Em meados dos anos 90, após o fim da Iugoslávia e a guerra que tomou conta da região dos Balcãs, o fluxo de refugiados bósnios para a cidade de St. Louis cresceu de forma impressionante.
Entre 1992 e 1995 durante o conflito entre (principalmente) bósnios, sérvios e croatas, aproximadamente 102 mil bósnios foram mortos na triste tentativa de uma limpeza étnica, e mais de 1.3 milhões de pessoas fugiram do país e se tornaram refugiados em diversos cantos do mundo.
St. Louis foi a cidade que mais recebeu refugiados bósnios e para se ter uma ideia, atualmente St. Louis é a cidade com o maior número de bósnios fora da Bósnia, com 70 mil refugiados. Apesar das terríveis histórias de limpeza étnica, campos de concentração, estupros em massa e tráfico de pessoas, descobri que o povo bósnio é muito alegre, batalhador, tem muito orgulho de sua cultura, e assim como nós brasileiros, eles adoram futebol.
Para quem caminha pelos arredores dos bairros ao sul da cidade, como o Bevo Mill, é fácil se deparar com padarias, mercearias (que vendem de revistas a remédios importados diretamente da Bósnia), cafés e restaurantes com menus onde você irá encontrar palavras (para nós brasileiros quase impronunciáveis) como cevapi, pljeskavica, sirnica, mjesano meso, dentre muitas outras.
É comum vermos senhoras de idade andando pelas ruas com seus lenços cobrindo a cabeça, indo ao Bosnian Islamic-Center fazer suas orações, e as crianças nas escolas conversando em inglês e bósnio quase que ao mesmo tempo.
Antes de escrever a matéria sobre a nossa “Little Bosnia” aqui em St. Louis, decidi fazer um tour passando por parte do comércio bósnio. Um dos locais eleitos para o tour foi uma pequena padaria chamada Zlatzo Zito.
Lá encontrei biscoitos, chás, pães, doces, sucos e muitos outros produtos bósnios. Durante minha conversa com a dona da padaria, ela descobriu que eu sou brasileira, e como em um piscar de olhos, ela pegou um pacote de café brasileiro, com a embalagem toda em bósnio (viva a globalização, gente!). Era uma edição limitada da Copa do Mundo de 2014. Segundo ela, muitos bósnios em St. Louis estavam torcendo pelo Brasil.
Quanto ao amor pelo futebol, os bósnios não ficam nem um pouco atrás de nós brasileiros. Só em 2013 houve duas partidas amistosas da seleção bósnia contra as seleções da Argentina e a Costa do Marfim em St. Louis. Os bósnios lotaram o Busch Stadium, casa dos Cardinals, time de baseball da cidade. O campo de baseball foi transformado em campo de futebol, e partes da cidade foram pintadas de azul e amarelo, as cores da Bósnia e Herzegovina.
Além das padarias, mercearias, cafés e restaurantes citados acima, foi em St. Louis que surgiu o primeiro jornal em bósnio fora da Bósnia, assim como um canal de TV, uma estação de rádio, o primeiro museu fora do país que retrata a guerra que os destroçou, e inúmeras associações que preservam a língua, a cultura, e a história bósnia para as próximas gerações.
Mais por que uma cidade pequena, católica, no interior do Meio Oeste Americano receberia tantos refugidos? Afinal, os bósnios são em sua grande maioria muçulmanos, e a origem do conflito em seu país ocorreu justamente por motivos religiosos… Bom, a resposta não é muito simples, mas uma das principais razões foi o fator econômico, pois refugiados geralmente ajudam a aquecer a economia local.
Quando eles se restabelecem em um novo país, há um sentimento enorme de gratidão por terem sido acolhidos. É natural (principalmente para as segunda e terceira gerações) que enxerguem aquele país como sua casa. É comum que tentem abrir comércio próprio, se integrem ao business local, ajudem o capital daquela cidade a girar, criem emprego para funcionários locais e contribuam com conhecimento de fora.
No caso de St. Louis, um grupo da St. Louis University decidiu criar bolsas de estudos especificamente para estudantes bósnios, como uma forma de ajudá-los a se restabelecer após o conflito de seu país, e dessa forma o conhecimento trazido de fora, somado ao conhecimento recebido nos EUA, seria lapidado e usado em prol da sociedade e comércios locais, ajudando assim não só os bósnios, mas também a economia do lugar.
É impossível negar que a comunidade bósnia em St. Louis não tenha redesenhado a identidade da cidade. Assim como St. Louis faz parte da história desses 70 mil bósnios moradores daqui, os bósnios fazem parte da história de St. Louis, e o lugar não seria o mesmo sem a presença deles. Vale a pena conhecer esse cantinho bósnio em St. Louis, sempre excêntrico e cheio de charme.
Dobrodošli u Bosnia i Hercegovina! (Bem-vindo à Bósnia e Herzegoniva!)
2 Comments
Oi Lorrane,
Adorei seu texto e achei interessante a comparação do povo bósnio com nós brasileiros. Fiquei surpresa em ver que nos amados por tantas pessoas de outras nacionalidades e mesmo que não conheçam muito do Brasil, eles sabem que temos um excelente futebol e o melhor café.
Preciso confessar, fiquei bastante curiosa para saber mais sobre o Missouri, principalmente por morar nos EUA. Conheço vários estados Americanos, mas nunca estive aí. Quem sabe, não irei em breve 🙂
Muah!
Oi Cleo,
obrigada! Pois é, antes de vir morar aqui também não sabia sobre essa comunidade em St. Louis. Eles tem uma cultura muito interessante. Venha conhecer o Missouri quando quiser. Será um prazer te mostrar um pouquinho do “Show me State”! 🙂
Beijão