Situação atual da política austríaca.
Quem me acompanha, aqui pelo Brasileiras pelo Mundo, sabe que amo a Áustria, sua história, sua cultura, seu povo, a música clássica, o teatro, a ópera, enfim. Todavia, morar fora não significa 24h de beleza, perfeição e eficiência. Bem pelo contrário. E é sobre isso que falarei hoje: da situação política atual da Áustria.
Tradicionalmente, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a terra de Mozart vem sendo governada pelo Partido Popular da Áustria (ÖVP – Österreichische Volkspartei), representado pelos conservadores, industriais, empresários, fazendeiros e pelo Partido Social Democrata da Áustria (SPÖ – Sozialdemokratische Partei Österreich), representados pelos socialistas, trabalhadores, povo em geral, em alternância.
É inegável que a política austríaca, em seu conjunto geral, tenha trazido prosperidade e elevado o país a uma categoria invejável, com economia estável, saúde, educação, segurança e justiça social aos seus cidadãos, mas as coisas não são estáticas e melhorias são sempre mais exigidas pela população, que, no geral, é bem informada e satisfatoriamente politizada. A velha política já não mais satisfaz portanto.
E eis que a partir de 22.12. 2017, a Áustria tem no seu quadro de governo um partido conhecidamente ultranacionalista, de extrema direita: o Partido Liberal (FPÖ). De liberal mesmo, esse partido tem só o nome. Mas como isso foi acontecer com um povo tão informado, tão combativo, tão, tão, tão? 1/3 da população da Áustria votou nessas pessoas.
Obviamente, que uma parcela desse 1/3 apoia a ideologia do partido, que, na sua origem, defende a Áustria para os austríacos, e, inclusive, uma saída do país da União Europeia. São contra políticas de imigração, defendem o fechamento das fronteiras, e, sempre que possível, criticam Angela Merkel e sua política de boas-vindas aos imigrantes. No entanto, fora os apoiadores tradicionais, viu-se nas últimas eleições pessoas que jamais votaram nesse partido, escolhê-lo como terceiro mais votado do país: o voto de “protesto” contra a velha política. Infelizmente.
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Muito bem, mas como o partido que ficou em terceiro lugar está governando o país? Não esqueçam que a Áustria é parlamentarista. O Presidente da República – escolhido pela maioria do povo, em uma verdadeira batalha contra os Liberais, e que não é membro do partido ultranacionalista – é uma figura de alta representatividade, de estabilidade e de equilíbrio, mas não de governo. Quem faz o dia a dia é o Primeiro Ministro e seu gabinete. E como isso funciona? Assim que o Premier é escolhido, ele precisa de um gabinete coeso e que – na medida do possível – acompanhe seus projetos e sugestões para a governança do país. Isso se faz através de coalizões, alianças. Ele faz uma sondagem com todos os presidentes dos partidos eleitos e verifica quem está disposto a ser situação ou oposição. No caso da última eleição, a tradicional dobradinha, SPÖ-ÖVP, se desfez, porque o partido social-democrata – segundo maior votado – deixou claro que não mais participaria do governo e iria para a oposição. Quem restou? O partido Liberal, terceiro vencedor.
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Esqueça, por favor, todo e qualquer conceito de política que você conhece do dia a dia brasileiro, porque aqui, os partidos ainda têm algum respeito e os homens ainda honram suas palavras. As alianças políticas, aqui, não são feitas para desviar verbas, ou engrossar as contas bancárias de homens públicos corruptos. Esse tipo de política horrorosa, como temos no Brasil, é totalmente inexistente por estas bandas. Aqui, o que se defendem são ideias e por elas é que os partidos norteiam seus projetos.
Ok, compreendido, mas qual é o problema, então, com esse tal terceiro partido? Ele é de extrema direita! Todos os meios de comunicação e organismos oficiais sabem disso e a população também. Por que, diachos, o Primeiro Ministro aceitou se aliar com gente dessa estirpe, já que ele não é membro desse partido? Não se sabe exatamente, mas me atrevo a apostar na estratégia “melhor perto do que longe”, já que sob a supervisão dele e do Presidente da República, essas pessoas estariam “controladas”. E é aqui que reside o título do meu artigo de hoje, meu quê de tristeza com a Áustria: pessoalmente, entendo que não se deva dar oportunidade, e, muito menos, voz alguma a esse tipo de ideologia.
Embora o Premier seja um fenômeno político, 31 anos – mas desde seus 27, atuando como Ministro do Exterior e da Integração -, com excelente trânsito na União Europeia, é claro que após a resolução de aliança com o Partido Liberal, toda a Comunidade voltou seu olhar preocupado para a Áustria. E não é para menos!
Ao se divulgar o nome do novo Ministro do Exterior, membro do partido Liberal, Israel enviou imediatamente uma nota de repúdio, dada a gravidade do que ideário de tal partido representa. Jamais vi Israel se opondo a qualquer outro partido normal de direita. Para minha inteligência, meia palavra basta.
O Arquivo de Documentação da Resistência Austríaca, hoje, estuda e pesquisa os fenômenos da extrema-direita, seus membros, quem os financia e, possivelmente, quais seus líderes ocultos. No passado, nada mais era do que o Movimento de Resistência durante a Segunda Guerra Mundial. No site acima, há um acervo sobre vítimas do Terceiro Reich na Áustria, e, atualmente, estudos sobre a cena neonazi. Muito bem, quando da notícia de que o Partido Liberal estaria disposto a compor o novo governo, a Resistência convocou uma coletiva de imprensa e alertou sobre a participação dos membros liberais em atividades ligadas à extrema direita. Para minha inteligência, mais uma vez, foi o suficiente para não duvidar da origem ideológica do partido.
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Volto à minha tristeza inicial, em saber que parcela do governo tem um ideário político horrível e em saber que eles, atualmente, controlam os segredos de Estado e dos cidadãos e os serviços secretos.
Espero que as coisas andem bem e que os freios constitucionais permaneçam eficazes, porque, tanto aqui quanto na Alemanha, sabe-se, exatamente, onde o extremismo pode levar. A História está viva ainda, sendo contada, inclusive, dentro da minha casa e, de tudo o que ouvi de sobreviventes até hoje, nada foi bom. As lembranças são só de horror, sofrimento e desgraça.
E não, quando for conversar sobre a situação da Áustria não diga que ela é nazista. Isso foi há 80 anos, quando Hitler varreu seu próprio país do mapa e o transformou em um Anexo da Alemanha. Hoje, não! Se você pensar assim, estará ofendendo uma grande parcela do povo, que já se mobiliza em manifestações e marchas contra a composição do atual governo. No dia 14.01, 20 mil saíram às ruas de Viena para protestar, abaixo de temperaturas negativas e chuva.
Um aprendizado? Antes de votar no “menos ruim” por protesto, pense, em que tipo de armadilha uma nação inteira pode cair com um voto desses.
Até a próxima!