Por que os brasileiros são mais felizes que os japoneses?
Outro dia eu estava passeando com dois amigos brasileiros, ambos moradores de províncias vizinhas, e o estilo de vida dos japoneses entrou em discussão. Depois de analisar tantas coisas que eu já observei nesses quase quatro anos morando no arquipélago, a conclusão de repente se tornou clara para mim: os brasileiros são mais felizes que os japoneses, sim!
A teoria pode parecer estranha para muita gente. A grosso modo, os japoneses são privilegiados com menos desigualdade social, uma vida mais confortável em que os sistemas públicos funcionam com eficiência. Organização social, transporte público rápido e limpo, segurança e um padrão de vida médio para a maioria dos cidadãos.
Do outro lado da balança, estão os brasileiros (que vivem no Brasil) e sofrem com as desigualdades, a saúde, a segurança, a educação e o transporte público precário. Se for comparar apenas as estruturas sociais e políticas, parece ridículo dizer que os brasileiros são mais felizes, não é mesmo?
Na verdade, não. A teoria de que os brasileiros são mais felizes tem até embasamento científico. Segundo o último Relatório Mundial da Felicidade, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e divulgado em março deste ano, o nível de felicidade do povo brasileiro é muito superior ao japonês.
Na primeira posição do ranking está a Noruega, com o título de país mais feliz do mundo. Enquanto o Brasil ocupa a 22° posição, o Japão ficou para trás, em 51° lugar! Diversos países em desenvolvimento superaram o Japão na lista, como a Guatemala (29), Tailândia (32), Arábia Saudita (37) e Malásia (42).
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Mas, afinal, o que falta para os japoneses serem felizes se eles já possuem tudo? E o que de fato significa felicidade? É muito difícil descrever a “felicidade” já que cada pessoa carrega consigo um conceito. Há quem pense que a felicidade é um estado temporário, que ocorre em ocasiões especiais. Para muitas pessoas, a felicidade é a visão de um futuro próspero, após a realização de todos os sonhos.
Acredito que todos os conceitos estão, de certa forma, corretos. No entanto, acredito que a satisfação com a rotina tem uma importância fundamental para definir um povo como feliz ou infeliz e é neste ponto que se encontra o calcanhar de Aquiles da sociedade japonesa.
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Pressão social
Os japoneses convivem com a pressão durante toda a vida. Na escola, há pressão relacionada à disciplina e ao cumprimento de regras. Os estudantes também sofrem pressão com os estudos, já que a entrada nas melhores escolas e universidades depende do desempenho e comportamento escolar.
Na vida universitária, a pressão para arrumar um emprego começa antes da formatura. Os alunos participam do processo seletivo de inúmeras empresas, que conta com seminários, prova escrita, prova oral, entrega de redação, currículo e entrevistas até garantir a vaga. Quando a vida de trabalhador inicia, mais pressão: regras rigorosas, cumprimento de ordens sem direito a dar opinião, submissão com relação aos chefes. E as férias? Peça, se tiver coragem.
O ápice da infelicidade de muitos japoneses surge quando estão insatisfeitos com o trabalho. As empresas japonesas são rigorosas e dificilmente contratam candidatos que já passaram dos 30 anos de idade. Se o trabalhador quer trocar de empresa é preciso fazer quando ainda é jovem ou o risco é de não conseguir mais um trabalho efetivo. Se a nova empresa também for ruim, boa sorte.
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Realidade das Mulheres
Não é novidade que a população japonesa está encolhendo e a decisão de não ter filhos chega até a ser compreensível. A maioria das mulheres japonesas precisa escolher, em determinado momento da vida, se vai casar e ter filhos ou se vai investir em uma carreira profissional.
As empresas estão cheias de funcionárias solteironas, enquanto muitas mulheres casadas são donas de casa. O motivo? É quase impossível dar conta de manter as duas coisas. Muitas empresas trocam os funcionários de província a cada três anos, o que faz com que as companheiras decidam acompanhar os homens e precisam abrir mão de seus trabalhos.
E quando isso não ocorre, outros problemas surgem. É comum que mulheres grávidas sofram bullying dentro do ambiente de trabalho, porque os colegas acham injusto que a funcionária falte o serviço por causa da gestação. Com mais essa pressão no pacote, muitas acabam desistindo de trabalhar.
E a colaboração dos homens na criação dos filhos e nas tarefas domésticas é extremamente baixa. Na maioria dos casos os maridos estão ocupados com a longa jornada de trabalho e mal conseguem ver os filhos acordados. As esposas se dedicam a cuidar das crianças, da casa e muitas vezes administram as finanças da família.
E quanto ao Brasil?
O Brasil está longe de ser o país mais feliz do mundo e, claro, os problemas sociais e políticos são gritantes e não falta gente para reclamar, com toda a razão. Viver com medo de levar uma bala perdida, de ser assaltado ou passar meia hora esperando um ônibus atrasado para ver o motorista fazer cara feia não é exatamente um sinônimo de felicidade.
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Eu associo a felicidade do brasileiro com a cultura e a forma de pensar. Há motivos de sobra para sentar e chorar, mas os brasileiros estão longe disso. Mesmo com todos os problemas enfrentados diariamente, o brasileiro está lá, cumprindo sua rotina, comendo churrasco aos domingos e passeando de havaianas nos pés.
A falta de regras ou organização social é de fato um problema, mas também tem um lado bom. Se há menos regras, há menos pressão e menos estresse. A realidade do brasileiro muda muito de acordo com a classe social, mas seja pobre ou seja rico, todo mundo arruma um jeitinho de ser feliz, curtir o tempo livre com a família, andar despreocupado e passar por cima das dificuldades.
Como nada é perfeito, nem o Brasil e nem o Japão estão em condições ideais, mas acredito que, se um país ensinasse seus segredos ao outro, poderíamos ter uma bela combinação de alegria e organização, o que sem dúvidas poderá ser traduzido como felicidade.
2 Comments
Olá Ana paula!
Estou assistindo uma série japonesa, e eu fiquei um pouco curiosa sobre a cultura japonesa quando se trata de relacionamentos amorosos e até mesmo entre amigos. Será que você poderia escrever um pouco sobre esse tema? Obrigada!
Em relação aos brasileiros, pode-se dizer, sem medo de errar, que a maioria não segue as regras (e não é que elas não existam). Somos um povo que segue o que é conveniente para si mesmo, seguindo a velha máxima: “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Seguir apenas as regras que vc concorda gera imensos problemas para o Brasil como sociedade. O brasileiro não tem pensamento coletivo e essa é a principal diferença entre nós e os japoneses e, se eles realmente não se encaixam como pessoas felizes (levando em conta que a pesquisa apenas reflete a resposta a um questionário), talvez a resposta esteja no pensamento norueguês, de menos ambição com as coisas da vida, sem, no entanto, se distanciar do respeito ao próximo (algo que o brasileiro, de modo geral, não tem nem noção)