Quando imigramos para um outro país deixamos de ser turistas e passamos a viver em um lugar incomum: somos estrangeiros e diferentes dos moradores locais e nativos, e experimentamos sempre uma sensação de não-pertencimento.
Digo isso porque passei quase um ano “turistando” na minha nova cidade (Fairfax, subúrbio de Washington DC). Agora as coisas já perderam um pouco a novidade e a rotina se instalou. Tudo o que a princípio parecia lindo e perfeito, começa a mostrar suas falhas e é preciso saber lidar com elas. Dito isso, vou desmitificar um pouco o paraíso dos subúrbios americanos.
É preciso ter em mente que o conceito de subúrbio americano é extremamente diferente do conceito de subúrbio brasileiro, muito bem descrito na linda música de Chico Buarque de mesmo nome. Nos EUA, subúrbio trata-se das regiões ao redor das grandes cidades onde residem a grande maioria das famílias norte-americanas.
Assim que chegamos, morar em um subúrbio foi uma opção de vida que fizemos, apesar de eu ser totalmente uma pessoa de cidade grande. Essa escolha aconteceu por termos filhas em idades escolares e, nesse país, é quase um consenso de que o melhor lugar para se criar filhos são os subúrbios.
Nas grandes cidades americanas as escolas públicas carecem do investimento humano que muitos pais oferecem com suas jornadas de trabalhos voluntários. Creio que a razão dessa ausência é o alto custo de vida nas metrópoles, gerando trabalho dobrado e escassez de tempo. Consequentemente, as escolas públicas dos grandes centros urbanos vivem uma situação de precariedade.
Escolas boas e bem estruturadas em cidades como Nova Iorque, Washington, Boston etc, são na maioria das vezes particulares e custam muito, muito dinheiro. Para se ter uma ideia, aqui na capital os custos por criança de uma escola particular para ensino fundamental giram em torno de U$ 40 mil/ano, podendo chegar facilmente aos U$ 60 mil/ano. Isso é para muito poucos, vamos convir!
Soma-se a isso o valor exorbitante da moradia, que muitas vezes ultrapassa o dobro do valor cobrado nos subúrbios. Estabelece-se assim, uma regra no país inteiro: aumentou a família? Hora de comprar a linda casa com jardim no subúrbio.
Mas a vida em um subúrbio pode ser extremante entediante e sufocante. A começar pela perfeição visual – sim, sei que isso soou estranho – mas tantos jardins bem cuidados e casas impecáveis carecem um tanto de personalidade e diversidade. Dirigindo por horas ao longo de Northern Virginia, um dos subúrbios mais ricos e populosos do país, é difícil encontrar um bairro ou um residencial que tenham uma “cara” diferente. Apesar de bonitas e confortáveis, as casas em geral são mono-temáticas e monocromáticas e não existe nenhum arroubo de criatividade arquitetônica.
Por falar em dirigir, a vida no subúrbio depende do carro assim como dependemos do oxigênio. Pouquíssimas coisas podem ser feitas a pé, e aqueles bravos que se recusam a ter carro, são dependentes de transportes como Uber e táxis. Para quem curte uma caminhada até o café ou restaurante mais próximo isso pode ser um problema. Na maioria dos bairros, os centros comerciais se encontram a distâncias difíceis de serem percorridas a pé e o metrô ainda é inacessível em muitas regiões.
O consumo excessivo como estilo de vida também me incomoda um bocado. Americanos – e mesmo estrangeiros que vivem aqui – adoram grandes supermercados onde a oferta exagerada dos corredores acaba criando necessidades questionáveis. Eu mesma já comprei objetos que nem sei direito para que servem e, diferente da maioria das pessoas aqui, detesto os hipermercados que parecem cidades de tão grandes.
Idealizado nos anos 50, o conceito de subúrbio americano continua firme na venda da ideia de uma vida idílica e com forte orientação familiar. A tranquilidade é inquestionável, existem parques belíssimos por todos os lados e as crianças brincam seguramente nas ruas. As escolas públicas dos subúrbios são normalmente impecáveis e refletem o forte sentimento de comunidade, com várias atividades sociais que envolvem a família inteira e a participação massiva de pais em todas as atividades, bem diferente do que acontece nas grandes cidades.
Na contramão desse pensamento, conheço famílias que criaram seus filhos em meio ao caos de Manhattan – NY, enfrentando as dificuldades do ensino público, o desconforto dos apartamentos pequenos e os perigos comuns a todas as metrópoles. Admiro muito e gostaria de ter essa iniciativa, afinal, dessa diversidade saem jovens mais preparados e fortes para a vida, ao contrário daqueles que são blindados pelo paraíso suburbano. Frequentar sempre os mesmos restaurantes, lojas e cafés, ter um círculo de amigos similares, com casas iguais e vida financeira e social igual, além de valores políticos e religiosos super alinhados, pode criar jovens despreparados para a incrível diversidade que o mundo proporciona. Em tempos atuais, com tudo conectado, acho empobrecedor nos mantermos estancados em prateleiras sociais.
A minha situação financeira não me permitiu essa escolha, mas procuro preencher essa lacuna estando sempre presente na cidade. Carrego minhas filhas sem constrangimento a bares e eventos noturnos, andamos muito de metrô e a pé pelos centros da Filadélfia, Nova Iorque e DC, explorando a culinária exótica, o caos do trânsito e a profusão de cheiros e pessoas que as cidades proporcionam.
Hoje vivo em meio ao verde e ao silêncio e até sinto falta das buzinas e do ar carregado das metrópoles, mas não posso reclamar. Minha cidade fica a 30 minutos de carro de Washington e, apesar de pequena, é muito charmosa porque é a capital do condado onde moro. Eu consigo ir ao meu café favorito caminhando, assim como à biblioteca e às pequenas compras e estou plenamente satisfeita com a qualidade educacional que minhas filhas recebem.
Adaptar-se ao meio, mesmo que seja diferente daquele que você idealiza, é um exercício diário e vital para quem se aventura a morar longe da zona de conforto. Talvez o subúrbio americano não seja o meu ideal de morar bem, mas aproveito cada segundo dessa fase descobrindo novas formas de encarar a rotina.
4 Comments
Amei o seu texto, muito bem escrito!!! Eu acho que provavelmente adoraria morar em um subúrbio mas entendi o seu ponto de vista.
Texto maravilhoso. Sou estudante de arquitetura e lendo um artigo vim parar aqui para ter uma ideia a mais sobre a configuração urbana dos subúrbios americanos que são tão diferentes dos brasileiros. Parabéns, gostei bastante do texto.
Parabéns,texto simples e eficaz.Me parece um lugar interessante,mas muito estranho no tocante ao calor humano.Como são os vizinhos?? Se sente acolhida ou escanteada??Esse conceito de cidade fantasma,fico um tanto quanto depressivo.Faça alguns comentários,em relação ao comportamento dos americanos principalmente com os imigrantes!!
Para mim que sou anti-social, isto é o sonho. Rsrsrs. Odeio me acordar cedo para ir trabalhar e ver a cara dos meus vizinhos no elevador pela manhã. E o pior é o small talk – “será que vai chover hoje?”, etc. Odeio o tal “calor humano”. E o pior é quando tentam empurrar isto como sendo algo da cultura brasileira. Não é. Eu e milhões de brasileiros odiamos isto. Meu sonho é viver isolado num chalé nas montanhas Canadenses – estou trabalhando para isto, só preciso convencer minha esposa.
Mas entendo a autora, é complicado ter que viver em um lugar que não condiz com sua personalidade, então entendo sua dor – infelizmente eu é que nasci no país errado, era para ter nascido na Rússia. Rsrsrsrs.
Ótimo artigo e obrigado à autora por nos permitir ter um gostinho deste paraíso, mesmo que apenas por palavras.