O que tenho aprendido residindo em ecovilas na Europa – Parte 1.
No texto anterior, fiz uma breve introdução do que tenho aprendido residindo há mais de um ano em diferentes ecovilas espalhadas pela Europa. Também compartilhei a definição de ecovila e como começou esta minha ideia de viajar o mundo explorando os cinco continentes através da vivência em comunidades sustentáveis.
Caso não tenha lido o último texto, sugiro uma breve pausa para contextualização do tema. Basta clicar aqui e familiarizar-se com o conteúdo.
Reflexões
Antes de detalhar meus principais aprendizados residindo em quase quinze ecovilas, levanto alguns questionamentos para nossa reflexão:
É possível…
– Transformar o mundo a partir de dentro?
– Conectar com a nossa essência natural em meio ao caos?
– Co-criar um ambiente positivo através de simples ações?
Por que a maioria das pessoas que mora em cidade grande busca refúgio na Natureza em momentos livres? Férias e feriados prolongados são geralmente gozados em algum hotel fazenda na serra, num resort em uma ilha, numa casa de praia ou de campo, numa simples pousada em um pequeno vilarejo ou até mesmo num camping.
De onde vem o regozijo de respirar ar puro, ouvir o som das águas, dos pássaros, das folhas das árvores e da chuva? Sentir o cheiro de terra molhada e das flores. Apreciar o por do sol e o brilho das estrelas, a magia do fogo e a luz da lua cheia.
O que justifica a popularidade nas redes sociais das fotos que contém paisagens naturais como plano de fundo?
Será que a resposta está na necessidade de reconexão com a nossa essência natural que foi corrompida pelo ambiente caótico em que vivemos?
Por que nos sensibilizamos com as tragédias e a dor do outro e imediatamente promovemos a solidariedade? Será que o espírito de cooperação abafado pela competitividade predominante em nossa atual sociedade prevalece nessas horas? Olha aí uma possível necessidade de reconexão com a essência natural de novo!
Tenho comprovado diariamente que a essência do ser humano é boa. E essa experiência não é aplicável apenas ao ambiente das ecovilas, também vivencio isso nas minhas passagens pelas grandes capitais.
O que leva as pessoas admirarem e cooperarem com o meu projeto quando digo que o principal objetivo é co-criar um centro educacional gratuito e sustentável para a população pobre do Rio de Janeiro? Por que meu sonho pessoal inspira outros projetos?
Será que tem relação com a busca pela sustentabilidade social mencionada no texto anterior?
Segundo o biólogo holandês Frans de Waal, “há muitos animais que sobrevivem graças à cooperação. E nossa espécie em particular provém de uma longa linhagem de ancestrais que dependiam uns dos outros. Empatia e solidariedade estão incutidas em nós, logo, o projeto de nossa sociedade deve refletir esse lado da espécie humana também”.
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Principal referência
Uma das minhas experiências mais importantes foi na Fundação Findhorn, situada na beleza natural da baía de Findhorn no nordeste da Escócia.
Pioneira em soluções sustentáveis, a ecovila Findhorn é a residência de mais de 400 pessoas provenientes de todo o mundo. Há quase seis décadas, em conjunto com milhares de visitantes, a comunidade busca transformar a consciência humana na vida diária para trazer novas possibilidades ao mundo.
Os programas oferecem a oportunidade de viver e servir a comunidade espiritual, aprofundando a experiência individual e coletiva e conexão com o lugar.
Um convite à inspiração e transformação, gerando uma mudança global que começa dentro de cada um de nós.
Aprendizados na prática
Todas as atividades em Findhorn são baseadas em três princípios:
1. Escuta interior
Desde sua fundação, em 1962, os membros da comunidade meditam diariamente juntos.
Há três opções disponíveis, inclusive para os visitantes:
06:30 – 07:30 Meditação em silêncio
08:35 – 08:55 Meditação Guiada
17:40 – 18:00 Meditação livre
Meu principal aprendizado praticando a escuta interior através da meditação diária foi o sentimento de conexão comigo mesma, com o outro e com o momento presente. É uma sensação de plenitude que gera paz, equilíbrio emocional e empatia nos relacionamentos. Uma ótima forma de iniciar o dia com mais energia e foco.
2. Amor em ação
Este foi o mais valioso aprendizado vivendo em comunidades, especialmente em Findhorn: compreender o verdadeiro significado do trabalho, que eles definem como “amor em ação”.
Ame onde você está. Ame o que você está fazendo. Ame quem está fazendo com você.
Antes de cada turno, os grupos ou departamentos se reúnem com um círculo matinal para compartilhar tudo o que é necessário para a apresentação individual de cada membro através de uma espécie de check-in, ou seja, compartilham o que está vivo internamente naquele momento (a prática da meditação realizada anteriormente contribui para esta consciência), trocam experiências pessoais vividas nas horas antecedentes e, em seguida, realizam uma sintonização com as mãos dadas: uma breve meditação para alinhar as pessoas umas com as outras e com a tarefa, e convidar a cooperação de todos os envolvidos, inclusive os anjos.
As tarefas são apresentadas pelo focalizador do dia e cada componente tem a liberdade de escolher a que mais se identifica, dando início à prática do amor em ação.
Um reconhecimento de que tudo o que fazemos, por menor que seja, é uma oportunidade de ir além das crenças anteriormente limitantes e de moldar um novo futuro.
3. Co-criação com a inteligência da Natureza
Nosso planeta está vivo e consciente. Comunicando e trabalhando com a Natureza, o ser humano pode encontrar e trazer soluções novas e criativas para a vida.
Seja por meio de dons inatos ou por meio de treinamento em escuta interna, temos o potencial de fazer parceria com os aspectos mais sutis do nosso mundo.
Aprendi a colaborar com outras formas de vida nas atividades diárias da cozinha, hortas, jardins e espaços de convivência. Antes de cada turno, convidamos parceiros não humanos, como as plantas que estamos cuidando e os animais que vivem no ambiente em torno, para trabalhar ao nosso lado. Essa cooperação traz resultados práticos, além de uma relação mais conectada e criativa com a vida.
Pode parecer estranho para quem não vive essa realidade, mas é impressionante como a comunicação funciona na prática. Tive experiências pessoais conversando com alguns animais e plantas e o resultado foi positivamente surpreendente.
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No próximo texto, compartilharei aprendizados adquiridos em outras comunidades que tive a oportunidade de residir e cooperar como voluntária. Ressalto que o espaço continua aberto para dúvidas e curiosidades.
2 Comments
Oi Vanessa, sou mineira morando no Rio e me identifico muito com suas colocações. Tenho vontade de conhecer Findehorn! Tenho algumas perguntas para te fazer: você ficou por quanto tempo? Como voluntária?Se sim, quantas horas trabalhou? Qto foi o custo?Tenho como objetivo ter fluência no inglês. Acha que tendo um inglês – básico/intermediário conseguiria me envolver com as atividades?
Gratidão!
Oi, Ana! Fico feliz em saber que você se identifica com minhas colocações. Se você busca uma comunidade com foco na espiritualidade, Findhorn é muito indicada. Eu fiquei por 15 dias fazendo dois workshops (Experience Week & Being in Community). Eles não têm programa de voluntários, mas eu recebi uma bolsa de 50%. Você pode consultar todos os programas disponíveis com os respectivos custos no site oficial. Inclusive há workshops em Português (https://www.findhorn.org/portugues/) caso você não se sinta confortável para fazer em inglês. Recomendo o nível avançado para que você possa extrair o máximo dos treinamentos, compreender o grupo com perfil internacional e ser compreendida. Desejo muita luz em sua caminhada!