Morar fora do nosso país de origem é um aprendizado diário, se você souber tirar lições até dos perrengues – que não são poucos, já vou avisando! Eu, que moro no Japão, mas não estou sozinha e falo inglês, passo por vários. Imagina para quem vem só com a cara e a coragem. Haja coragem, mesmo!
Mas as lições também são muitas, e valiosíssimas. Conto aqui seis das que mais mexeram comigo até agora, e que aprendi de coração aberto.
1 – Pontualidade é essencial
É necessidade, educação e respeito.
Para mim, ainda é esquisito eventos como aniversários, shows e festas começarem exatamente na hora em que foram marcados. Mas não é difícil se acostumar com as burocracias resolvidas rapidamente. Mais fácil ainda é se acostumar com as visitas técnicas marcadas e jamais adiadas ou atrasadas.
Esses dias, precisei receber uma empresa de gás em casa, e me informaram que chegariam entre 10 e 12 horas. Até duvidei. E não é que às 10h05 apareceram na minha porta?
Conforme esse tipo de coisa vai virando regra e parte do dia-a-dia, você vai percebendo como faz diferença não precisar perder o dia todo de trabalho para realizar alguma burocracia, resolver tudo com rapidez e eficácia. E percebe também como é desrespeitoso quando acontece o contrário.
2 – Solidariedade é a chave para viver em sociedade
Eu já sabia, com os valores que me foram passados durante a vida, que a gente precisa sempre ajudar o próximo. Mas o que aprendi aqui é que não é uma questão de “ajudar”, mas sim de “respeitar”. Se eu respeito o espaço e as diferenças, podemos todos viver em harmonia.
Um exemplo disso é a escola pública. Um casal de amigos que tem filho matriculado em uma escola da prefeitura, contou que quase semanalmente, a escola cobra um valor x para a realização de atividades específicas. A parte mais legal é que esse valor é baseado em quanto ganham os pais: quem pode pagar mais, custeia quem precisa pagar menos. Dessa forma, nenhuma criança perde alguma atividade por falta de dinheiro. E o quanto cada pai paga é indiferente, nunca se discute com outros pais. Justo, né?
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3 – Não há paz sem guerra
Sabemos que o Japão é um país que se envolveu em muitas guerras. Contra a China, Vietnã, Estados Unidos, Inglaterra… Atacou de surpresa o Havaí, usou e abusou dos kamikazes (os pilotos terroristas suicidas que se jogavam nas terras inimigas lotados de explosivos). Até que chegamos ao estopim da guerra, quando os EUA revidaram e jogaram duas bombas atômicas por aqui, em Hiroshima e Nagasaki. Parece que tamanha idiotice como a guerra só aconteceria aqui no Japão há muitos e muitos anos, mas isso aconteceu em 1945, não faz tanto tempo assim.
A consequência de tanta guerra é positiva, ironicamente. O povo japonês é muito pacífico – às vezes, arrisco dizer, até passivo. Tem muito medo de guerra e armas, a ponto de ter, hoje, uma das menores taxas do mundo de crimes cometidos com armas de fogo. Aqui, apenas armas de caça são permitidas e, ainda assim, as burocracias de registro, compra e venda, têm a lei tão rigorosa que faz com que apenas pessoas treinadas, aprovadas nos exames psicológicos e que realmente precisam ou querem uma arma, conseguem.
Não houve paz sem que o Japão tivesse conhecido de fato a guerra. É triste, mas é um grande ensinamento! Assim como não há bem sem mal, céu sem terra, luz sem escuridão… Profundo.
4 – Viver um dia de cada vez
É bem verdade que os japoneses têm muito medo das tragédias naturais, que acontecem bastante por aqui: terremotos, tufões, maremotos (ou tsunamis, como preferir chamar). Mas isso não os impede, jamais, de continuar construindo, trabalhando, reconstruindo… Não muito longe, em 2011, um tsunami atingiu a região de Tohoku. Hoje, o governo japonês incentiva trabalhadores e estudantes a frequentarem a região já reconstruída – apesar de ainda haver usinas na área que podem causar acidentes maiores como ocorreu em 2011.
E é esta a lição: apesar de todos os desastres e medos, os japoneses se levantam, reconstroem o necessário e voltam à ativa. Vivem, mesmo com medo, um dia de cada vez, afinal as tragédias vão acontecer, mesmo que façamos tudo o que tiver ao nosso alcance para evitá-las. Então, precisamos viver o agora.
5 – Gambatte
Gambatte é uma expressão japonesa de incentivo muito usada. Ao pé da letra, significa “se esforce”, mas os japoneses usam no sentido que nós, brasileiros, usamos para “boa sorte”.
Para mim, aí está o ensinamento mais valioso: é como se a sorte fosse indiferente, desde que você se esforce o suficiente para conseguir o que quer que seja. Se não estamos conseguindo de uma maneira, é sempre possível conseguir de outra, desde que você se esforce. A sorte não existe. Portanto, “gambatte”, para mim e para você!
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6 – Não há barreiras para a empatia
Quando se trata de duas culturas tão diferentes quanto a brasileira e a japonesa, temos inúmeras barreiras que podem atrapalhar e até travar a nossa interação. Pode ser o idioma – que faz, às vezes, com que a comunicação seja quase impossível –, valores, costumes… Mas depois de um certo contato com o povo japonês e até com outras nacionalidades que temos contato aqui, podemos perceber que os problemas são sempre os mesmos. Podem não ser exatamente iguais, mas têm a mesma origem: são emocionais.
A partir daí, pode ser que seja muito difícil se comunicar para tentar ajudar o próximo, mas tenho dito: não há barreiras para a empatia. Às vezes só com um sorriso, um olhar, ficar ao lado, assentir com a cabeça, você já tira dos ombros do próximo o peso que lhe puxava para baixo. Podem haver mil diferenças, mas a empatia quebra barreiras!