Racismo e Xenofobia na Bélgica.
Cécile Djunga, é belga, de origem congolesa e apresentadora da RTBF, uma rede de televisão pública na Bélgica. É uma mulher linda, carismática, super sorridente, profissional e comunicativa. Alguns meses atrás ela cansou.
Cansou dos ataques racistas além de xenófobos que vinha recebendo desde que começou a apresentar o jornal da previsão do tempo.
Por esta razão, publicou um vídeo emocionante e desabafou nas redes sociais, chegou no seu limite.
Felizmente, o vídeo de Cécile recebeu muito apoio público, inclusive da rede de TV onde ela trabalha.
Apesar da mobilização, ela afirma que os insultos continuam. O caso dela não é o único.
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A inconsciência em todos os sentidos
Por incrível que pareça tem muita gente que pensa que isso não existe na Bélgica. Eu também pensava.
Como um grande número de brasileiros, nasci filha de pai imigrante e cresci com a diversidade em todos os sentidos.
Sei que o Brasil é, infelizmente, um país com muita discriminação racial e social, mas xenofobia mesmo fui conhecer na Bélgica.
As pessoas que atacaram Cécile são racistas assumidos e não têm medo de se expor com comentários ilegais nas redes sociais.
Mas penso que uma grande parte dos racistas e/ou xenófobos aqui provavelmente vivem um “racismo inconsciente”.
Alguns julgam que fazer um certo tipo de comentários é normal, é piada, é humor. É dessa inconsciência que estou falando.
Por exemplo, um dos professores do meu filho disse abertamente em sala de aula que determinada cultura belga é mais inteligente que a outra.
Além disso, fez alusão ao seu idioma que é claramente “superior”. Ao ser questionado, ele disse tratar-se de uma piada.
Consequentemente a criança ficou profundamente triste e chocada, e não é por falta de senso de humor, é porque machuca mesmo.
Na verdade, esse é um caso sério na Bélgica e provavelmente no resto do mundo.
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Aplicativo anti-imigrante
Nas últimas eleições de 2019, o “Vlaams Belang”, partido flamengo de extrema direita, separatista com propósitos anti-imigração, ganhou bastante voz no Parlamento.
Como resultado, 1 em cada 5 flamengos votou a favor da campanha: “Nossas pessoas primeiro”, em outras palavras, anti estrangeiros.
Recebi mensagens esponsorizadas desse grupo pelo facebook e acompanhei algumas discussões por interesse no futuro político do país.
Acreditem ou não, vi brasileiros apoiando uma campanha que era claramente contra os estrangeiros.
Em 2018, esse partido criou um aplicativo anti-imigrantes chamado “Immigratie APP” com o objetivo de mostrar os verdadeiros fatos sobre a imigração. Igualmente, o número de refugiados em tempo real e a quantidade de dinheiro usado para subsidiar mesquitas, asilados políticos, “novos belgas”, etc. Pasmem: com milhares de usuários.
Como foi na prática?
No meu caso, ouvi alguns comentários sutis ao longo dos anos, mas nada comparado ao caso de Cécile.
Seja pela minha cor de pele chamada de “basané” (pardo), pelo sotaque ou pela aparência “do sul”.
As piores experiências foram por telefone, quando eu sentia a rispidez da pessoa que, ao perceber meu sotaque, tratava-me como ignorante.
Como resultado, desenvolvi a crença de que “os belgas não gostam de estrangeiros”, o que não é 100% verdade, pois me casei com um.
Ao longo dos anos, também desenvolvi o hábito de cercar-me de outros estrangeiros e de ambientes internacionais.
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Como é hoje?
Primeiro, apesar de muito esforço o sotaque é inevitável e está tudo bem, eu gosto dele.
Segundo, certamente não são todas as pessoas que têm preconceito.
Quando conheço uma nova pessoa, face à pergunta de onde eu venho, logo respondo com muito orgulho: “Do Brasil, um país lindo, você conhece?”
Terceiro e mais importante, quando falo ao telefone e pessoalmente tenho a postura firme.
Mas, se por acaso sinto que a pessoa está com problemas com o meu sotaque ou origem, pergunto o nome dela e digo que ela não está sendo gentil.
Normalmente as pessoas se calam.
Conclusão
Pergunto-me de onde vem tanta repulsa? Difícil encontrar resposta e nem sei se ela é importante.
Da minha experiência, e principalmente do que está sob o meu controle, posso dizer que muita coisa passa pela postura.
Antes, sentia-me como se estivesse em uma casa que não era minha. Hoje, apesar de tudo, sinto-me muito bem aqui. Como disse, penso que esse não é um problema apenas belga.
Certamente sou diferente deles fisicamente, mas igual em humanidade, direitos e deveres e é aqui que vou ficar, eles gostem ou não.
Então, penso que aceitar esse tipo de comportamento não é uma opção, é necessário agir com inteligência, interação e educação.
Educa-se também as pessoas quando as coloca limites. Isolar-se em guetos é provavelmente dar espaço para segregação social e exclusão.
Sou adepta da comunicação positiva. Madre Tereza de Calcutá a utilizava sabiamente: “Nunca irei à uma manifestação contra a guerra, se fizerem uma pela paz, chamem-me”.
Percebam que parece a mesma coisa, mas para o nosso cérebro não é.
Conclusão: “Nunca irei à uma manifestação contra o racismo e a xenofobia, mas se for pela igualdade, tolerância e respeito, apoiarei com certeza!”
2 Comments
Ótimo texto, que tem ares de depoimento “coletivo”. Super me identifiquei.
Oi Eveline, que bom que você gostou! Adorei o termpo depoimento “coletivo”.