No texto passado eu apresentei para vocês aquele que dizem ser o dia mais feliz de uma mulher romena; porém hoje venho aqui falar dos três dias mais longos e complicados para uma família romena, a morte de um ente querido e um funeral romeno.
Como todo lugar do mundo, cada região tem as suas particularidades e regras sociais. Mas no geral se o grupo familiar romeno não tiver no seu núcleo algum cigano ou for completamente composta de ciganos, os ritos são no geral bem parecidos. Os mais antigos e de origens rurais possuem ritos mais respeitosos e menos atribulados pela cotidianidade das grandes cidades. Dizem que os funerais rurais duram mais tempo, enquanto os urbanos duram menos possivelmente por falta de tempo, pois a vida tem que continuar, inclusive pela falta de parentes presentes ou pela pressa deles de voltarem para “casa” – pois dos seus 20,1 milhões de habitantes mais da metade está fora do país por motivos de trabalho.
Assim que a morte é comunicada e confirmada a família prepara o corpo com as roupas prediletas do morto e o coloca em cima da cama que foi da pessoa falecida durante a sua vida. Sim, você leu certinho. Os corpos vão ser velados dentro de casa enquanto os outros moradores levam uma vida teoricamente normal dentro da casa. Recebem os visitantes, curiosos e parentes enquanto o morto repousa no vai e vem e entra e sai de todos ali. As pessoas dormem, comem e literalmente vivem tranquilinhas com um morto dentro de casa por três longos dias.
Todos familiares mais antigos se vestem de preto e as mulheres além das vestimentas formais cobrem a cabeça com um véu preto e também muitas retiram brincos e adereços do corpo, apenas as crianças muito pequenas estão liberadas destas formalidades, adolescentes também se vestem como manda o figurino. Durante o vai e vem dos parentes todos devem se manter vestidos assim em um contínuo sinal de respeito por aquele que se foi.
Na porta da casa da pessoa falecida será fixado um mastro com uma bandeira com o símbolo de uma cruz ortodoxa dourada e roxa, bordada em um tecido preto. Durante todos os dias do velório um rapaz que normalmente é do ciclo familiar vai ficar posicionado na frente da casa tocando a cada meia-hora em uma trombeta uma marcha fúnebre; porém durante a noite a música silencia. Infelizmente passei alguns dias atormentada por esta música e confesso que meu humor não era dos melhores quando acordava as 5 da manhã com os rumores da trombeta anunciando um novo dia para o velório.
Sempre que acontece nos arredores de onde estou fico angustiada, é um som muito triste e uma ameaça eminente de que a vida tem seu fim pairando sobre nossas cabeças. Apesar que eu acho que apenas eu sinto este pavor, pois todos os romenos ao meu redor lidam muito bem com estes sons e com a morte do vizinho de casa ou de rua. Ninguém se abala, fora os familiares envolvidos todos os vizinhos fazem de conta que nada esta acontecendo por ali.
Chega a ser estranho ver a cruz na porta do prédio anunciando que algo triste se passa por ali enquanto tantos passam pela portaria sem sequer se abalarem com a tristeza alheia. A morte assume um papel muito sereno e rotineiro nestes dias de vigília. Por muitas vezes cheguei a contestar as pessoas, indelicadamente, confesso, se aquele som e todo aquela cena não os incomodavam e a resposta era um simples “normal”.
Após o velório com direito a uma pequena missa dentro de casa, o corpo vai ser preparado para ir para o caixão que também é algo muito simples de madeira sem muitos adornos. O corpo deve sair da casa com os pés primeiro na direção da porta, representando que o morto sai de “bem” com a vida e assim todos seguem para o enterro que é muito parecido com o nosso no Brasil, a diferença é que na Igreja Católica Ortodoxa o enterro é feito sempre na terra e não existem aqueles túmulos de mármore e cemitérios enormes. Muitas flores serão depositadas em cima do amontoado de terra que será adornado apenas por uma cruz.
Existem vários mini cemitérios dispostos pela cidade ou região, principalmente na zona rural, a cada amontoado de casas tem sempre uma terra santa pronta para receber os filhos daquela terra.
Durante minhas andanças pela Romênia encontrei muitas fotos e cruzes dispostas pela cidade, enfeitadas com algumas flores plásticas. Fiquei surpresa ao saber que esses memoriais são feitos para recordar que alguém morreu ali, exatamente naquele lugar. Não importa aonde seja, no centro da cidade, na beira de estrada, na esquina de uma rua ou até mesmo em algum lugar turístico. Se alguém veio a óbito naquele local, um pequeno memorial será feito ali. Alguns com apenas o nome, outros com plaquinhas contando o motivo, uns com fotos outros sem nada.
A maior curiosidade para mim referente a mortes de romenos se da ao fato que o aniversário de 3 anos de morte é comemorado com um banquete e também será lembrado em outras datas como Páscoa. A família do morto tem a obrigação de durante os 3 primeiros anos da morte oferecer comes e bebes para todos aqueles que vem até a sua casa “cumprimentar” – uso esta palavra na falta de algo melhor, pois realmente nada me vem a mente para tal ato. Para nós brasileiros este processo de luto é muito estranho pois da a impressão que a sua missão com o ente querido vai terminar somente depois destes anos e olhe lá. Pois bem, saiba que todos comparecem e o banquete deve ser bem grande e bem abastecido pois é tudo de graça e ninguém perde um regabofe mesmo que este seja em prol da tristeza alheia. Todo romeno nasce sabendo que na sua vida terá que fornecer banquetes para nascimentos, batizados, casamentos e inevitavelmente para a morte.
Outra curiosidade é que o morto sempre será lembrado pela sua família nos eventos, uma música será cantada para ele em sua memória e é aquela choradeira que marca a saudade de quem ficou e para mim é o ato mais lindo de todos pois o respeito que fica no ar vale mais que muitas lágrimas.
2 Comments
Oi Bruna….
Gostei muito do seu blog , e do que você contou sobre o costume da R0mênia sobre o que acontece quando alguém morre….Tem muitas coisas que nunca saberemos quando fazemos turismo …só sabemos quando alguém nos conta …Parabéns , você escreve muito bem , e consegue dividir suas emoções e nos apresentar uma Romênia que só conhece , quem vive aí…
Um abraço
Regina
Olá Bruna, acabei de me mudar para a Romênia e gostado de saber mais coisas a respeito…
Onde você morou? Por quanto tempo? Aprendeu romeno?
Adorei seus textos! São ótimos!