Vantagens e desvantagens do sistema de saúde Luxemburguês.
Morar fora não é fácil, apesar do que muitas pessoas pensam. Implica abrir mão de tudo aquilo com que nos identificamos: língua, cultura, gírias, linguagem corporal, colegas, amigos, família. Diariamente enfrento minhas vulnerabilidades, entro em contato com meus sentimentos e encaro meus maiores medos.
Dentre eles, ficar doente e depender do sistema de saúde estava entre os maiores deles. Como eu sou extremamente ativa quando se trata de esportes, acabei me lesionando jogando futebol. Rompi totalmente o ligamento anterior cruzado e tive uma lesão parcial de menisco, além de micro-fraturas nos ossos.
Havia duas opções: operar ou não o joelho. Optei pela primeira, para que eu pudesse ter a mesma qualidade de vida e manter a prática de esportes como eu fazia antes da cirurgia. Não posso dizer que foi um processo fácil ou simples. Fui para o hospital de ambulância e, apesar dos equipamentos de excelência, aguardei mais de 2h no hospital por um simples raio-x, para eliminar o risco de fratura. Diferentemente do Brasil, estar com a perna totalmente imobilizada, sem carro na época, em um país que não dispõe de uber, onde os táxis custam o grama do ouro e os trens não têm acessibilidade universal, não foi fácil.
Ao visitar o especialista, que já era meu ortopedista – ser esportista tem dessas desvantagens -, foi solicitada a ressonância e, com ela, a surpresa: em torno de 3 meses de espera para conseguir fazer o exame em Luxemburgo. Ou seja, em um dos países mais ricos do mundo e com menor densidade populacional, a espera para um exame considerado padrão era de 3 meses. No Brasil, como eu dispunha de seguro-saúde, não esperava mais de 1 dia. De qualquer forma, vantagens de um país com múltiplas fronteiras: agendei o exame em dois dias para ser feito na Alemanha e tive sorte o suficiente para encontrar um médico que havia residido no Brasil em 1974 e era apaixonado por línguas, então não só ele fez meu laudo em português, como ele pediu para eu ajudá-lo com a tradução.
Ao levar o laudo e o exame para o ortopedista, a surpresa e bizarrice (categorizo assim porque era algo muito inimaginável para mim. Quase como um chef que não cozinhe): ele não operava!! Aqui, nem todos os médicos especialistas operam. Ele, então, ofereceu-me a opção de dois outros médicos que seriam cirurgiões e com quem a lista de espera não seria muito grande (!?). Como boa brasileira, logo me ocorreu que isso não poderia ser uma mensagem positiva e fui pesquisá-los no google. De acordo com minha experiência, todo médico tem que ter participado de pelo menos um congresso na vida e, portanto, teria seu nome no google. NADA. ZERO informações. Desisti na hora de qualquer possibilidade de contato. E apenas para registro: não ter muita fila de espera significava apenas uns dois meses para agendar a cirurgia.
Próximo passo: contatos. Temos uma comunidade muito prestativa aqui em Luxemburgo e um dos membros me sugeriu o médico que o operou do menisco. Além disso, outros brasileiros que lesionaram o joelho me passaram os seus contatos médicos. Dois médicos brasileiros sensacionais se dispuseram a me explicar a situação pelo whatsapp ainda sem me conhecer e os possíveis procedimentos. Fui, então, para o segundo ortopedista, segunda tentativa. O médico era realmente bem bacana. Tão bacana que disse que como eu não era a Marta, ele não me indicava a cirurgia – ao menos ele tinha bom humor. Sugeriu-me fisioterapia. Após alguns meses somente com fisioterapia e laser, resolvi tentar uma terceira opinião, sugerida pela minha fisioterapeuta, também brasileira.
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Em novembro, consegui um agendamento para fevereiro (sim, 3 meses para uma consulta) com o ortopedista do hospital do esporte. Nesse meio tempo, estive no Brasil e visitei outros dois médicos e ambos foram taxativos ao dizer que, no meu caso, não havia outra alternativa se não a cirurgia. Eis que em fevereiro, finalmente, consegui a hora com o especialista-cirurgião que me examinou disse que para voltar a ter o movimento 100% normal novamente, teríamos de operar. A primeira pergunta dele foi se eu havia conversado com a empresa onde trabalho para agendar a cirurgia. Cirurgia marcada para começo de abril (Finalmente!). Achei curiosa a pergunta e comparativamente com o Brasil, em que médicos normalmente entregam atestados mesmo quando não necessário, aqui a legislação e o pensamento é bem diferente.
Tirando toda a via crucis que foi conseguir um médico em quem eu confiasse e, acima de tudo, que estivesse apto a me operar, o procedimento todo foi bem prático. Recebi uma carta na minha casa com o horário de comparecimento ao hospital. Tive exames pré-operatórios feitos lá mesmo e um horário com a anestesista. Ao contrário do Brasil, eu sabia somente o turno em que seria operada e quando deveria me apresentar no hospital, mas não sabia o horário da cirurgia em si e o médico tampouco explica isso.
As consultas médicas aqui são pagas na hora para o médico e depois temos de pedir o reembolso para a instituição de saúde – a Caisse Nationale de Santé CNS (como o nosso INSS). O procedimento se dá todo por correios e carta mesmo – um tanto quanto obsoleto, porém eficiente. O órgão de saúde reembolsa 80% do valor das consultas e os contribuintes têm uma co-participação de 20%. O processo de reembolso, quando são despesas ocorridas em Luxemburgo, costuma levar até seis semanas; quando são despesas ocorridas fora de Luxemburgo (como a ressonância que fiz), o processo costuma levar mais; até três meses. A cirurgia e os procedimentos de emergência são 100% cobertos pela CNS e pode haver a necessidade de o pagamento ser antecipado e, posteriormente, ser solicitado o reembolso. No meu caso, foi 100% coberto pelo sistema. Eu tive uma pequena co-participação na estadia.
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O que é diferente para mim no sistema de saúde daqui é que geralmente as pessoas possuem um médico de família/pediatra, ou seja, alguém da cidade/ bairro onde a pessoa reside que a acompanha e a cada problema/consulta com esse médico-geral, ele é quem direciona para o especialista, caso necessário. Eu não tenho um médico de família, pois sempre vou direto aos especialistas, usando um app bastante prático daqui. Particularmente, acho ineficiente o processo de reembolso, mas é um lobby da categoria médica e está para ser alterado.
Além disso, fiquei muito impressionada com o atendimento hospitalar. Foi muito bom, o quarto era como de um hotel no Brasil e as comidas escolhíamos pelo cardápio. Além disso, não faltou o fator humano, que na Alemanha era inexistente. As enfermeiras foram extremamente atenciosas e dedicadas e todas falavam ao menos 4 línguas, incluindo português. 3,05% são deduzidos mensalmente do salário dos empregados de Luxemburgo em média para o sistema de saúde público, não há opção de particular, apenas um plano complementar e realmente funciona. Fiquei super satisfeita com o atendimento até aqui. Obviamente sempre é mais fácil no nosso país de origem, mas um dos meus maiores medos, ao menos, está superado.
E vocês, alguma história engraçada ou difícil relacionada ao sistema de saúde do seu país? Eu adoraria saber mais.
Abraços e até outubro.
2 Comments
Patrícia, seus posts são sempre muuuuito esclarecedores!! Muito obrigada por dedicar o seu precioso tempo com essas dicas e informações. Se tiver alguma rede social através da qual podemos te acompanhar, deixe aqui, por favor. Mais uma vez, grata.
Oi MArina, que delícia de comentário. Obrigada pelo feedback, e fique à vontade para me conectar pelo LinkedIn (https://www.linkedin.com/in/patrícia-souza-she-her-hers-609a1820/) ou Facebook (Patrícia Souza – voce pode me localizar pela página do BPM). Será um prazer tê-la nas redes. Abraços