Escuto de tempos em tempos aqui na Bélgica, que um grande número de pessoas está infeliz no trabalho. Casos de burn-out são cada vez mais frequentes, sem contar o alto índice de suicídio. Depois que cheguei aqui tem sempre o amigo de um amigo, o irmão de alguém ou a mãe de outro alguém que passou ao ato mostrando para o mundo que eles não estavam felizes com a vida.
O que sempre achei curioso é que fala-se pouquíssimo sobre o suicídio na Bélgica. No entanto a média é de 7 suicídios por dia, 2.000 por ano, é o oitavo país no ranking europeu e essa é a maior causa de mortes externas no país, ou seja, morre mais gente por suicídio do que por acidente na Bélgica. Eu sei, não é muito romântico, mas é a real.
Parece que há uma espécie de cumplicidade entre as pessoas para não tocar no assunto. Falar de infelicidade no trabalho é aceitável, falar de suicídio não pode: “pra não fica dando idéia pra quem já não anda se sentindo muito bem”. Isso faz com que não haja praticamente nenhuma campanha de prevenção.
Quando percebi que as histórias de suicídio estariam mais perto do meu entorno do que eu teria imaginado, comecei a me perguntar se os belgas são felizes de uma maneira geral. Pergunta nada fácil de responder, felicidade a meu ver é um estado interno bastante pessoal e fico muito contente de saber que existem estudos científicos sobre a questão e que dão algumas pistas do que faz as pessoas felizes.
No princípio da minha vida aqui, morei alguns meses em uma cidadezinha chamada Charleroi, na Valônia, com alto índice de desemprego e casos sociais. Confesso que percebia certa letargia no ar e apatia em algumas pessoas. Lembro-me de pensar “a pessoa está com o seguro desemprego garantido, não precisa fazer muito esforço e acaba assim, queria ver se fosse no Brasil!”.
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Ao longo dos anos fui entendendo que o buraco é mais profundo e tendo mais empatia. Pesquisando sobre o assunto, descobri que a Valônia tem quase o dobro de suicídios se comparada à Flandria, e que um estudo do serviço psiquiátrico da UCL (Université Catholique de Louvain, 2015), liderado pelo Dr. Nicolas Zdanowicz, concluiu que existe de fato uma relação entre desemprego, condições socioeconômicas degradadas e o estado mental da população.
Existe também outro estudo recente chamado “Enquete Nacional da Felicidade” liderada pelo “professor da felicidade” Dr. Lieven Annemans da Ghent Universiteit, juntamente com a NN (empresa de seguros de vida), aonde ele procura responder à pergunta: “O que faz os belgas felizes?”
Depois de 2 anos de pesquisa, além de afirmar que 1/3 dos belgas são felizes e que 18% da felicidade está relacionada ao trabalho, a enquete formulou 10 recomendações para fazer os belgas mais felizes, separada em 3 grupos:
O que a política poderia fazer:
- Investir em uma situação financeira mais justa.
- Investir mais na saúde.
- Estabelecer uma base para melhorar as relações sociais.
O que os cidadãos poderiam fazer uns pelos outros:
- Investir no bem-estar social no ambiente de trabalho.
- Fornecer educação financeira.
- Favorecer a resistência ao estresse.
- Favorecer as relações sociais desde a infância.
O que as pessoas poderiam fazer por si mesmas:
- Ter um melhor equilíbrio do tempo livre.
- Viver de maneira saudável.
- Ocupar o cérebro.
Hoje, com filhos belgas e em idade escolar, percebo que o item 7, “favorecer as relações sociais desde a infância”, ainda deixa muito a desejar e que essa pode ser uma das chaves para evitar o desfecho que falei no inicio desse texto, além de proporcionar mais felicidade.
A escola e a cultura têm uma influência enorme na formação das pessoas e em como elas vêm o mundo. No ambiente que meus filhos frequentam, percebo que se uma criança “sai da forma” do que se espera dela, ou se é uma criança um pouco mais difícil, a escola (dependendo do professor) será a primeira a excluí-la de alguma maneira e a ferir uma das necessidades humanas básicas que é pertencimento social, gerando isolamento.
Se as relações sociais podem ajudar na felicidade dos belgas, pode ser que nós brasileiros que aqui estamos, possamos contribuir com o nosso calor humano e convivialidade, plantando uma semente nos nossos filhos e no nosso entorno, pela vida nesse país que nos acolhe! E que essa lista do que as pessoas podem fazer umas pelas outras, possa também inspirar você leitor, seja qual for o país que você estiver!
2 Comments
Interessantissimo o texto, Gina! Ainda que more aqui ha tantos anos, nao sabia que a ‘tristeza’ belga podia ir tao longe… Feliz de ter aprendido mais um pouco sobre essa terra. Parabens pelo texto!
Olá Eveline, que legal esse olhar! E que mesmo que você já esteja aqui há tanto tempo que o texto tenha ajudado a mostrar um pouquinho mais sobre a Bélgica!