“Maternidade não é pra qualquer uma.” Foi assim que uma luz bem vermelha foi acionada dentro da minha cabeça, indicando que alguma coisa muito errada estava ali! Quer dizer que existem “as mães”, e as que são “qualquer uma”?!
Durante muito tempo refleti sobre as premissas dos movimentos feministas, o ímpeto oriundo da premência de ter expressividade na cena política ou de exercer o direito de escolha. Esse assunto é fascinante! Conheci muitas mulheres interessantes, que pensavam e transpiravam ideais notáveis e, aos poucos, sucumbiram. Explico: sucumbiram não por terem se tornado mães, mas por se deixarem qualificar como massa de manobra, por se reduzirem – intencionalmente – a alguns sentimentos e condutas mesquinhos. Seduziram-se pela falsa sacralidade que repousa na maternidade.
Falsa sacralidade: Não fala mal da mãe!
As mães não são sagradas por serem mães. As pessoas são sagradas em todas as suas instâncias. Mesmo aquelas com as quais não queremos nos associar.
Sim, a maternidade é para qualquer uma! Qualquer uma pode gerar e parir. Até os animais mais ordinários são capazes desse feito.
As mulheres têm licença para reconhecerem-se especiais por isso. Mas não podem presumir que, a partir da maternidade, estão autorizadas a requerer que todas as mulheres ambicionem trilhar o mesmo caminho ou que todas aspirem “esse” lugar no pedestal.
A minha mãe talvez tenha ensinado a coisa mais importante da minha vida. Veja bem, talvez. Embora magnífica, ela não é a única pessoa no mundo a me aconselhar, ela não é a única capaz de promover acréscimo a minha vida, por isso, TALVEZ. Ela me ensinou que saber ser amigo é fundamental. Não se trata dessa “amizade” que só interessa quando você tem alguma compensação para oferecer. Para minha mãe, a amizade é par, pensar nas outras pessoas, é doar-se ao outro, é a prática da generosidade. Essa prática não tem nenhuma relação com a maternidade, mas com o senso de coletividade e apreço pelo semelhante. Minha mãe me ensinou que precisamos cuidar do outro porque ele é parte de nós mesmos.
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Todas as mães deveriam saber cuidar? E o cuidado deveria ser com TODOS? Vale a reflexão. O que se verifica, na prática, não é bem assim. E você, que virou mãe ontem mesmo, não gosta de ser cobrada por uma perfeição inatingível, não é mesmo? Não seria elegante e polido pensar em como você se vê, e como vê as outras do seu gênero?
Você vira mãe e faz igualzinho a tudo aquilo que sempre figurou, aos seus olhos, estranho ou impreciso. A nossa sociedade, muito individualista, prega que a família deve ser preservada. O resto (se ninguém tiver olhando) que se dane! Cuido bem dos meus filhos, e os filhos dos outros (clandestinamente) que se danem! Eu gero filhos, os filhos gerados pelos outros e, algumas vezes abandonados, que se danem! Eu cuido do meu, educo o meu, alimento o meu, visto o meu e o dos outros, se é que eles têm um dono, que se danem!
Massa de manobra: taca a mãe pra ver se quica!
Eu, tolamente, achava que a maternidade tornasse as mulheres melhores! Que, por serem mães, as mulheres se tornariam, de fato (e não como um direito divino à superioridade que pensam que têm), melhores. Que seriam mais tolerantes por experimentarem o peso de suas decisões. Que ponderariam suas acusações porque entenderiam que o mundo é cruel com os mais frágeis. Que saberiam dar amor porque desejam ser amadas e que seus filhos também sejam. Mas não é isso! As mulheres são mães e nada muda. Pelo contrário, em alguns casos, vejo nascerem mesquinharias que não existiam antes.
Tornam-se massa de manobra, fontes de comparações infindáveis: o meu andou com 6 meses; o meu escreveu com 1 ano; o meu tem que ter a melhor festa de aniversário! Tornam-se mesquinhas, inexpressivas, indelicadas e egoístas simplesmente porque ser mãe é tão intenso que se sentem no direito divino de cobrar a contrapartida de todos, mesmo àqueles que só ocupam uma mesa ao lado.
Briga: Não bota a mãe no meio!
Eu já ouvi as mais diferentes sentenças sobre a maternidade: a mulher só se realiza quando é mãe; só existe família quando há filhos; quem não tem filhos é egoísta; que algumas mulheres não querem filhos porque não querem ficar feias; que só as mães reconhecem o verdadeiro amor; que um filho é a maior de todas as bênçãos da vida de uma pessoa… E por aí vai…
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Fica a dica: tenha a delicadeza e cautela de julgar a sua vida, seus anseios e interesses pela sua ótica, e deixe que os outros ponderem, pesem e meçam seus próprios valores, desejos e propósitos. Se você precisa preencher a sua vida, algum vazio ou coisa que o valha, tudo bem, eu entendo. Mas entenda, você, que meus vazios estão todos ocupados.
Noutro dia, curiosamente, uma mulher me cutucou, acenou para uma terceira e disse: “- Coitada; mãe solteira”!
Ora, pois, e o amor maior? E a realização? E todo resto? Não se aplica a esse “tipo de mulher”? Até as mães rotulam, etiquetam e catalogam as mães?
Quer dizer que se você nasceu mulher, é bem formada, bem-sucedida, bem-educada e (importantíssimo) bem-casada você TEM QUE ser mãe para se realizar, porque não há nenhuma outra forma de realização no mundo! Mas se falta um desses elementos, qualquer um, aí tudo bem, nem se preocupe, você não precisa ter “a maior das realizações do mundo”! E se tem: coitada, essa será a sua categoria!
Porque relegar um espaço de menor prestígio aos demais interesses? O que é mais importante: ser mãe ou operar um paciente em estado terminal em uma mesa de cirurgia? O que é mais importante: ser mãe ou construir casas para desabrigados que morrem de frio? O que é mais importante: ser mãe ou ser educadora de filhos que nem seus são? Há como dimensionar as importâncias que cada uma das pessoas dá para a sua própria vida? Há como validar o interesse de cada um e catalogar as pessoas por desejarem algo diferente?
E assim, caladas, algumas das muitas mulheres que conheço (e ousam desejar uma vida diferente do que o mundo decidiu que deve ser o seu papel) permanecem. Resignam-se, silenciosamente, ao destino “fatal” e “lamentável” de não serem mães.
Na casa da mãe Joana, vou apagando aquela luz vermelha
Eu realmente não entendo esse posicionamento, e nem pretendo! E como tantas outras da minha espécie (sim! Secretamente nós nos reconhecemos, resistimos e existimos à margem, escondidinhas), sempre me designei o direito ao silêncio daquelas que não tencionam julgar, só estimam ter respeitadas as suas escolhas.