Por que somos tão dependentes de faxineira?
Já morei no Brasil, Inglaterra e Portugal e nestes lugares tive o privilégio de poder contar com alguma ajuda nas atividades domésticas. Até chegar recentemente para morar nos EUA… Chegamos na Pensilvânia e eu já ouvia boatos de que “secretária do lar” por aqui era algo caríssimo. Venho aqui confirmar: não é boato, é mesmo muito caro. Já riscamos da lista logo de cara essa “necessidade” listada no nosso pacote de necessidades básicas no novo país. Só aqui nos EUA, parei para refletir sobre esse assunto e descobri que ter faxineira/ empregada/ diarista não é uma necessidade básica. Nossa dependência é totalmente cultural.
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Aprendemos desde pequenos que o trabalho de casa nos inferioriza. O Brasil é líder mundial em empregados domésticos: temos 3 para cada 100 habitantes. O porém é que esse número de serviçais por habitante reflete o nível da desigualdade no país. No nosso caso: enorme. A profunda desigualdade social permite que você no Brasil, possa pagar um salário mínimo e ter alguém em tempo integral – mesmo que essa pessoa deixe os próprios filhos sozinhos em casa.
Temos ainda nossa sociedade de patriarcado que valoriza apenas o homem, aquele que coloca o dinheiro dentro de casa, e mesmo com as mulheres já ocupando bem o mercado de trabalho, o homem brasileiro, na sua maioria, foi criado na cultura de ser servido (por mulheres). Acredito que esse perfil estereotipado do brasileiro relaxado tem e muito a ver com essa nossa mania crônica de sermos servidos o tempo todo.
A questão racial, presente também por ser algo ainda recente em nossa história: o Brasil foi um dos últimos países do mundo a acabar com a escravidão. Nossa cultura ainda carrega traços da relação casa-grande-senzala maquiada sob nossa supervalorização do status. Me chamou muito a atenção um artigo da BBC Brasil que diz: “Se organizássemos um encontro de todos os empregados domésticos, o Brasil reuniria uma população maior que a da Dinamarca, composta majoritariamente por mulheres negras“. Esse racismo estrutural sempre esteve presente debaixo do nosso nariz, seja dentro de nossas casas, seja nas nossas novelas.
Muito brasileiro que vem morar nos EUA ou na Europa torce o nariz para essa ideia de independência doméstica. Eu entendo. Mas nas sociedades americana e pelo menos britânica, isso causa um bocado de estranheza. Se você não é da família real ou da aristocracia, quem dobra suas meias é você. Geralmente, nos países desenvolvidos as pessoas que não tem nenhum impedimento físico vivem muito bem, obrigada, sem essa “ajudinha” remunerada nas tarefas de casa.
Concordo com você que é confortável contar com essa ajuda. Eu mesma, a partir do mês que recebi meu primeiro salário efetivo já contratei logo uma faxineira. Era tipo um sinal de ok, venci na vida. E hoje me deparo sem essa “ajudinha” e passei a refletir sobre o “cuidar da casa”. Constatei sem muita filosofia que cuidar e limpar a própria casa é absolutamente normal. Enfim, declarei minha independência doméstica. E indo mais longe ainda acredito que limpar a própria casa te deixa mais humilde, mais consciente e mais pé no chão.
Dobrar sua própria roupa, arrumar sua cama, catar os cabelos que insistem em ficar ali no ralo, por que alguém precisa fazer isso por nós? Atividades domésticas são pequenas responsabilidades que tendemos a terceirizar, mas a verdade é que essas atividades quando realizamos no dia a dia, nos dão uma sensação de plenitude. Cuidar da casa, da família, de si mesmo nessas pequenas tarefas é em si um ato de amor. É dedicar seu tempo e energia para cuidar de algo por um benefício maior. Nunca fez tanto sentido para mim mandar alguém que não está gastando seu tempo de forma útil a ir lavar uma pia cheia de louça. É renovador, experimente.
Você pode estar pensando agora – ah mas nos EUA é fácil cuidar da casa, os produtos são melhores e tal… – te digo uma coisa: dá trabalho do mesmo jeito (ou ainda não descobri esses produtos milagrosos).
Acordar e arrumar a cama, limpar os restos de pasta de dente na pia, aspirar o chão, limpar vidro. Cada uma dessas pequenas tarefas quando feitas me empoderam para as tarefas maiores: cuidar de mim e da minha família. Isso deveria ser regra para todos, do executivo ao padeiro, cuidar da limpeza do ambiente onde vivemos é uma necessidade.
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Já trabalhei num escritório no Brasil onde as pessoas reclamavam da poeira que insistia em pousar sobre suas mesas sem que alguiém tomasse uma providência. Trabalhei num escritório na Inglaterra onde esse tipo de reclamação seria motivo de piada. Cada um limpava seu espaço e o funcionário da limpeza limpava as áreas comuns. Simples. Assim.
Outro empoderamento que a faxina traz é a independência do outro, também conhecido como ser adulto e não depender de alguém para fazer por nós o tempo todo.
Minha mãe já foi faxineira e cresci odiando com todas as minhas forças trabalho doméstico. Desde cedo repetia em alto e bom tom que eu ia estudar, ser alguém na vida e nunca ter de limpar uma privada, pois pagaria para alguém o fazer por mim. Na minha cabeça, fazer faxina era coisa de ninguém, de alguém que falhou na meta de “ser alguém na vida”. Ledo engano, penso eu hoje, com a escovinha e a água sanitária na mão.
Precisamos crescer como sociedade, sermos mais civilizados, educados, com senso de coletividade e penso que fazer as tarefas domésticas básicas que nossa existência exige pode ser um bom começo. Nos dá mais disciplina, responsabilidade, autonomia dentro de nossa própria casa, além de ser um ótimo exemplo para nossos filhos.
Conheço muita gente que trabalha fora e realmente precisa dessa ajuda. Entendo, não julgo. Acredito que já é excelente você reconhecer sua situação de privilégio por ter alguém que faça por você. Respeito e empatia para com quem entra na sua casa e cuida dela por você é fundamental. Termino aqui com uma frase ótima que uma das minhas colegas de escola, Verônica, faxineira e blogueira, do Faxina Boa escreveu:
“ Profissões não definem pessoas. Caso seja necessário, repita a leitura da frase anterior”.
4 Comments
Parabéns pelo texto. Tuas considerações foram extremamente sensatas e sensíveis. Obrigada por compartilhar tuas palavras conosco!
Muito obrigada por comentar, Paula! Fico contente que gostou do texto 🙂
Oi, Analu. Parabéns pelo texto. Também sou farmacêutica e vi que você é uma Health Coach. Fiquei curiosa, o que seria isso?
Abraço
Oi Paty, tudo bem? Me tornei Health Coach para me reinventar na profissão e para ter uma maior flexibilidade ao mudar de país, pois todos eus clientes no momento atendo por videoconferência. Uma Health Coach ajuda as pessoas a terem hábitos de vida mais saudáveis, oriento meus clientes a fazerem melhores escolhas e sempre de acordo com os objetivos de cada um. Não ter saúde não significa necessariamente estar doente, meu foco é na prevenção com um foco individualizado. Qualquer dúvida, de uma olhada no meu site: http://www.anatavela.com lá tem maiores explicações. Tb pode meescrever quando quiser, claro 🙂 Beijos e obrigada por comentar!