Sistema de notas acadêmicas na sociedade britânica.
Escrevo esse texto alguns dias após a confirmação da conclusão do meu mestrado aqui no
Reino Unido. Minha nota final foi 7,5, o que no Brasil seria considerada uma nota boa, mas
nada excepcional. Aqui, significa que me formei with Distinction (com distinção). Algo bem
difícil e valorizado.
O assunto que quero levantar não é a nota em si, ou a diferença de exigências na educação
de um país ou outro, mas o quanto isso impacta na própria autoestima da população daqui.
Nas primeiras semanas de aula, passamos por um treinamento justamente para explicar
aos estudantes internacionais como funciona o sistema de notas. Nesse dia, frases como
“Uma vez uma menina veio chorando para mim porque tinha tirado 6” e “tirar mais que 8 é
praticamente impossível” tentavam prever a confusão mental que teríamos ao receber as
primeiras notas.
Para mim, a tradução desse sistema é de que ninguém é tão bom que mereça um 10. Ou
um 9,5 que seja. Desde pequeno, a mensagem que se passa é de que você já é muito bom
se conseguir tirar 8, ou seja, sempre é esperado que se cometa algum erro, que você não
obtenha a perfeição.
Cheguei inclusive a discutir essa questão com meus colegas de outros países europeus. Pessoas da Itália, Polônia e Espanha concordaram comigo. Todavia, um norueguês disse que isso está certo, que você não pode criar uma criança achando que ela é muito boa, que essa forma de conter os resultados formam uma pessoa mais ciente e pronta para enfrentar os obstáculos da vida.
Aqui insiro outro ponto que é a falta de referência. Se ninguém é tão bom, quem deve ser
meu exemplo, minha fonte de inspiração?
Durante o curso, tive o privilégio de atingir 8 em um dos projetos. Contudo, ao ler os
comentários dos professores percebi algo incomum, apenas elogios! Então me questionei o
porquê de não ter conseguido uma nota maior? Se não há comentários negativos, não
deveria ter tirado 10? Não cheguei a levar o assunto para a faculdade, mas a resposta que
tive dos meus amigos britânicos é de que sempre há espaço para melhorar e aperfeiçoar o
que fizemos. Mesmo quando aparentemente nem os professores sabem como fazer isso.
Pesquisando online sobre o assunto, encontrei em fóruns de estudantes o mesmo tipo de
discussão. Nesse exemplo, Svenjamin cita que um de seus professores disse “70% é para
um bom estudante, 80% é para um profissional que tem experiência no assunto, 90% é
para os anjos e 100% para os deuses”. Ótima forma de estimular um aluno. #soquenao
Existe até um termo que tem causado discussões por aqui, chamado de “inflação das notas”.
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O problema, segundo eles, é que com o contínuo aumento dos preços de escolas e
faculdades, os alunos passaram a ser considerados “clientes”, e por isso precisam se sentir
satisfeitos com o serviço que estão pagando, incluindo assim as notas. A questão traz mais
preocupação no que tange a busca de empregos, já que antes a seleção poderia ser feita
facilmente considerando apenas as notas do candidato.
Por outro lado, a representante dos estudantes de Cambridge, Daisy Eire, comentou nessa
matéria que quando o Ministro da Educação diz que “a “inflação das notas” é algo terrível, e que os estudantes estão tendo melhores notas com menor esforço”, chega a ser realmente frustrante e até um insulto na perspectiva do estudante.
Então, a sensação de nunca ser bom suficiente, falta de referências e pessoas para ter
como exemplo, e o conformismo de que apenas anos e anos de experiência podem fazer
você se tornar alguém relevante no assunto me soam todos como parte de um problema
muito maior: o Reino Unido está entre um dos países com mais índice de depressão da
Europa. Muitos estudos já foram realizados também indicando que o alto consumo de álcool no país deve-se a essa vontade inerente de extravasar e se ver mais livre diante de tantas regras impostas por aqui. Os pubs são o espaço de liberdade diante da vida agitada e cheia de repressões dos britânicos.
Por outro lado, essa exigência cria realmente um dos melhores países para se estudar. O
Reino Unido tem 74 das 200 melhores universidades do mundo, estando Oxford e
Cambridge na quinta e sexta posição respectivamente, e, consequentemente, famosos
intelectuais que mudaram a nossa história, como Shakespeare, Charles Darwin, Isaac
Newton, Graham Bell, James Watt e Stephen Hawking.
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A verdade é que desde que me mudei para a Inglaterra, tento fazer dessa experiência mais
do que conhecer os pontos turísticos e provar as comidas típicas. Eu sempre admirei muito
a cultura desse país, e poder estar aqui agora vivenciando esse dia a dia, me permite
questionar e observar fatos que muitas vezes os nativos nunca tinham parado para pensar. Assim como um gringo que visita o Brasil e identifica diversos hábitos e regras não escritas do nosso modo de viver, que para ele não fazem sentido ou é apenas bastante curioso.
A universidade me proporcionou estudar com diversas culturas diferentes (embora apenas
eu era da América Latina na minha sala), e discutir e comparar como nossos países se
diferem em assuntos que muitas vezes parecem simples, como um sistema de notas. O que nos define como cidadãos de certo país? Qual o impacto dessas pequenas ações na
situação que o país está vivendo hoje?
Todos esses questionamentos aqui na Inglaterra me fizeram entender melhor, na verdade,
meu próprio país. Enxergar o Brasil de fora e comparar com outras culturas, para mim, foi a maneira mais clara e rica de entender o que acontece hoje na política, educação, e tantos
outros problemas que sabemos claramente que existem, mas que raramente paramos para
entender as suas causas culturais e históricas.
Quanto aos ingleses? Talvez eles que estejam realmente certos. Criando uma cultura rígida
e exigente, geram pessoas com menos apego à ascensão rápida, à corrupção, e sim coloca
todos no mesmo nível. Afinal, a nota 7 ser considerada distinção ou não, é a mesma questão do copo meio cheio ou meio vazio. O importante é que, pelo menos aqui, todos têm acesso a ele.