Repensando a sua carreira como esposa de expatriado
Tem quem mude do Brasil para atender a uma oferta de trabalho ou oportunidade de estudo, levando consigo um cônjuge ou companheiro que, na maioria das vezes, abriu mão de emprego e carreira para seguir esse novo trajeto. Grande parte desses acompanhantes são mulheres, muito embora também encontremos alguns homens entre os portadores de spouse visas ou titulares de residência por reunião familiar.
Acontece que quando o projeto de morar no estrangeiro tem prazo definido entre chegada e partida, o tempo vivido fora do país pode ser aproveitado como uma espécie de férias sabáticas por quem acompanha, por que não? Até aí, tudo bem. Os dilemas e questões chegam mesmo quando a proposta se torna um plano de vida, sem data para terminar. Nesse caso, o que o acompanhante faz?
A decisão de mudar
Ela deve ser pensada enquanto casal, pesando os prós e os contras de qualquer mudança, porém, a escolha de deixar para trás toda uma vida profissional deve ser feita unicamente por quem vive o impasse.
Antes de tomar a decisão, não importa quais sejam as razões: acreditar na ascendência profissional do marido ou da esposa; ter mais tempo para a família; ter mais qualidade de vida; ou mesmo dar uma pausa num trabalho pouco prazeroso, é importante estar consciente de seus eventuais riscos, lembrando-se de que não será fácil dar continuidade ao outrora feito no Brasil.
Pelo ponto de vista emocional, seria interessante se apropriar dessa experiência como 100% sua, por mais que, na prática, ela seja compartilhada. Digo isso porque, ao assumirmos a escolha, continuamos responsáveis pelas seguintes, mantendo a força para mudar de rumo, se preciso for, mesmo quando a opção feita possa nos deixar à beira de uma situação de dependência financeira, muitas vezes inédita.
A realidade da vida nova
Isso porque, parar de trabalhar implica em deixar de ganhar dinheiro, ou seja, de emancipado você passa a dependente, posição nem sempre confortável para quem conquistou certa autonomia.
Outra consequência da falta de emprego é a mudança na rotina. Não existe mais a obrigação de se vestir e ir trabalhar, lidando com questões que dependiam da sua competência para serem resolvidas. Nessa hora, é inevitável, bate uma sensação imensa de inutilidade, afinal, o que você está fazendo dos seus dias?
A boa notícia é que, chegado a esse ponto, chega também o momento da gente aprender certas coisinhas que não ensinam no mundo corporativo. A primeira delas foi uma surpresa para a minha versão advogada dona do próprio nariz, torcendo o mesmo para afazeres domésticos que, não nego, na minha visão, eram sinônimos inequívocos de submissão feminina.
Entendi rapidinho que, por mais que o seu parceiro colabore em casa, a maior parte do trabalho ficará por conta de quem não tem uma ocupação formal, especialmente quando moramos em países onde o serviço doméstico é remunerado de forma justa. Mas, a grande descoberta foi mesmo essa aqui: tudo bem que seja assim, porque cuidar do bem-estar da minha família é tão importante quanto qualquer trabalho intelectual.
O precioso, a meu ver, é construir uma relação de respeito e continuidade entre o que ambos fazem, formando uma equipe, com revezamentos e solidariedade. Logo, não, você não é inútil!
Agora, assimilado o novo cotidiano e entendido que não há submissão ou vergonha em cuidar de uma casa, é importante reconhecer que a vida doméstica pode, sim, limitar, especialmente quando já experimentamos gostos outros do mundo. Essa é a hora de criar a nova rotina e se organizar para que sobre tempo de fazer o que se gosta, explorar a nova cidade, aprender a língua local, se ainda não falada.
O que a gente faz?
Quando não é possível dar seguimento ao anteriormente feito, a solução é se reinventar, procurar novas indústrias e empregadores que possam aproveitar nossos conhecimentos e habilidades, transformar hobbies em trabalho, empreender!
Vale voltar à escola, seja para complementar um diploma e poder exercer a antiga profissão na terra nova, ou mesmo para estudar outras áreas de interesse que, com a ocupação prévia, não havia tempo para se aprofundar.
Sobretudo, precisamos abrir a cabeça para o que aparecer, inclusive, estar dispostos a, dentro do nosso próprio mercado, voltar uns passos atrás. Lembro de um primeiro contato por telefone, de uma grande empresa de auditoria, na Suíça, sobre um posto de assistente júnior de gerente pleno, algo assim, bem início de carreira. A moça do RH gostaria de saber se, para a minha experiência, aquela posição realmente me interessava e a minha resposta foi: “Sim, mil vezes, sim!”. No final, foram eles quem me acharam sênior demais para a função, mas, confesso, não me incomodaria e fiquei triste com o desfecho.
Alguns anos depois, nos Estados Unidos, decidi investir em um namoro antigo e me lancei na Consultoria de Estilo, atendendo clientes online e presencial. Foi uma época desafiadora, cheia de entusiasmo e recompensas. Continuei na função durante o quase um ano que passamos de volta em São Paulo, mas, ao chegarmos na Romênia, por questões pessoais e também de mercado, a Consultoria não vingou, sobrando tempo para levar mais a sério uma outra paixão, ainda que não remunerada, a da escrita, e assim tenho me dedicado ao BPM, como colaboradora e revisora, e também à Crônicas, como uma das editoras
Conto mais sobre as minhas experiências neste artigo e no outro aqui.
Uma nova ideia de carreira
Nos meus últimos meses na Romênia, fui chamada para uma entrevista em uma empresa de atendimento ao consumidor. Eles precisavam contratar alguém que falasse português e inglês e, embora não soubesse, em detalhes, do que se tratava, lá fui eu ver qual era.
Passadas as provas de proficiência e conversas com o RH, fui convocada pela gerente do projeto. Pensei no que diria a ela, por onde começaria, nessa colcha de retalhos que havia se transformado o meu currículo, além de minha total falta de experiência no ramo.
O escritório era localizado na Calea Floreasca, área legal da cidade, com acesso fácil e ambiente descontraído. A gerente me recebeu pedindo para conduzir a reunião em francês, já que não falo romeno, nem ela, português, e, aparentemente, o inglês dela não era tão bom. Fiquei surpresa pois não tinha me preparado para uma entrevista em francês, mas, fazer o que? Respirei e comecei a contar minha trajetória. Falei sobre a minha formação e experiências profissionais, dos motivos e razões das mudanças, de tudo o que, nesse meio tempo, pude aprender. Não tinha certeza de como ela processaria a informação, mas, a medida que falava, via uma certa aprovação nos olhos dela. De acordo com a candidata a chefe, era exatamente esse o perfil que ela procurava, gente capaz de se adaptar, reinventando-se a cada pedacinho de retalho juntado à colcha.
Sabe quando mencionei a importância de assumirmos a decisão como 100% nossa? Pois é, essa é a atitude que nos faz criar os retalhos para depois consturá-los.
Saí daquela entrevista certa de sermos uma multitude de vivências que não se perdem, ao contrário, completam-se. Na verdade, quem tem experiência nunca começará naquele exato momento, por já ter se iniciado profissionalmente, mesmo que tenha sido em outros campos.
É que a gente tende a pensar na carreira em formato de “escada”, correspondendo cada degrau a uma promoção na mesma atividade. Talvez, gente como eu precise vê-la sob um ângulo de “mosaico”, abstrato e colorido, com diferentes aprendizados interagindo entre eles.
Cheguei à conclusão de que esse é o tipo de currículo que precisamos confeccionar, um currículo mosaico, e também a ideia a ser passada a nossos futuros empregadores. Pensem nisso e boa sorte para todos nós!
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Para saber mais, a Ana Paula Ganzarolli conta como otimizar o tempo com atividades domésticas, e a Analu Tavela divide a sua experiência de esposa de expatriado. Também tem texto coletivo com relatos de quem tinha uma profissão no Brasil e passou a ser dona de casa no exterior.