A gente sempre ouve por aí que a Europa é um continente rico e que as condições de vida são ótimas em muitos de seus países. Na Escandinávia os índices de desenvolvimento humano são altos e a Dinamarca possui um IDH de 0,923, ocupando o 4º lugar na classificação mundial (dados de 2015) – o Brasil ocupa a posição 75.
Porém, agora vem a pergunta que não quer calar: com toda essa riqueza e desenvolvimento, será que tem pobre na Dinamarca? A resposta é: tem, sim! É preciso, contudo, definir o conceito de “pobre” e estabelecer a diferença entre pobre e miserável.
Se dissermos que há miseráveis na Dinamarca, estaremos provavelmente mentindo. Com os diversos programas sociais do governo, mesmo quem é pobre ainda consegue juntar os trocos pra ter um cantinho pra morar, roupa pra vestir e pôr comida na mesa. O fato de possuir um sistema de bem-estar social funcional está diretamente ligado ao fato de a Dinamarca ser um dos países com menos pobres do mundo, numa média de 1 para cada 20 habitantes.
Então quem são os pobres da Dinamarca, onde estão e o que exatamente classifica uma pessoa como “pobre”, por aqui?
O Ministério da Economia e Recursos Nacionais dinamarquês estimou, em pesquisa realizada em 2012, um número de 39.200 pessoas em situação de pobreza na Dinamarca, sendo a maioria de origem étnica estrangeira, principalmente crianças. Não é muito – 0,7% da população total do país, de 5,6 milhões de pessoas – mas é algo preocupante quando se considera que o mesmo estudo apontou, em 1999, um número de 16.200 pobres no país. Na Dinamarca, é considerado pobre quem ganha menos de 103.200 coroas dinamarquesas ao ano.
As maiores causas da pobreza na Dinamarca são a falta de estudos, problemas de saúde e doenças crônicas, além de situações especiais que criem obstáculos para que a pessoa viva normalmente na sociedade. Dentre essas situações podemos incluir problemas emocionais ou econômicos causados por uma separação ou desavenças familiares; mães solteiras; pessoas viciadas em álcool, drogas ou outro tipo de vício. É curioso pensar que num país que custeia os estudos de seus jovens até o pós-doutorado existam pessoas que se recusem a estudar, mas é uma realidade mais presente do que o que a mídia internacional conta. Alguns jovens alegam estarem cansados da escola e, ao término do que equivaleria ao ensino médio daqui, simplesmente se dão por satisfeitos com sua educação técnica e decidem desistir de estudar em níveis mais altos. Com uma educação mais básica e técnica esses jovens se tornam adultos com uma capacitação limitada a um nível estabelecido, o que acaba afetando suas vidas economicamente, já que quanto mais especializado e treinado um profissional for, mais possibilidades ele terá e, consequentemente, mais bem remunerado ele se tornará.
Claro que esses problemas de ordem econômica podem ser voluntários ou involuntários. No caso dos problemas involuntários, é de praxe que o Estado possa interferir através de benefícios concedidos àqueles que estão qualificados para recebê-los. É daí que ouvimos falar dos benefícios como dagpenge, por exemplo.
Existem também ações sociais civis no combate à pobreza. Uma das mais bacanas é a promovida pela Hus Forbi, entidade sem fins lucrativos que desde 1996 ajuda moradores de rua a terem um sustento. O jornal produzido por eles, também chamado Hus Forbi, é vendido por pessoas sem-teto nas ruas dinamarquesas por 20 coroas e pode, inclusive, ser pago por SMS pelo número 1414, mencionando o número do vendedor na mensagem. Todos os vendedores são registrados e recebem 10 coroas por exemplar vendido. Essa iniciativa se deu como uma tentativa de evitar empurrar os sem-teto para a criminalidade, dando-lhes dignidade através de uma fonte de renda e compartilhando suas histórias de vida no jornal.
A Dinamarca é conhecida por seus programas de bem-estar social acessíveis a todos que possuem permissão legal de residência no país. Apesar disso, desde o ano passado têm ocorrido cortes drásticos no sistema, com a justificativa de equilibrar os gastos do governo. Outros fatores como a troca de governo contribuíram para os cortes nos custos com o bem-estar social.
Em 2015 eu falei sobre a nova lei de integração e algumas de suas consequências. Pois bem, de lá pra cá a coisa tem ficado ainda mais afunilada, sobretudo para os refugiados que, sem falar o idioma e com dificuldade em ter a sua qualificação reconhecida, demoram mais para conseguir emprego. Algo bem parecido ocorre com os cônjuges estrangeiros de dinamarqueses que vieram para o país com visto de reunificação familiar. A campanha iniciada com Helle Thorning-Schmidt, ex-primeira-ministra dinamarquesa, com o slogan “se você vem para a Dinamarca, você tem que trabalhar” mobilizou as centrais de emprego (Jobcenters) de todo o território nacional; entretanto, não há vagas de emprego suficientes para todos. A falta de empregos, aliada ao corte nos benefícios sociais, é possivelmente uma das razões para o aumento de pobres no país, principalmente porque é comprovado o fato de que o Estado de bem-estar social funciona como peça fundamental na elevação da condição social das pessoas, possibilitando-lhes uma vida mais digna, e a grande maioria dos beneficiários abre mão do benefício imediatamente, a partir do momento em que sua situação social em relação a emprego muda.
A discussão sobre pobreza na Dinamarca é particularmente calorosa na esfera política. Políticos de direita, esquerda e centro têm visões distintas sobre a situação dos pobres no país. Há os que dizem que é hipocrisia falar em pobreza na Dinamarca quando há países muito mais pobres e miseráveis no mundo e que aqui não há, de fato, pobres; outros dizem que, embora os níveis de pobreza no país sejam infinitamente menores que os de países africanos, asiáticos e latinos, por exemplo, é preciso trabalhar com afinco para diminuir o número de pobres em vez de aumentar, como tem acontecido nos últimos anos.
Cortes nos benefícios públicos, falta de emprego e a ambição de romper com a Lei de Jante são os fatores que têm empurrado o país a ter mais pobres. E o futuro, como será?
Para ler mais a respeito do tema, consulte o Faktalink; esse artigo da DR, que fala sobre a linha de pobreza no país; esse artigo da Alting que discorre sobre a discussão a respeito da existência ou não de pobres no país e o artigo da revista eletrônica De Økonomiske Råd, todos em dinamarquês. Há, ainda, o artigo interessante publicado no The Copenhagen Post, em inglês, sobre o aumento do risco da pobreza no país.
11 Comments
Excelente, Cris! Um texto necessário para desmistificar o conceito de riqueza na Europa. Beijo!
Obrigada por ler e comentar!
Beijão!
Um artigo bem escrito e com informações corretas.
Parabéns, curti cada linha.????????????
Obrigada! Espero que continue acompanhando a coluna sobre a Dinamarca 🙂
Excelente ponto! Gostei muito! Parabéns!
Cris, não sei porquê não recebi até hoje nenhuma correspondência da minha kommune. Eles aprovaram o meu curso de dinamarquês mas nada desse pacote de integração que você mencionou ou assinatura de contrato ou sequer conselheiro. Estou registrada em uma kommune mas devido ao trabalho do meu marido na capital vamos e voltamos, 4 dias aqui e outros lá. Fui na kommune da capital e no Jobcentre informaram que não podem me ajudar porque não sou dessa kommune. E minha kommune não sabe sobre pacote de integração. Minha indignação é sobre cobrarem trabalho sem sequer nos atenderem. Estou muito frustrada sem ter como mudar de kommune.
Simone, você está aguardando a permissão de residência? O contrato de integração só é assinado após você ter recebido o cartão rosa (opholdsstilladelse). A kommune onde eu moro foi péssima e nunca me ajudou, de fato, a conseguir um emprego. Eu fui encaminhada para uma entrevista através de um contato do meu marido com uma pessoa no Job og Kompetencecenter, mas na época eu não falava bem dinamarquês e fiquei com medo – por fim, recusei a entrevista e a vaga.
Pode ser que eu esteja desatualizada com as leis, já que as leis de imigração na Dinamarca mudam com a velocidade dos ventos. O pacote de integração nada mais é que o curso de dinamarquês e dar satisfação ao Jobcenter a cada 3 meses sobre a sua situação na Dinamarca: eles esperam sempre ouvir coisas positivas, que você está progredindo no aprendizado do idioma, que está ativamente procurando emprego, etc. O contrato é uma mera formalidade que pode até ser que não exista mais – eu assinei o meu em 2013, de lá pra cá muita coisa mudou.
Sobre a questão de trabalho, é mesmo complicado. Você tem que ser proativa e fazer contatos pelo LinkedIn, ou pedir na cara de pau para ser apresentada para pessoas. Aqui na Dinamarca a maioria dos empregos é conseguida por indicação – alguém diz que te conhece, dá um parecer positivo sobre você e só aí a empresa se interessa. Portanto, fazer contatos é primordial. Como na Dinamarca o LinkedIn é uma ferramenta bastante utilizada, eu recomendo procurar as empresas na sua área de interesse e ‘vender o seu peixe’. Porém, é importante que você já tenha obtido o visto temporário de residência, pois sem ele as empresas irão se recusar a contratá-la.
Outra coisa importante: depois que assinar o contrato o Jobcenter vai oferecer vagas de praktikant, que nada mais é que um aprendiz. Essas vagas não são remuneradas e servem apenas para saber como funciona o mercado de trabalho e também para aprimorar seus conhecimentos em dinamarquês. E outro detalhe: a kommune está isenta da obrigação de lhe conseguir um trabalho. Para conseguir a ajuda deles, é preciso insistir e tentar ao máximo se comunicar em dinamarquês para ganhar simpatia.
Obrigada por comentar (embora creio que seja assunto de outro texto) e continue nos acompanhando!
Cris, muito obrigada pelas suas dicas preciosas. Estou aqui há 8 meses, fiz a prova A1 e ontem fiz a A2. Recebi meu CPR, meados de outubro (mes passado). Procurei escola, me matriculei e aparentemente a minha kommune aprovou, pois estou estudando desde 15 de novembro. Mas nada de falarem sobre o pacote de integração ou trabalho. Mas como você disse, temos que ser proativas. Obrigada novamente por explicar sobre a importância do LinkedIn. Agradeço se em algum momento você puder falar sobre as novas regras de integração, pois no meu caso que classificaram como simples, foram 6 meses para receber o visto de reunificação familiar e as tais provas A1, A2 e o custo delas. Acho que seria interessante para as pessoas entenderem que não é mais tão rápido e simples, legalizar/morar aqui (reunificação familiar, casada com um Dina). Uma batalha de cada vez (estudar, trabalhar, visto de permanência, etc.) Excelente semana .Obrigada e continuarei acompanhado o site. Simone
Simone, estou bolando um texto com esse tema para o início do ano que vem, pois muita gente acha que é só casar com dinamarquês que é tudo automático: visto, cidadania, etc. e é preciso desmistificar isso. Quanto a não ser mais tão rápido e simples, na verdade, nunca foi rápido e simples: a Dinamarca é um dos países mais fechados da Europa no que diz respeito à imigração.
Em relação à prova, se você tivesse me perguntado antes eu teria lhe aconselhado a prestar a A2 direto, já que a diferença entre a primeira e a segunda é quase que irrelevante e você provavelmente teria economizado as quase 3 mil coroas da prova 2. E se você está estudando é porque já recebeu a permanência temporária de residência, sem a qual teria que pagar pelas aulas 🙂
Muito obrigada pelos comentários e por ler a coluna, e fique à vontade para sugerir outros temas de seu interesse para eu escrever a respeito.
Abraços
Olá Cristiane! Após fazer alguns cálculos, me surpreendi ao saber que na Dinamarca, quem ganha menos de R$ 4.000,00 mensais (sim, quatro mil reais) seria considerado pobre no país, valor que muitos brasileiros sonham em ganhar para ter uma boa qualidade de vida (dependendo do lugar). Achei impressionante. 🙂
103.200 Coroas Dinamarquesas = R$ 48.156,00 (anual)
R$ 48.156,00 / 12 = R$ 4.013,00 (com o 13.º = R$ 3.704,30)
Já dá pra entender como é o padrão de vida para viver na Dinamarca. Não deve ser fácil para quem é pobre.
Elias, a Dinamarca não paga décimo terceiro, nem salário mínimo. Essa comparação é irreal.
O custo de vida é alto por aqui. Os impostos são altos. Porém existe o sistema de bem-estar social que é importante para manter o equilíbrio, ajudando os menos favorecidos.
No Brasil, dependendo do lugar e da situação da família, 4 mil também não dá pra muita coisa. Vai ter uma família de 2 filhos, pagando aluguel em SP, por exemplo, com uma renda de 4 mil. A metade disso fica no aluguel e sem as despesas fixas – isso, se tiver sorte.
A desigualdade social é infinitamente menor aqui em relação ao que se vê no Brasil e não há a necessidade de ostentação de bens materiais que existe no Brasil. As pessoas são mais modestas no sentido de que ostentar, aqui, é feio, justamente por causa da Lei de Jante.
Aluguel é um dos itens mais caros na Dinamarca. Se for em cidades grandes como Copenhague, quanto maior o lugar, mais caro é. Também tem essa questão da localização. No interior daqui, assim como no Brasil, as coisas são mais baratas. Cidades grandes são caras em qualquer lugar do mundo.
Acho que não é fácil pra quem é pobre em nenhum lugar do mundo, ainda mais com esse capitalismo selvagem que temos. Os pobres da Dinamarca estão em vantagem em relação a várias nações do mundo, por isso há essa discussão tão calorosa no meio político sobre o que é, de fato, ser pobre na Dinamarca, e se realmente podemos dizer que há pobres no país.
O ideal, penso eu, seria repensar os sistemas sócio-econômicos vigentes no mundo, já que o socialismo falhou por má implantação e o capitalismo favorece a desigualdade social.
Obrigada por comentar e boas festas pra você!