Chega final de ano e o óbvio acontece, a famosa pausa para balanço. Engraçado que os dias e meses têm passado tão rápido, que muitas vezes me pergunto, isso foi mesmo nesse ano ou no ano passado? Aposto que muitos de vocês sentem o mesmo.
Bom, esse ano foi intenso. Me mudei de endereço 4 vezes em apenas dois meses e tenho a impressão de que todos os outros meses que se sucederam e se antecederam às mudanças, estavam sempre relacionados de alguma forma a elas, por isso a sensação de exaustão é imensa. Contei um pouco mais sobre isso nesse post aqui.
Não tive a chance de visitar meu amado Brasil e isso dói, pois cada vez me sinto mais distante de tudo e todos que ficaram por lá.
Passei a sentir uma espécie de saudade diferente, um tipo que dói ainda mais. A saudade do esquecimento. Vou tentar explicar: trata-se de uma espécie de vácuo, ou ausência de respostas e contatos de parentes e amigos, brasileiríssimos como eu, que me conhecem ou me conheceram do avesso.
No começo, ou melhor, no primeiro ano de imigração, tudo é novidade. Então são comuns os telefonemas, mensagens de Whatsapp e Facebook, carregados de saudades, ansiosos por novidades e por desvendar a curiosidade sobre a nova vida que estamos enfrentando.
Mas claro, o tempo passa, a vida segue e deixamos de ser interessantes. Nesse momento bate a solidão. Aquele amigo querido não te liga nunca. Aquele primo amado, esquece da sua existência e mensagens parecem que demandam um século para serem respondidas. Perdemos os nascimentos dos novos bebês, perdemos o aniversário da avó, perdemos as festas de quinze anos e além da nossa dor, ainda pagamos um preço por isso, como se fossemos nós os culpados.
Viramos estranhos, desconhecidos. A sensação às vezes, é de que me mudei para outra galáxia e não outro país, tamanha a distância emocional que surge entre pessoas, outrora tão íntimas.
O mais doído é que somos cobrados por isso, como tive que ouvir recentemente: “é você que não liga mais, foi você que desapareceu.” Eu realmente admito, que muito de mim se transformou radicalmente nesse caminho. Dizem que morremos e renascemos várias vezes ao longo de uma vida, e com certeza, mudar de país não deixa de ser uma espécie de morte. Passei, por exemplo, a abraçar causas políticas e sociais, que erroneamente eu não dava a devida importância na minha confortável vida brasileira.
Por exemplo, minha tolerância hoje é zero para piadinhas sexistas, racistas e machistas, tão comuns entre conversas brazucas. Devo dizer também que estou infinitamente mais chata! Viver e fazer a diferença no mundo, virou uma obrigação, ainda que eu o faça apenas em doses minúsculas. Isso assusta e inevitavelmente, afasta.
A convivência com pessoas tão diferentes nos enriquece de tal maneira, que o respeito ao outro e às diversidades vira quase uma religião. Para quem nasce, cresce e envelhece em um mesmo bairro, ou até em uma mesma cidade, sempre rodeado por pares iguais, fica difícil entender isso.
Claro que dói, claro que machuca, afinal, ainda estamos engatinhando em uma cultura absolutamente nova, ao passo que o nosso porto-seguro fica cada vez mais distante, quase desaparecendo no infinito. Porém trata-se de um caminho sem volta, e depois de tantos trancos e barrancos nessa vida imigratória, é impossível voltarmos a ser o que fomos um dia.
Eu também já vivi o caminho inverso, afinal minha irmã veio muito jovem viver nos EUA, enquanto eu permaneci no Brasil. Hoje, finalmente consigo entendê-la.
Depois foi a vez da minha filha, que com apenas 17 anos se mudou para cá para fazer faculdade. Ela também sentiu isso na pele. Lembro que em uma de suas férias no Brasil, ela se sentiu tratada como um ET, por amigos que ela considerava mais que tudo. Não à toa ela desencanou e hoje cada vez menos tem vínculos com a terrinha.
Acredito que os que ficam no Brasil não conseguem perceber o quanto muitas vezes nos sentimos sozinhos e carentes e o quanto uma lembrança vale ouro. Quantas vezes sinto uma vontade imensa de compartilhar uma experiência, dividir uma descoberta, ou até mesmo rir de uma bobagem qualquer. Só que cada vez menos encontro disponibilidade.
Mas, existem também aqueles, super-especiais, que estão sempre lá, mesmo que distantes e em silêncio, suportando a nossa caminhada e ao nosso lado apesar das enormes distâncias geográficas.
Nos acostumamos à ausência, e aos poucos vamos criando novos laços, raízes e quase uma segunda pele. Tudo se transforma em uma memória doce, de um tempo em que acreditávamos que as coisas seriam imutáveis e abrem-se espaços para novas experiências. Já dizia Renato Russo: “se lembra quando a gente, chegou um dia a acreditar, que tudo era pra sempre, sem saber, que o pra sempre, sempre acaba….”
Hoje tive um almoço improvável, com um grupo de mulheres sensacionais, que me acolheram e me integraram, mesmo estando algumas décadas de vida à minha frente. Quanta troca, quanta experiência e quantos “backgrounds” completamente diferentes. São esses momentos que fazem a vida no exterior ser excepcional.
Mais um final de ano chegando e de forma masoquista revejo fotos de antigas festas e reencontros natalinos. Tanta gente, tanta família e tantos amigos… que diferença da casa vazia de agora. Mesmo distantes, por um oceano, um continente ou mesmo convicções políticas, religiosas ou existenciais, eu sinto um calor gostoso no peito. É amor e gratidão, pois em algum momento, olhávamos todos na mesma direção e essa convivência fez parte fundamental do que me constitui agora.
Contudo, agora estou mergulhando cada vez mais fundo nessa experiência de viver e sentir em outra língua, outro clima, outra terra. Mais uma Gabriela, novinha em folha está nascendo e sem desmerecer a que veio anteriormente, eu seguirei olhando pra frente, aprendendo e crescendo com cada oportunidade e encontro que a vida me trouxer.
Feliz Natal e feliz recomeço a todos nós. Nos vemos em 2018!
12 Comments
Emocionante o seu depoimento!
Grata
Feliz Mundo Novo para ti.
Eu que agradeço seu elogio Cristina! Um lindo ano novo pra vc 🙂
Amei o seu texto!
Moro na Alemanha e me sinto exatamente assim!
Um grande abraço e um feliz 2018!
Obrigada Jennifer, esse caminho não é dos mais fáceis, mas a experiência vale a pena não? Um beijo e ótimo 2018!
Que lindo, Gabi, como me encontrei nas suas palavras! Eu vejo a saudade como um sinal de que o tempo foi bem vivido, isso me conforte, nem que seja um pouquinho! Um feliz 2018 recheado de luz e amor para você e sua família! ?
Obrigada Lili! Para vc tb, um ano pleno de alegrias 🙂
Seu post descreveu muito bem o que sinto pelo Brasil hoje, oito anos longe. Mas gostaria de deixar uma frase que vi colada em uma parede de Lisboa, no verão passado: “a saudade faz do foi melhor do que era”.
Um abraço apertado!
Essa frase é verdeira Ana! Normalmente romantizamos as nossas próprias experiências. Adorei! Obrigada 🙂
Gabriela! Moro fora do país há 5 anos e estou no Brasil no momento, sentindo muito do que descreveu. Como mudamos e como tudo muda, apesar de continuar igual. É uma trajetória e uma decisão muito complicada essa de viver fora! Agradeço pelas palavras! Um beijo grande e um 2018 incrível!!! 😉
Obrigada Clarissa! Tem coisas que só aprendemos mesmo na prática não? Um beijo e ótimo 2018 pra vc.
Oi oi, ótimo texto, me identifiquei muito.
Talvez até mais com sua filha, desde os 17 mudei tanto e tudo sempre é um processo de renascimento.
Creio que estaremos cercadas de quem temos que estar, questão vibracional e que aproveitemos todas intensamente nesse novo ano as oportunidades de conhecermos novas pessoas e a nós mesmas com nossa infinitude.
Quando mudamos para Austrália começo de 2017, recebia muitas msg as vezes não conseguia responder todas, mas conforme o tempo foi passando e diminuindo, chego dias de não ter nenhuma … e isso é muito triste, amigas e amigos que eu considerava hoje não, pq eu fui embora, mas foi escolha minha não é!!