Quando estamos na Europa, sempre percebemos a íntima relação entre os europeus e as bicicletas. E na Bélgica não é diferente. Esse veículo de duas rodas presas a um conjunto de barras interligadas, movido pelo esforço do usuário por meio de pedais, faz parte de sua cultura e de seu cotidiano desde crianças.
Praticamente todos utilizam a bicicleta por diversas vezes no ano como meio de transporte principal, de crianças a idosos. Seja para ir à escola, trabalhar, ao supermercado… seja no verão ou debaixo de chuva e no inverno. Elegantes, de saia ou terno, capa de chuva, nada impede o belga de tirar sua bicicleta de casa. Quase sempre são equipadas com bolsas laterais para acomodar os pertences do ciclista, e até mesmo com carrinhos ou cadeirinhas para as crianças quando necessário. Os pais levam, de bicicleta, seus filhos menores à escola, enquanto os maiores pedalam suas próprias bikes, mas não sozinhos. Sob a supervisão de um funcionário da escola, as crianças pedalam em grupos e sempre vestem coletes fosforescentes. Senhoras levam suas compras nas bolsas de suas bicicletas e senhores fazem parte de clubes de ciclistas, que saem para pedaladas rotineiras em grupo nos fins de semana.
O que ajuda muito a cultivar esse caso de amor pelas bicicletas, além do terreno do país (quase 80% plano) são as faixas únicas para os ciclistas que sempre têm prioridade no trânsito e devem parar apenas para os ônibus, bondes e pedestres. Todos aprendem cedo e respeitam as regras e sinalizações das ciclovias. Outro fator interessante que explica tamanha popularidade da bicicleta é a integração promovida há anos entre o uso de bicicletas e o transporte público. Muitos usuários de trem vão até as estações pedalando, utilizam o trem, desembarcam e pedalam de novo até o trabalho. Goza-se, portanto, da segurança e da praticidade das ciclovias e ciclofaixas, o que acaba incentivando seu uso como meio de transporte diário.
Não apenas na Bélgica, mas em toda a Europa, diversas são as iniciativas para convencer as pessoas a trocarem os carros pelas bicicletas. Várias empresas belgas pagam 0,21 centavos de euro por quilômetro aos seus funcionários para que utilizem a bicicleta no percurso diário entre a casa e o trabalho. O sistema é financiado de forma facultativa pelas empresas, que recebem isenções do Estado para isso, e já é copiado por outros países europeus, como pela França. Entidades de ciclismo estimam que em toda a Bélgica, 8% de todos os deslocamentos são feitos por bicicleta, graças a uma isenção de impostos para esse meio há mais de 6 anos. Apesar de acharmos que isso representa muito, na Holanda, país que também possui excelente estrutura cicloviária, estima-se que 25% dos trabalhadores usam a bicicleta como meio de transporte.
Até mesmo quando se trata de esportes, o ciclismo é um dos mais populares no país, sendo a Bélgica terra de famosos ciclistas como Eddy Merckx, Rik Van Looy, Roger de Vlaeminck e, mais recentemente, Sven Nys, que teve sua vida contada em cinema no início deste ano.
O Tour de Flandres ou a Liège-Bastogne-Liége são os programas de maior audiência na televisão belga, com audiência superior à de qualquer jogo da liga de futebol belga, atraindo um imenso público, tanto para os lugares das competições quanto para a transmissão televisiva. Quem presencia uma corrida, como já presenciei de cyclocross, sabe que não é exagero dizer que os belgas festejam mais a vitória de um compatriota no Tour de Flandres do que em um gol dos Red Devils.
O cyclocross é uma das modalidades de corrida de bicicletas mais apreciadas no país, que geralmente ocorre no outono ou inverno, e consiste em várias voltas em um curto percurso (entre 2.5 e 3.5 km) sem pavimentação, com lama, trilhas na mata, colinas íngremes e obstáculos, exigindo que o ciclista, em algumas partes, carreguem as bicicletas levíssimas, de última geração, em seus ombros.
Desde 2011, a Copenhagenize Design Company, empresa de consultoria e comunicação especializada na promoção do uso da bicicleta em âmbito mundial, elabora um ranking das melhores cidades para ciclistas do mundo, analisando fatores como infraestrutura, segurança para os ciclistas e aceitação social. Esse levantamento, no início realizado em 80 municípios pelo mundo, alcançou 122 cidades em 2015, todas com mais de 600.000 habitantes. Em seu ranking do ano passado, Antuérpia foi considerada a 9º melhor cidade para se pedalar, com amplos estacionamentos pela cidade e nas estações de trem.
E como se não bastassem tantos incentivos para que as pessoas mudem seu principal meio de transporte para a bicicleta, a Bélgica está construindo, na província de Flandres Oriental, uma extensa rede de rodovias para ciclistas que ligarão cidades em toda a região por meio de rotas seguras e rápidas. Serão 600 km de vias planas, em linha reta, sem barreiras, com o mínimo possível de interseções, que poderão ser percorridas a uma velocidade média de 30 km/h. A previsão é que as primeiras quatro, de um total de dez rotas, sejam finalizadas em 2018. Os trajetos irão de Ghent para a Antuérpia, de Ghent para Deinze-Zulte e de Ghent para Wetteren, além de uma rota leste-oeste que atravessa Dendermonde. As pistas terão três metros de largura e trechos com pontes e túneis, além de boa iluminação para uso noturno.
Portanto, se seu meio principal de locomoção na Bélgica ainda é o carro, quem sabe está na hora de você começar uma mudança gradual para as duas rodas? Afinal de contas, nem o receio de pedalar pelas cidades entre tantas outras bicicletas pode mais ser dado como desculpa: o Bike Experience , em Bruxelas, se compromete a por um fim em seus receios e medos. Trata-se de um programa semelhante ao Bike Anjo no Brasil, em que pessoas se comprometem a treinar ciclistas que têm receio de pedalar pela cidade e que precisam de ajuda.
Interessou-se pelo pedal na Bélgica? Aqui você encontra mapas e rotas disponíveis na região de Flandres e aqui em outras regiões.