, este aspecto for colocado na balança e, então, optar por um país com o qual haja acordo, todos os anos de contribuição poderão ser levados em consideração para a aposentadoria no novo país (no caso de você se aposentar no país de imigração), ou ainda, caso você retorne ao Brasil, os anos de contribuição no novo país serão aproveitados no Brasil. É super importante também analisar os benefícios da previdência de cada país. O que significa isso? Qual a participação/dedução para a previdência social obrigatória; o que está coberto ou qual a assistência da previdência do país; qual a idade mínima para se aposentar; qual o salário mínimo do país e quanto aproximadamente você deverá receber deste país após os anos de contribuição. Na Alemanha, o valor de contribuição previdenciária era super alto, o que impactava diretamente no valor líquido que eu recebia de salário. Entre impostos e contribuições sociais, restavam-me aproximadamente 50% do salário. Em compensação, aqui em Luxemburgo, a contribuição social fica em 11,08% e tem teto máximo, o que para o nível de cobertura médica é muito interessante.
3. Carteira de habilitação
Outro tópico que geralmente deixamos fora da lista. Como brasileiros, nossa habilitação nos permite circular e conduzir veículos em diversos países da Europa, porém por tempo determinado. Isto é, em diversos países do mundo estamos habilitados a conduzir veículos com a nossa habilitação brasileira. Na Alemanha, por exemplo, temos permissão para dirigir veículos utilizando nossa carteira brasileira por até seis meses. Após esse tempo, temos de fazer a conversão e o processo não é nada simples. Ainda, o prazo que temos para pedir a conversão na Alemanha é de três anos. Após os três anos, o interessado deverá fazer todo o processo (a conversão exime o condutor de algumas etapas). Essa brincadeira não é nada barata: para fazer o processo de conversão na Alemanha, esteja preparado para desembolsar entre EUR 500 e EUR 1000,00. Por outro lado, países como Itália, Portugal e Luxemburgo permitem a conversão direta da habilitação, ou seja, você entrega sua habilitação, os documentos necessários mais a taxa, e recebe a habilitação do país. Em Luxemburgo, temos até 1 ano para solicitar a conversão e ela só pode ser iniciada após os seis meses de residência no país. Fizemos o processo e levou menos de duas semanas para nos enviarem a permissão de condução Luxemburguesa válida em toda a Europa.
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4. Documentos
Este tópico é importantíssimo, por isso resolvi abordar para tratarmos aqui. E falo com conhecimento de causa e experiência própria. Quando vim para a Alemanha, tive diversos documentos com tradução juramentada (diplomas, certidões e afins) e cópias autenticadas. Resolvi fazer mais cópias que o necessário para justamente trazê-las comigo em caso de necessidade. Estava com o visto na Alemanha, tudo certo. Com a mudança de país (e tive de mudar meu visto duas vezes ainda na Alemanha antes disso), mais documentos foram solicitados. Eu não tinha pensado em levar minha certidão de nascimento comigo e em 23.12.2017 solicitaram, dentre outros documentos, a cópia da certidão de nascimento para o visto de Luxemburgo. Imaginem o trabalho que foi conseguir, da Alemanha, coordenar a obtenção da cópia da minha certidão de nascimento em poucos dias, para fazer a tradução juramentada e enviar para a empresa de imigração em duas semanas, que era meu prazo. Por isso, a dica é de ouro: façam cópias autenticadas, traduções juramentadas de todos os documentos importantes que puderem fazer. Certidões de nascimento, de casamento e afins; diplomas; contratos de trabalho; etc. Por último, mas não menos importante: deixem um procurador no Brasil com poderes de receita federal, bancos e outros poderes especiais. Para se comunicar eventualmente com a Receita Federal, o procurador é fundamental. Além disso, é o endereço do procurador que deve ser informado na Declaração de Saída, pois é ele quem irá fazer eventuais peregrinações bancárias, caso opte-se por encerrar contas, por exemplo. Enfim, este documento é super importante para muita coisa e quase sempre esquecemos de fazer.
Existem certamente ainda outros itens para pensar de caráter não técnico, como a questão cultural, adaptação e afins que abordarei em um próximo texto. Agradeço muito se puderem compartilhar nos comentários e somar ao texto as experiências de vocês. Isto é, houve algo em que vocês não pensaram e quando já estavam fora, viram quão importante era?
Curiosa para ouvir as experiências de outros brasileiros e brasileiras pelo mundo.
Abraços e até julho!
6 Comments
Oi, Patrícia. Obrigado por ter o trabalho de escrever sobre sua experiência morando fora do Brasil. Você acaba sendo um Google Maps para quem está procurando um caminho, como eu.
Existe a possibilidade de nos correspondermos diretamente para um questionamento mais específico?
Abs e obrigado novamente.
Olá Fernando, obrigada pelo carinhoso feedback. Fico feliz de saber que meus textos lhe estão sendo úteis. Fique à vontade para me escrever no meu email patricia.sco@hotmail.com. Abraços
Olá Patrícia! Gostaria de ter encontrado seus textos antes de ter saído do Brasil. Apresentam informações muito úteis que não encontrei em nenhum site das autoridades oficias do Brasil. Ao contrário da Alemanha onde você acha detalhamente todos os passos necessários para sua residência.
Eu já declarei a minha saída definitiva do Brasil início do ano passado. Ainda tenho um imóvel à venda no Brasil. Não sei se você saberia me informar se ainda teria que pagar Imposto sobre a venda do mesmo no Brasil . E gostaria de transferir o dinheiro da venda para a Alemanha. Existe algum processo especial nesse caso ou eu efetivaria uma transferência comum.
Att,
Simone M. Bielesch
Olá Simone, tudo bem? Todo e qualquer rendimento de fonte brasileira ainda está sujeito ao recolhimento dos devidos impostos, inclusive sobre a renda, ainda que o contribuinte não seja mais residente fiscal. A transferência de dinheiro deve ser feita através das instituições financeiras autorizadas, contudo eles podem vir a solicitar sua declaração de saída definitiva. Espero ter esclarecido e permaneço à sua disposição para quaisquer dúvidas extras que voce tenha. Abraços, Patricia
Olá Patrícia,
Obrigado por compartilhar informacoes úteis em seus artigos! Caí aqui por conta da seguinte dúvida: se uma pessoa que é aposentada no Brasil passa a morar na Alemanha (mais de 50% do tempo), ela vai necessariamente precisar pagar IR na Alemanha sobre seus rendimentos de aposentada no Brasil? Ou é possível continuar tendo esse rendimento tributado no Brasil e nao precisar pagar imposto sobre ele na Alemanha?
Essa é a situacao da minha noiva, ela está agora se aposentando no Brasil e planeja sua vinda para cá no ano que vem. Eu já moro na Alemanha há muito tempo (mais de 20 anos) e nao tenho rendimentos no Brasil, fiz a declaracao de saída definitiva quando vim para cá. Mas no caso dela nao sabemos exatamente qual será a alternativa mais interessante…considerando que ela terá flexibilidade para alternar períodos de moradia na Alemanha e no Brasil. Sem querer abusar de sua boa vontade, você teria alguma dica para nos dar a esse respeito?
Saudacoes, Marcos.
Olá Marcos, tudo bem? Obrigada pelo feedback. Rendas de fontes brasileiras são tributadas na fonte e ela em seguimnento à lei, deveria encerrar a residência no Brasil se passar a residir em caráter permanente na Alemanha, isso implicaria uma tributação de 25% do rendimento de aposentadoria. Com relação à Alemanha, o ideal seria vocês buscarem o suporte de um(a) Steuerberater(in), pois eu não sou especialista em legislação Alema. Porém, eventualmente, ela possa se tornar residente fiscal alemã, não declarar em conjunto com voce (questionar se existe a necessidade de declaração em conjunto enquanto casados na Alemanha) e dí não ter obrigatoriedade de tributar essa renda,,,mas são pontos a ser esclarecidos. Abraços