Preconceito na Holanda.
Morar fora me fez muito mais brasileira do que quando morava no Brasil. Sabe a história que para ver a ilha é preciso sair da ilha? Eu só me dei conta da minha brasilidade quando saí do Brasil.
E isso vale para todo mundo. Cada povo tem cultura e hábitos próprios, aquele fator comum que une as pessoas que nasceram ou moraram no mesmo lugar. As mesmas referências, experiências parecidas, a mesma comida e o mesmo ambiente.
Aqui fora eu percebi que sou sim calorosa, flexível e animada, como boa brasileira. Senti falta de feijão, de coxinha, de pão de queijo com café. Ainda faço questão de ter uma refeição quente no almoço, para estranheza dos meus amigos holandeses para quem almoço é duas fatias de pão e uma de queijo. Percebi como o resto do mundo muitas vezes não é tão espontâneo assim, que nossos memes são mesmo os melhores e que novelas como as nossas ninguém mais consegue fazer.
É normal que depois de sair do seu país se perceba como os seus conterrâneos são, e como outros povos são. Toda vez que converso com algum amigo de outra nacionalidade acabamos comparando nossas culturas, porque fica mais fácil perceber as características que nos unem.
Leia também: Tudo que você precisa saber para morar na Holanda
Eu, como fã de humor, adoro rir de mim mesma e da minha brasilidade. Sou a primeira a comentar a eterna obsessão com comida dos brasileiros, de como somos indiretos na comunicação, como quando encontramos um amigo e soltamos o famoso precisamos marcar alguma coisa, quando na verdade não queremos marcar nada…. Humor ajuda a explicar e a entender melhor outras culturas, sempre com respeito.
E assim nascem os estereótipos. Seja do brasileiro sempre atrasado, do italiano dramático, do holandês ultra sincero… essas figuras normalmente são baseadas em características que unem um povo. Podemos rir com os estereótipos, sejam nossos ou dos outros, podemos aprender a lidar melhor com as diferenças e como navegar em uma nova sociedade.
Isso é uma coisa. Coisa bem diferente é preconceito. O preconceito impede pessoas de se conhecerem, limita a visão de mundo, e faz com que se ache que já se sabe tudo sobre alguém com quem nunca se conversou. É quando se leva a sério o estereótipo, com a mentalidade de que (insira aqui a nacionalidade) é assim ou assado. Tudo baseado em conceitos previamente concebidos.
Eu mesma, como brasileira, nunca sofri preconceito pessoalmente, mas sei de casos por aqui e em outros países. As pessoas são consideradas preguiçosas, desonestas, sexualmente imorais e outros absurdos simplesmente por serem brasileiras.
Aqui na Holanda, mesmo com fama de tolerância e aceitação, existe uma grande carga de preconceito contra marroquinos e turcos, especificamente contra holandeses descendentes dos trabalhadores desses países que vieram para a Holanda no passado e ficaram, mas nunca realmente se integraram por aqui. Não aprenderam a língua, continuara com os mesmos costumes e não tiveram grande contato com a sociedade holandesa.
Essa falta de integração, junto com estereótipos negativos, criaram uma grande carga de preconceito, principalmente contra homens dessas nacionalidades. Existem noticias que nesse grupo o desemprego é maior e os salários menores.
O interessante é que preconceito não é um privilégio dos cidadãos locais. Holandeses também sofrem preconceito e pasmem, de estrangeiros que moram por aqui. Eu mesma já ouvi estrangeiros que moram na Holanda dizerem que TODO holandês não toma banho, que TODOS são pão duros, que TODAS as mulheres têm comportamento tipicamente masculino, que TODOS são frios, que TODOS são rudes, entre outras pérolas. E isso dito à sério, com a ideia de que TODOS os holandeses são assim, sem exceção, e por isso não vale a pena ir e conhecer as pessoas já que TODOS são assim.
Nessa situação normalmente tento fazer com que a pessoa pense como é doloroso ser julgada pelos mesmos estereótipos negativos que a sua nacionalidade traz. Não se engane: todos os povos tem sua fama, seus estereótipos e ninguém quer ser rotulado injustamente. Normalmente esse exercício de empatia funciona bem para mostrar como todo preconceito é no mínimo estúpido.
Não acho que a Holanda, ou seu povo, sejam perfeitos. Todo lugar tem seu lado bom e seu lado ruim. Mas toda vez que ouço a palavra TODOS e como a ideia preconceituosa é fixa e imutável, eu me ofendo. Não só por ser imigrante, ou por ser casada com um holandês, ou por ter escolhido esse país como a minha nova casa, ou ainda por ter amigos holandeses e de muitas outras nacionalidades, todos maravilhosos. Eu me ofendo porque o preconceito é tóxico, injusto e doloroso.
Espero que um dia consigamos dar risada de nossos estereótipos, dos outros, e mesmo assim manter a mente aberta para conhecer as pessoas sem preconceitos que só afastam as pessoas umas das outras.
Quer saber mais? A Lyria conta aqui sobre preconceito contra brasileiros em Portugal.
4 Comments
Alo Fernanda, adorei seu texto. Se eu pudesse escrever tão bem como você, acho que diria o mesmo. Como você mesma disse, aprendi a ser brasileira aqui na Holanda. Moro 33 anos perto de Groningen (Leek), mas apesar de eu ter saído do Brasil há tanto tempo, o Brasil ainda não saiu de mim. Gosto muito deste país que me acolheu, mas frequentemente sou confrontada com as diferenças e as reações preconceituosas que elas trazem. Aprendi que a melhor receita contra o preconceito é a prática da alteridade. Quando você vier.aqui pelo norte da Holanda, venha me visitar. Será um prazer conhece lá.
Oi Eliane! Fico feliz que tenha gostado do texto e que tenha expressado bem como é essa dualidade de morar fora, ao ter que se adaptar e ao mesmo tempo se descobrir ainda mais brasileiros que antes. Eu adoro a região de Groningen quando for aí aviso sim.
Oi Fernanda, possui algum email para contato?
Recebi uma proposta para trabalhar em Eindhoven, porém tenho algumas dúvidas, principalmente referente aos custos de vida e impostos para expatriados.
Obrigado 🙂
oii, queria tirar uma duvida, os holandeses tem preconceito com dança? o que eles acham das danças, eles gostam? como a dança é vista nesse pais? ela faz parte da cultura local?
queria saber para um trabalho, e não acho sites que deixa o assunto especifico.