Um ano de Brasil. Sou feliz aqui?
– Mora na filosofia, pra que rimar amor com dor?
Eu cantava enquanto circulava pelas ruas de SP caminhando para o trabalho. Reparava nas pessoas apressadas, que corriam para fazer algo muito importante, ou não.
Pensei que queria um dia tirar férias só para andar por São Paulo sem pressa e sem pressão para ver com calma a pressa dos outros.
De repente, como um lapso, me ocorreu que fez um ano que voltei para o Brasil. Sorri e respirei fundo, como quem busca ar para lidar com tantos pensamentos que viriam feito cascata depois dessa descoberta.
– Será que sou feliz em SP?
Sei as fofocas da família em tempo real, as piadas internas dos amigos e marco presença nos aniversários e casamentos. Tenho um bom trabalho, meu apartamento está finalmente com todos os móveis, livros na estante e até com uma gatinha circulando e estragando a cortina.
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Mas mesmo com a vida montada, eu continuava acordando todas as manhãs e pensando como estavam o clima e as pessoas pelo mundo afora. É como se eu tivesse vivido em uma caixa de fósforo por anos, um dia saí e vi o mar, mas alguns anos depois de nadar livremente, me colocaram na caixinha quentinha outra vez. A sensação é boa, da segurança, afinal viver em alto-mar não é fácil nem seguro, mas ao mesmo tempo parece que falta ar dentro da caixinha, parece que ela está menor do que nunca.
Aqui você se transporta de um canto para o outro apertada, caminha desviando de pessoas que dormem na calçada e anda de fone para não ouvir o que não quer.
Mas para mim estar aqui é uma escolha. Viver de memórias é uma armadilha. A cidade organizada, rica e com os jardins mais lindos do mundo não me enganava mais, não sou principiante. Conheço esse canto da sereia e sei como parece perfeita de longe, mas de perto é fria, escura e dura com quem vem de fora cheio de amor para dar. Londres é passado, São Paulo é presente e o futuro não existe.
Mas afinal, será que eu sou feliz em SP?
– Nada tem que dar certo, nosso amor é bonito, só não disse ao que veio, atrasado e aflito e paramos no meio sem saber os desejos aonde é que iam dar. E aquele projeto ainda estará no ar?
Caetano falava comigo tentando me responder. Eu, concentrada pensando, me dei conta de que talvez eu seja feliz quando há espaço para respirar, cantar, caminhar e pensar. Não sou feliz todo tempo, mas afinal, quem é? Talvez eu tenha entendido que não existe um só eu, uma só fórmula e nem um só lugar. Talvez essa seja a minha crise, uma crise de quem se percebe parte apenas de si mesma e de mais nada nem ninguém, alguém livre. Talvez isso tenha até mudado quem eu sou, agora menos linear, menos fácil de ler, menos óbvia. Talvez pela primeira vez eu não precise ser entendida, não precise gostar de tudo e nem estar segura.
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Passei anos pensando no futuro, construindo um currículo, sonhando com uma família, mas me dei conta de que hoje não vivo mais o agora pensando em construir o amanhã, vivo a vida com calma, sem precisar provar nada pra ninguém, sem projetar o futuro, sem me comparar com os outros e sem pressão.
Depois de um certo tempo a gente percebe que não precisa agradar ninguém, ser melhor em nada, cumprir as expectativas dos outros ou fazer algo extraordinário, percebe que se quer de fato ser uma pessoa única é preciso apenas se conhecer, aceitar seus defeitos e limitações e trata-los gentilmente, afinal, são eles que te tornam diferente dos demais, que te tornam especial.
A vida é mais simples do que parece, mais leve do que tudo que queremos carregar ou comprar. Nós precisamos de bem menos do que imaginamos, somos incentivados a trabalhar mais para termos mais sempre, independente do que já temos. Olhar para o outro andando apressado do meu lado me fez perceber que a pressa é a ignorância em forma de ação, pois quem tem pressa na vida está correndo para que ela passe logo. Existe algo mais lamentável do que querer que aquele tempo que nunca mais voltará passe logo?
Outro dia falávamos de morar fora novamente no futuro. Quando eu disse que tinha medo de mais uma vez abandonar o certo pelo duvidoso meu marido perguntou:
– Existe algo na sua vida que você fez e se arrependeu?
Na hora me vieram milhares de coisas na cabeça, mas quando eu pensava melhor sobre elas percebia que mesmo sendo negativas me fizeram conhecer algumas pessoas especiais, aprender algo novo ou até mesmo evoluir como pessoa. Depois de 2 minutos pensando eu disse:
– Não, eu não me arrependo de nada.
Hoje eu sou feliz no Brasil porque sou feliz comigo mesma. Não me arrependo de ter voltado nem por um segundo.
Nenhum lugar é perfeito, nenhuma família é como a do comercial da Doriana. A vida, amigos, é interessante demais para ser planejada ou imaginada. As melhores e piores coisas que acontecem nela chegam sem avisar e te fazem expandir. Mas saiba que quando expandimos não cabemos mais em lugares apertados com pessoas e desejos pequenos, não passamos mais pela vida com pressa nem com medo do novo, entendemos que mais valioso do que dinheiro ou diamantes é o nosso tempo.
– Por seres tão inventivo e pareceres contínuo, tempo tempo tempo tempo. És um dos deuses mais lindos, tempo tempo tempo tempo.
Assim continuava cantarolando Caetano, na playlist das mais ouvidas do Spotify.
6 Comments
Ana que lindo! Estamos enfrentando o dilema entre voltar ou ficar. Quando
moramos fora percebemos que a perfeição não existe e que cada país tem seus problemas. Estou com saudades da minha casa, da desorganização de São Paulo. Do pão na chapa da padaria….
Oi Juliana! Fico feliz que tenha gostado. Venha visitar esse Brasil lindo e matar a saudade.
Beijos,
Joh
Adorei o seu texto! Parabens!!
Que bom que gostou, Michelle. 🙂
Oi Johana,
Tudo bem?
Gostaria de conversar melhor com você para entender como foi a sua experiencia em Londres.
Estou exatamente na mesma situação que você e começando a procurar mestrado/cursos de curta duração.
Um abraço,
Bruna
Oi Bruna!
Claro, vamos conversar sim, posso te dar muitas dicas legais.
Recebi seu e-mail e te respondo por lá.
Beijos,
Joh