Eu já tive inúmeras discussões sobre o modus operandi dos franceses (como se pudéssemos colocá-los todos num saco só, assim como certamente gostaríamos que fizessem conosco). Alguns amigos juram que foram alvos de circunstâncias constrangedoras e até de falta de polidez.
Pode parar por aí!
Em primeiro lugar, todas as frescuras que você já ouviu falar que são essenciais para os franceses são, na maioria das vezes, bobagens comerciais. Na vida real, eles são muito, muito, muito mais simples e práticos do que você imagina. A propósito, a simplicidade é um elemento crucial na vida de um francês. Duvida disso só porque comeu uma sobremesa super elaborada em sua última visita à Paris? Não se engane: isso não é sofisticação, pelo contrário, é necessidade, é apreço ao que se come. A propósito, a conduta alimentar é um capítulo à parte… Eles não só comem, eles respeitam a comida e tornam cada refeição em um momento memorável. E, além disso, a França não é só Paris (ainda que Paris seja toujours Paris).
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Eles são muito entusiasmados e envolvidos em aspectos culturais que, na nossa cultura e rotina, muitas vezes não são nem lembrados. Por exemplo, agricultura biológica e tudo o mais que envolve o mercado bio é muito importante e parte da vida dos franceses – não é só mais um segmento de mercado, mas, do contrário, faz parte da vida. Outra coisa incrível, para mim, são os mercados de rua (como as nossas feiras livres). Há uma infinidade de marchês aqui: bio, de produtos locais, de vinhos, de abóboras, de doces específicos, de tipos de castanhas e derivados, de tapenades. É extraordinária a habilidade deles em transformar um só item em um mercado completo e delicioso. E os mercados locais são muito mais valorizados do que qualquer outro produto “de fora”.
A forma como eles se relacionam com as atividades físicas também é um capítulo à parte: andar de bicicleta, aqui, é coisa séria e muito respeitada. As balades, ou seja, caminhadas têm um espaço garantido na agenda, e os circuitos são os mais diferentes: na montanha, em trilhas pelo campo e na margem de rios e lagos. A natureza, a propósito, faz parte do cardápio de uma maneira muito intensa. E, por falar em cardápio, o vinho, o foie gras, as trufas e os azeites são respeitados, não só em termos de mercado, mas dentro de casa… à mesa.
Quando você começa a entender o ritmo de vida e o tal savoir-vivre dos franceses, a sua percepção muda – completamente. Suspeito que o recurso slow motion deva ter nascido aqui. Preza-se cada ocasião: as pessoas olham nos seus olhos para lhe atender; há um lógica cordial em qualquer situação de comunicação, por menor que seja, bom dia, com licença, por gentileza e todos os modais não são excessos antes de começar qualquer conversa – é indispensável, compulsório e inescusável todas as etapas de cumprimentos, mesmo antes de pedir um pão na padaria. Os franceses que conheço e convivo são – efetivamente – pessoas que se colocam, integralmente, em cada oportunidade ou atividade. Agora, fala sério, você não gostaria que as pessoas fossem gentis ao lhe pedir alguma coisa? Além disso, viver cada momento, ao seu tempo, não deveria ser uma reivindicação de todos nós?
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As estradas são entusiasmantes, recuos com mesas e bancos são precisamente planejados para piqueniques com vistas deslumbrantes, árvores e mais árvores plantadas, cuidadas, bicicletas convivem com veículos que as respeitam. Por falar em bicicletas, os franceses são apaixonados pelas pedaladas: no futebol e nas magrelas. São, geralmente, apaixonados por atividades físicas ao ar livre e associam o corpo ao sentido.
Por falar em atividades ao ar livre e o corpo, outra coisa que acho fantástica é a maneira como desassociam os aspectos sexuais do corpo. É completamente comum ver uma senhora ou um senhor trocando de roupa na praia: tirando a calça, blusa, sapato e vestindo um biquíni – claro, sem colocar o bumbum para jogo! E não há nenhuma surpresa nisso.
Nem tudo são flores. Eu concordo que em inúmeras oportunidades percebi uma falta de interesse dos nativos em receber pessoas em seu país. Mas eu entendo, o ritmo de vida que você acredita que existe na França inteira se resume ao pequeno universo ultra marqueteiro vendido para todos nós que somos ‘de fora’. Ou seja, aquele glamour acelerado não é real. Aí, vem você, na febre do consumo, do imediatismo, na corrida para ver todos os museus, espetáculos, exposições e concertos, tudo num dia só, em desacordo com a pausa deles para o almoço – longo e lentamente degustado; para o café; para a caminhada contemplativa até o metrô… e ainda me esquece de dar bom dia? Eu, provavelmente, pensaria “Hey, Mr. Down to the wire, go to America!”. E, correndo o risco de parecer antipática, afirmo: talvez aqui não seja o lugar para você que corre demais.
“Eu não falo francês e eles não se esforçam para entender o inglês”… e você já saiu de casa sabendo disso, não? Não custa absolutamente nada aprender bonjour, merci, s’il vous plaît; excusez–moi. Pelo contrário, só amplia as suas oportunidades de ser gentil e divertir-se! E isso basta para o começo… O resto, meu caro, se você não está disposto a aprender essa língua fantástica, é mímica. Além disso, não é questão de não se esforçar; há um grande contingente de franceses que não fala nenhuma outra língua mesmo! Assim como no Brasil!
É preciso ambicionar entender os aspectos culturais e até mesmo históricos de um povo para compreender o todo: as condutas e atributos que nos tornam únicos no mundo e, também, partes uns dos outros. Preconceito existe em todos nós, não tem nacionalidade, subsiste assim como o sangue e os sonhos. Todos os sentimentos que experimentamos não são exclusividade da origem do passaporte. É preciso compreender que, ainda que as emoções se realizem de formas diferentes, todos nós vivenciamos delícias e amarguras. E não é aí que mora a mágica?