Digo que só vou me considerar fluente quando abrir a porta sem pensar se PUSH é para puxar ou empurrar. Noutro dia fiquei muito frustrada quando mais uma vez ao sair de uma loja puxei a porta ao invés de empurrar. E o pior é que amigas com muito mais tempo que eu em terras britânicas dizem que de vez em quando fazem isso também, como neste post. Situações como esta, e outras como numa conversa empolgada em que você fica com cara de paisagem sem entender nada quando alguém fala muito rápido e não dá pra ficar pedindo pra repetir; ou quando você atende o telefone e desliga porque não entende o que estão falando do outro lado; me fazem me perguntar sempre ‘Quando serei fluente ?’
Inglês é uma língua universal e todo mundo conhece alguma palavra ou expressão em Inglês, e até tem muitas palavras de origem inglesa incorporadas na língua nativa. Para viajar pelo mundo o conhecimento básico que adquirimos em cursos de língua é suficiente, mas o bicho pega quando vamos morar num país de língua inglesa.
Eu sempre quis conhecer outros países e outras culturas, e por isso frequentei escola de Inglês e Espanhol no Brasil. Não evoluí no Espanhol, mas concluí todos os níveis do curso de Inglês, fiz intercâmbio na Inglaterra, dei aulas de Inglês em escola de línguas, usei muito Inglês no meu trabalho em TI, e por isso tinha um nível considerado `fluente em Inglês` para colocar no meu CV. Este conhecimento adquirido com certeza me ajudou muito, tanto na decisão de sair do Brasil, quanto no recomeço na Irlanda e posteriormente na Escócia.
Hoje depois de mais de 2 anos morando fora, eu estou muito mais confiante e independente para me comunicar em Inglês, mas ainda não tenho a segurança e o conforto que espero ter um dia para me comunicar em Inglês de forma fluente, de acordo com a definição no dicionário Aurélio : natural; espontâneo; fácil e abundante; que tem fluência.
Dominar o idioma é um dos principais desafios na mudança de país como já foi falado aqui e aqui , e acho que a minha experiência pode ajudar pessoas que estejam passando pela mesma situação.
O QUE ATRAPALHA
Sotaque : passei por 2 países onde o Inglês falado é muito diferente do que aprendi como Inglês americano ou britânico no Brasil. O sotaque de Glasgow onde moro atualmente é tão diferente que até mesmo os nativos em Inglês têm dificuldade para entender.
Falta de vocabulário : o google tradutor é nosso anjo da guarda, mas não dá pra consultar o google toda hora no meio de uma conversa; então muitas vezes saio de uma conversa pensando em várias coisas que poderia ter dito, ou p.da vida porque percebo que falei alguma coisa errado, ou frustrada com frases longas que usei para falar alguma coisa que minha amiga traduziu em 2 palavras. Falo pras minhas amigas escocesas que muitas vezes enquanto eu penso em como vou falar, elas já mudaram de assunto.
Telefone : falar ao telefone é o terror de qualquer estrangeiro. Se já é difícil se comunicar lendo os lábios, imagine sem ver os lábios ! Tem que tentar adivinhar, pedir pra repetir devagar, ou muitas vezes desligar mesmo e pedir ajuda.
Pronúncia : você sabe a diferença de pronúncia para chips(batata frita) e ship(barco) ? Se você não pronunciar direito pode ser que você peça uma porção de barcos no restaurante, ao invés de uma porção de batata frita. Outras palavras com pronúncia parecida e significados totalmente diferentes : chip(componente de computador), cheap(barato), sheep(ovelha). Outro momento em que a pronúncia faz toda a diferença é na hora de falar o endereço para o motorista de táxi. Eles nunca te entendem da primeira vez, e quando repetem para confirmar você tem certeza de que tinha falado igual a ele.
Estrangeiros : assim como nós brasileiros, há pessoas do mundo todo vivendo aqui e falando Inglês do jeito deles. Entender o sotaque dos outros estrangeiros é outro desafio nesta Torre de Babel. No curso de Inglês que fiz com outros estrangeiros fiz ótimos amigos de várias nacionalidades, mas entender o Inglês de alguns deles era muito mais difícil do que entender a professora escocesa.
Cultura : a comunicação fica mais complicada ainda se no meio de uma conversa aparecem gírias e palavras locais derivadas do Gaélico, além das referências culturais que você não tem : piadas, história, tradições, festas, costumes, nomes de celebridades, programas famosos de tv. Uma bagagem que você só constrói com o tempo.
O QUE AJUDA
Convivência : encontro muitos brasileiros e outros estrangeiros que estão aqui há muitos anos e se comunicam muito mal em Inglês, porque se relacionam somente com conterrâneos, evitando os escoceses pela dificuldade de comunicação. Acho que conhecer as pessoas e a cultura local é a melhor forma de aproveitar a mudança de país, além de ser curso intensivo de Inglês grátis. Frequente a escola dos seus filhos, converse com os pais e vá às festas da escola, frequente os eventos locais, viaje para conhecer o país, converse com as pessoas na rua e no comércio.
Estudar : vale a pena frequentar uma escola de Inglês para estrangeiros para melhorar o aprendizado, para fazer novos amigos e para praticar o Inglês. Aqui na Escócia tem um programa de Inglês para nativos de outras línguas (ESOL-English for Speakers of Other Languages), onde você faz um teste para identificar o seu nível e eles indicam as escolas onde tem curso adequado para você. Tem cursos gratuitos e cursos pagos. Eu fiz o teste e frequentei um curso de Inglês Avançado pago de 2 semestres no City of Glasgow College. No final do curso prestei o exame nacional (SQA-Scottish Qualifications Authority) e obtive um certificado nacional que ajuda na busca por emprego, e na qualificação para vaga na Universidade.
Ler e Escrever : se ler e escrever são essenciais para manter e melhorar a nossa língua nativa, o mesmo vale para uma nova língua. Ler aumenta o vocabulário, abre novos horizontes, e escrever fixa o que aprendeu, e ajuda a corrigir as falhas. Leia livros, jornais, revistas, notícias e artigos na internet; pesquise as palavras desconhecidas e anote a palavra com o significado e exemplo de frases. Escreva seu CV em Inglês, participe de redes sociais locais ou de estrangeiros para se comunicar em Inglês.
Trabalho : o trabalho voluntário é muito requisitado por aqui, e é uma ótima oportunidade para conhecer pessoas e praticar a língua. Muitos trabalhos voluntários também podem ajudar a conseguir um trabalho remunerado. Mesmo sem ter um Inglês fluente você consegue trabalho remunerado, e trabalhando você vai ter mais oportunidade de praticar a língua, e conseguir empregos melhores.
Diversão: use a tecnologia a seu favor, e aprenda Inglês se divertindo. Veja filmes com legenda em Português, depois com legenda em Inglês e depois sem legenda; ouça as rádios locais; veja palestras do TED com legendas; o site da BBC é muito bacana, o duolingo é um dos mais populares, e o lyrics trainning é muito legal para aprender Inglês com suas músicas preferidas. Vá ao cinema e ao teatro porque mesmo sem legenda, você vai se surpreender em como vai conseguir entender muito mais do que imagina.
Estes primeiros anos fora do Brasil têm sido muito intensos, e um dos sentimentos que mais temos que cultivar é a humildade para começar de novo e aceitar que temos muito que aprender !
11 Comments
Hahaha! me identifiquei totalmente com você e olha que já moro a dois anos na Nova Zelândia onde o sotaque é muito forte também
Pois é Jader, quando cheguei aqui em Glasgow parecia que eles falavam outra língua. O bom é que quando ouvimos Inglês britânico ou americano fica fácil, né ? Obrigada pelo comentario.
Adorei!!! Moro no Reino Unido ha cinco anos e se tivesse que escrever um artigo sobre o idioma ingles seria parecido com seu texto. Tb fiz ESOL e trabalho na charity Save The Children.
Obrigada pelo comentário, Mônica. É bom saber que não sou a única ! Beijo
Interessante, me identifiquei na parte do telefone. Vivo na Espanha há três anos e me lembro que tinha pavor de telefone no começo. Cheguei sem falar espanhol (ou catalão, a língua local), mas já aprendi bastante. Ouvir já não é mais um problema, mas ainda cometo erros clássicos na hora de falar e escrever. O inglês pra mim ainda é um desafio. Mas tenho que aprender, pois em breve nos mudaremos daqui (sabe-se lá pra onde). Acho que temos que ser eternos estudantes. A fluência é uma meta eterna, sempre achamos que dá pra melhorar.
Obrigada pelas dicas
Concordo com você Mari, ser fluente em uma língua estrangeira é uma meta eterna e cada aprendizado é um presente, né ? Boa sorte com o Inglês.Obrigada pelo comentário. Beijo
Ja desliguei muito o telefone na cara da pessoa por nao entender nada, ja fiz muitas caras de paisagens, e depois sai morrendo de vergonha porque a pessoa deve me achar “a louca”, e também ja sai p da vida dos lugares pensando nos erros e no que poderia ter dito!!! Texto maravilhoso!!
Oi Juliana. Eu também já fiz tudo isso, e muito mais. Essa de sair p.da vida pensando nos erros e no que poderia ter dito acontece o tempo todo. Fora que você as vezes usa uma frase de 15 palavras pra explicar alguma coisa e sua amiga resume em uma expressão de 2 palavras, né ? Obrigada pelo comentário.
Sensacional! É a realidade de quando viajamos para outro país, imagina vivendo lá…mas é questão de tempo e cara de pau para ir melhorando…o quanto mais nos expomos mais vamos melhorar, não tem segredo….
Parabéns pelo texto and keep going!
Obrigada pelo comentário, Narciso. Concordo com você, tem que se expor e dar tempo ao tempo que a cada dia a gente percebe que melhorou. De qualquer forma eh um aprendizado riquíssimo e vale a pena cada erro e cada acerto. Beijo.
Boa noite,
Obrigado pelos posts, são realmente úteis.
Poderia fazer a gentileza de falar sobre a parte burocrática ao chegar aí, como onde solicitar o National Insurance, conta em banco e tals?
Possuo cidadania italiana.
Obrigado.