O que é comida kasher?
Muito se fala e pouco se sabe sobre a alimentação kasher, ou kosher. Considero um tema muito importante, pois em minha opinião, vai além da religião. Ademais, é recomendado ter alguma ideia do que se trata se quiser visitar Israel ou viver aqui. Assim, como a população no país é predominantemente de judeus, você se sentirá muito melhor se entender um pouco mais da cultura judaica.
Algumas pessoas acreditam que comida kasher é aquela abençoada por um rabino. Ou, que o alimento kasher está ligado à higiene. Não, não é somente isso. É muito mais. É espiritual, é sagrado, é bom. O alimento é o primeiro item de nossa necessidade, e o judeu entende e respeita muito sua comida.
Vamos entender melhor tudo isso?
O alimento, conforme a halachá (lei judaica), é chamada de kasher (ou kosher, em iídiche), originada do termo hebraico כשר (kashér), que significa “próprio” ou “adequado”, ou seja, próprio para consumo pelos judeus, pois preenche todos os requisitos da dieta judaica, em total conformidade com a Torá (lei maior dos judeus, ou popularmente conhecida como Bíblia Judaica). O conjunto de normas que rege a comida kasher é chamado Kashrut.
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É muito importante alertar que a Kashrut não é um estilo de culinária, como a comida chinesa, francesa, italiana, japonesa, indiana, ou qualquer outra, mas todas essas podem ser kasher, desde que preparadas de acordo com a lei judaica. Isso quer dizer que você pode ir a um restaurante japonês, por exemplo, e comer comida japonesa kasher.
Em primeiro lugar, a Kashrut separa quais tipos de alimentos são permitidos para consumo (Levíticos 11 e Deuteronômios 14:21), a saber:
1 – animais kasher devem ser ruminantes e ter o casco fendido. São eles: gado, ovelha, veado, carneiro e bode. Os animais que não possuem essas características estão proibidos para judeus, tais como porco, cavalo, camelos e burros;
2 – peixes com escamas e nadadeiras também são kasher. Assim, salmão, atum, anchova, bacalhau, badejo, garoupa, truta, lambari, pescada podem ser consumidos. Mas peixes como bagre, pintado, cação, tubarão entre outros, não são kasher. Vale lembrar também que nenhuma espécie de fruto do mar (camarão, lula, polvo, siri, lagosta, etc) é considerada kasher;
3 – as aves domésticas são kasher. Portanto frango, galinha, ganso, pato, peru e pomba são permitidos para o consumo. Já aves selvagens não são kasher, como a águia, avestruz, gavião, etc.;
4 – qualquer tipo de ser vivo rastejante não é kasher, como cobras e roedores. Segundo a Kashrut, insetos e vermes estão terminantemente proibidos para consumo. Por esse motivo, há um cuidado especial ao se lavar frutas, verduras, hortaliças e vegetais para que se tenha certeza de que nenhum inseto ficou no alimento;
5 – alimentos que não são nem carne, nem leite são chamados parve, ou seja, são neutros. São eles: ovos, peixes, frutas, hortaliças, grãos, cereais e sucos naturais, massas, biscoitos, refrigerantes, café, chá e muitos tipos de balas e lanches são exemplos de alimentos parve, desde que não tenham sido preparados com carne ou leite ou seus derivados.
Mas não é só isso. Não basta elencar o tipo de alimento na lista acima e pronto, é kasher. Há todo um cuidado no abatimento da carne e no preparo do alimento.
Além disso, bom esclarecer que, por conta do tipo de alimento, preparo, armazenamento e consumo, a comida kasher é classificada em três categorias:
Bassarí – nome derivado de bassar (carne em hebraico);
Chalaví – nome derivado de chalav (leite em hebraico). Neste item, além do leite, todos seus derivados, ou seja, manteigas, iogurtes, queijos, etc.
Parve – alimento neutro (massas, ovos, verduras, peixes, frutas, guloseimas, etc), desde que não tenha sido misturado ao leite ou carne, como por exemplo: pasta com molho bolonhesa é bassarí e ovo mexido com queijo é chalaví.
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Como disse acima, a comida kasher é muito mais que simples alimento, é uma questão espiritual também. Por isso, o abatimento de um animal requer um procedimento especial e uma série de cuidados. Para ser consumido, um animal kasher deve ser abatido por um rabino designado e autorizado pelo Rabinato (ministério que detém status de governança religiosa em Israel), o qual deve rezar uma prece específica (shechitá) e seguir um ritual. O método de abate seguido pelo Rabino visa o mínimo de dor e sofrimento ao animal, com uma faca perfeitamente afiada e um corte muito específico. Neste processo, segundo pesquisas, há perda instantânea da consciência e é indolor. Se o animal sofreu, deixa de ser kasher e não poderá se consumido.
Depois, todo o sangue deve ser drenado (é absolutamente proibido consumo de sangue, até mesmo uma única gota que esteja num ovo, por exemplo) e a carne salgada com sal grosso para que todo sangue seja absorvido. E você pode estar se perguntando: “Então não poderei comer em Israel a deliciosa e suculenta (que eu amo!) carne mal-passada?” Sim, poderá. A regra é que a carne deve ser, pelo menos por alguns segundos, passada no fogo, chapa, etc. e pronto, bom apetite!
Todo o restante do processo de limpeza, corte, embalagem e distribuição são averiguados e autorizados pelo Rabino.
O Rabino também é o responsável pela supervisão da Kashrut nos restaurantes, bares, hotéis, supermercados, etc. em que são servidos alimentos kasher. Você poderá ver um certificado concedido pelo Rabinato local na entrada desses locais.
Para produtos industrializados vale a mesma regra, ou seja, é imprescindível terem uma supervisão rabínica. Todos os alimentos processados requerem supervisão rabínica que ateste que podem ser consumidos em acordo à lei judaica. Isto aplica-se a todo produto que passa por processo de fabricação, incluindo congelados, bebidas, doces e até pasta de dente! Em todos os produtos há uma etiqueta de certificação da observância das leis judaicas, além de informar qual o rabino responsável.
No Brasil, muitos produtos são kasher e poucos sabem. Várias marcas são submetidas à inspeção de um rabino para que seja consumida por judeus. Você pode estar consumindo alimento ou bebida kasher e nem sabe!
Ainda não acabamos. Outro ponto extremamente importante na alimentação kasher é a proibição de consumo de carne e leite e seus derivados, juntos. E por quê? Também, de acordo com a Torá (Êxodos 23:19, 34:26) “Não cozerás o cabrito no leite de sua mãe.”. Essa é a regra, ou seja, na preparação, armazenamento ou consumo, não haverá carne (seja a propriamente dita, ou osso, molho, etc) e laticínios juntos.
Assim, em Israel você poderá ter certa dificuldade de encontrar algum estabelecimento que sirva cheeseburger, strogonoff, misto quente ou um bife à parmegiana.
A regra serve também para todos os utensílios de cozinha, tais como, panelas, pratos, talheres, travessas, e até a pia da cozinha! Tudo deve ser separado por bassarí (carne) ou chalaví (leite e derivados). Assim, uma panela que se cozinha carne não deverá ser utilizada para cozinhar alimento com leite.
Nem todo judeu come comida kasher e nem toda comida kasher serve só para judeus, mas podemos afirmar que nas famílias ortodoxas ou muito tradicionais, esta regra é seguida à risca. Há até duas cubas na cozinha: uma bassarí e outra chalaví. Você já pode imaginar a quantidade de coisas que devem ser averiguadas.
Além disso, a lei judaica determina que somente após seis horas depois de consumir carne, o judeu poderá consumir alimento à base de leite. Assim, muitas pessoas aqui consomem sobremesas parve (sem leite). Nada de um sorvetinho de creme depois do churrasco…
É bom saber que a maioria dos restaurantes israelenses são kasher. Portanto, há duas cozinhas separadas. Se estiver em um grupo de pessoas, sugiro que antes de se sentarem no restaurante, pergunte se serve o que vocês procuram. Assim, todos poderão aproveitar da rica culinária israelense.
Agora, uma observação pessoal minha: certa vez perguntei a um rabino, porque não podemos consumir carne e leite? Resposta rápida dele e de todos os judeus, na verdade: “Porque está na Torá”. Mas ele acrescentou: “Desde há 3 mil anos, rabinos estudam a Torá e tentam interpretá-la e alguns dizem que tudo que nela está tem alguma prova científica.” Gostei da resposta, e curiosa que sou, fui pesquisar. De fato, encontrei alguns depoimentos de nutricionistas que afirmam que não misturando leite (rico em cálcio) e carne (rica em ferro) há maior absorção de ferro e cálcio, já que esses dois minerais competem na hora de sua absorção e consumindo-os juntos, perderão parte de sua eficácia. Interessante, não é mesmo?
Outra explicação, esta oriunda da Kaballah, é de que o leite simboliza a vida (o início de tudo); já a carne simboliza a morte (o fim) e isto causaria um grande conflito espiritual em nossa alma. Por isso, a proibição dos dois alimentos juntos.
Espero ter esclarecido o tema, que é complexo, mas muito interessante. Agora, quando quiser visitar Israel você saberá o real significado da palavra kasher, dos certificados exibidos nas portas dos restaurantes, ou ainda, o motivo de algum conhecido seu evitar algum alimento.
Até o próximo post!
14 Comments
Sabia que existia essa diferenciação, mas não sabia os motivos. Muito interessante esse tópico.
Os muçulmanos também tem uma tradição parecida com essa, mas tb não sei detalhes.
Oi Rita,
Temos aqui no BPM dois textos falando a respeito da comida halal dos muçulmanos:
https://brasileiraspelomundo.com/qatar-comida-halal-o-que-e-isso-161835797 da Thais, nossa atual colaboradora no Qatar, e
https://brasileiraspelomundo.com/arabia-saudita-halal-ou-nao-halal-como-331714352 da Carla, nossa antiga colaboradora na Arábia Saudita (ela parou de colaborar conosco).
Boa leitura e obrigada por sua visita! Continue nos acompanhando!
Edição BPM
Oi Rita, obrigada pelo seu comentário. Tenho conhecimento que há muitos conceitos parecidos entre o judaísmo e o islamismo, afinal ambos têm o mesmo berço.
Como sempre maravilhoso.Tu escreves muito bem Priscila,aguardo teus post anciosa.Beijos e seja sempre feliz
Clio, muito obrigada por nos acompanhar.
O ideal seria ser vegetariano
Priscilla querida,
muito boa toda a informação que nos passa! Cada vez que leio seu texto – e o das outras brasileiras pelo mundo – percebo que estou diante da verdadeira cronica da nossa época. Continue sendo a maravilhosa cronista de Israel que você é!
Muitos beijos, abraços e saudades!
Ignez, ficamos muito felizes por acompanhar nossos posts. A idéia é realmente passar a realidade de morar fora do Brasil e como se vive em outros países. Continue acompanhando. Sempre tem coisa muito boa para ler e aprender! Beijos
Bom , mas na bíblia diz não cozeras o animal no leite da sua mãe, os dois juntos e não se pode comer separados? O q eu entendo é q não pode ser cozidos juntos agora consumir um e após o outro pensei q não haveria problema ate em consumir juntos, desde q não seja cozido.
Vanessa, no judaísmo é proibido consumir carne e derivados do leite na mesma refeição. Esse é um preceito da fé deles que não possui explicação nas escrituras que a justificam. Veja aqui a explicação do site do Chabad-Lubavitch em português, que é uma filosofia do ramo do judaísmo chassídico (tradicional): http://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/913179/jewish/A-Proibio-de-Misturar-Carne-com-Leite.htm
Boa leitura!
Equipe BPM
Vlw Priscilla, muito bom. Parece com a dieta dos adventistas.
Pingback: Marcia Cohen - Patisserie Kasher | kasher ou kosher?
Muito bom o texto.
Completo, bem explicado e de fácil entendimento.
Parabéns e muitíssimo obrigado.
É a dieta do velho testamento.