Portugal com cachorro.
Em janeiro de 2018, aportamos em Portugal meu marido e eu acompanhados pelo Lucas, nosso cãozinho romeno, na época com 5 meses. Era uma dessas noites frias e úmidas do inverno português, com uma tempestade nada amigável pingando na rua.
A nossa mudança chegaria em dois dias e enquanto por ela esperávamos, hospedamo-nos no apartamento cedido por uma amiga. Bem, foi aí que descobrimos o quanto cachorros não são exatamente queridos no espaço público português.
O dia tinha sido corrido, cansativo, e o plano era jantar rapidamente na rua. Batida a fome, guardamos o Lucas no apartamento e entramos no elevador. Teria dado tudo certo se do terceiro andar até a garagem não tivéssemos sido acompanhados pelos uivos, gritos e choros do filhote de lobo que nos servia de bicho.
Desesperados com a possibilidade de acordar, incomodar, chatear vizinhos que nem nossos eram, voltamos e libertamos o cão. O jeito foi levá-lo conosco e como não tínhamos mesmo grandes pretensões para a refeição, acreditávamos que encontraríamos fácil um Café que nos acolhesse e servisse uma sopinha quente. Problema resolvido, certo?
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Não! Peregrinamos pelas ruas molhadas e vazias do centrinho de Cascais, com um cachorrinho no colo e um guarda-chuva para dois, tentando inutilmente encontrar um lugar (qualquer lugar), que servisse comida (àquela altura, qualquer comida), para duas pessoas carregando um peludo do tamanho de um coelho. Foi em vão. Do botequim à tasca, passando pela padaria e os mais variados tipos e propostas de restaurantes: convencionais, descontraídos, vegans, chineses, olhavam-nos com cara de espanto e apontavam o sinal de “proibido animais”.
Terminamos assim: eu do lado de fora, no frio e na chuva, equilibrando os braços entre guarda-chuva e coelho branco, enquanto meu marido comprava algo no Burguer King. Porque, claro, não éramos bem-vindos nem no Burguer King.
Naquela noite, bateu uma saudade danada da Suíça, onde no meu restaurante favorito de fondue já dividi tranquilamente o espaço com um cão da bernese enorme e impecável, “se calhar”, de comportamento melhor do que o meu enquanto humana. Ou dos inúmeros bistrots na França que, sem placa alguma indicando permissão ou proibição, quando pergunto se o meu cachorro (seja o cachorro a Vitória-imensa-shar-pei ou o Lucas-pequenino-coelho) pode entrar, eles arregalam os olhinhos e perguntam: Et porquoi pas? Allez-y!
O que não sabíamos era que, até maio de 2018, a entrada de animais em áreas fechadas de restaurantes seria legalmente proibida, mesmo que o proprietário a desejasse, de tão mal vista e pouco convencional para os portugueses que era – e ainda é! – a ideia de encontrar um bichinho na mesa ao lado.
Cerca de 1 ano após a mudança, não posso dizer se houve realmente adesão, uma vez que a quase totalidade dos restaurantes continua vetando a entrada de animais. Penso eu que assim decidiram tendo em vista a reação negativa de uma parte imensa da população à chegada da nova lei. Ficaram indignados, mas de um tanto que preciso confessar ter sido até divertido acompanhar os comentários exasperados nos posts de notícias sobre o assunto: “logo mais, trarão as vacas!”.
O mais curioso desse quiproquó é que, no dia a dia, percebo o quão carinhosos e tolerantes os portugueses são com os cães, ou seja, para que esse barulho todo, não é mesmo?
Como em tudo nessa vida uma pitada de bom senso é sempre recomendável, acho eu que nem lá, nem cá. Não levo meus cachorros com frequência a restaurantes porque 1) eles não necessariamente gostam e, dependendo do lugar e ocasião, 2) não faz o menor sentido, mas, como no exemplo do dia de chuva, 1) pode mesmo haver uma necessidade, além de 2) ser agradável depois de um longo passeio parar para comer alguma coisa em um restaurante casual e ter a possibilidade de levar o bicho consigo, afinal, que mal há encontrar um cachorro na mesa do vizinho?
Deixo a minha reflexão de quem já foi guardiã de cachorros em países e realidades diferentes: parece-me que o grau de civilidade anda junto ao reconhecimento do direito dos animais. Por isso os exemplos da Suíça e da França. Diria eu, especialmente na Suíça, onde maus tratos e abandono são severamente punidos e a guarda responsável de animais é uma realidade exercitada diariamente, com a obrigatoriedade de registrar-se o bicho no equivalente à prefeitura e o pagamento de uma taxa anual pela propriedade (ao menos era assim no nosso Canton) que cobria, entre outros, os custos dos saquinhos e lixeiros espalhados pelas vias para a coleta de dejetos. Em Lausanne e arredores e por onde mais passei pela Suíça, nunca vi um cocô esquecido no meio da calçada. Os donos dos animais respeitam a sociedade e a sociedade respeita-os de volta.
Por isso, seria interessante para Portugal aproveitar essa possibilidade proporcionada pela legislação. Dizem, por aqui, não serem os donos assim tão civilizados, mas é justamente abrindo espaço para gente e cachorros conviverem que esse tipo de guardião vai se conscientizar do quanto é importante cuidar e educar seus animais de forma a serem bem recebidos pela comunidade.
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Para terminar, algumas questões práticas:
- Os cães devem ser registrados na Junta da Freguesia de sua residência, mediante o pagamento de taxa com valor variável entre as freguesias. O registro serve apara a recuperação de animais perdidos e também para o controle de vacinas. O animal deve ter microship e vacina anti-rábica em dia.
- Cachorros, no geral, são bem aceitos em restaurantes com varandas e espaços abertos, o que funciona muito bem durante os dias secos e de calor. Existe uma plataforma portuguesa chamada Bizidog onde é possível pesquisar hotéis e restaurantes que recebam os bichos pelo país.
- É possível transportá-los nos trens, com condições variadas e dispensa ou não de passagem, dependendo da linha. Para maiores informações, o site dos Comboios de Portugal tira dúvidas acerca do transporte de animais.
- Cachorros são permitidos o ano inteiro nas praias não concessionadas ou, quando concessionadas, fora da época balnear (período quente, esse ano, em Cascais, foi de 1o de maio a 15 de outubro). Praias concessionadas são aquelas que possuem estrutura, como bares, guarda-sóis, banheiros e salva-vidas, existindo avisos sobre a concessão nos acessos à areia. A DECO, organização de defesa dos consumidores portugueses, esclarece a questão.