Ultimamente temos visto com temor os índices alarmantes da crescente violência ao redor do mundo. Ataques terroristas na Europa e no Oriente Médio, criminalidade gerada pela desigualdade social no Brasil e o chocante número de atiradores aleatórios nos EUA.
Infelizmente eu e minha família engrossamos a lista da violência paulistana, quando em 2013 fomos vítimas de um assalto à mão armada na cidade. O trauma gerou consequências que impactaram o nosso modo de viver em São Paulo e a vida acabou nos oferecendo uma oportunidade de reescrever a nossa história em outro país. Foi assim que no Natal de 2014, desembarcamos de mala e cuia nos Estados Unidos.
Como mãe de meninas em idade escolar, vivi um primeiro ano muito atribulado, com muita informação para digerir, choques culturais para lidar e a constante saudade de tudo que nos é familiar.
Vivemos hoje em um subúrbio de Washington DC, considerado um dos mais seguros do país, com alto nível de escolaridade e renda per capita acima da média nacional. Tudo isso deveria servir para ficarmos tranquilos, pois a incidência de assaltos à mão armada é praticamente nula. Contudo o fantasma do medo permanece, ainda que em tons infinitamente mais brandos do que no Brasil.
Como diria Jean Paul Sartre, “o inferno são os outros”. Eu e meu marido criamos nossas filhas com a absoluta certeza do mote à não violência. Somos contra o porte de armas e nem sequer sabemos como elas funcionam. Pois bem, em Virginia, o estado americano onde fica a minha cidade, as armas são permitidas. Perto da minha casa existe uma loja de aparência inofensiva, que comercializa todo tipo de arma de fogo e fica a poucos metros de uma escola fundamental.
Apenas nesse ano que passei aqui os números foram impressionantes! Com uma frequência inacreditável, os noticiários do país anunciam “shootings” onde atiradores executam a esmo pessoas aleatórias, em escolas, igrejas e outros espaços públicos. Na maioria dos casos, os atiradores são pessoas com problemas mentais de toda ordem, mas que tiveram a infelicidade de ter acesso às armas.
Infelizmente outro massacre aconteceu em dezembro passado no estado da Califórnia, na pequena cidade de São Bernardino. O incidente se diferenciou dos outros por ter tido motivação terrorista.
Os assassinos eram simpatizantes do Estado Islâmico (ISIS) e planejaram minuciosamente o ato, deixando um terrível rastro de sangue com mais de 10 vítimas fatais. O que indignou ainda mais o movimento desarmamentista foi a constatação do fato de que hoje, mesmo com o planeta sob ameaça constante de ataques terroristas, nos EUA encontra-se o caminho aberto e fácil para adquirir armamento pesado e cometer loucuras como essa. Mesmo sem o planejamento estratégico de uma organização terrível como o ISIS por trás, simpatizantes do movimento podem cometer atos isolados de terror.
Essa tensão cria consequências em nossa vida cotidiana. Minha filha, aluna de High School/ Ensino Médio tem treinamento mensal para aprender a se defender de incêndio e….”shooting”! Outro dia ela voltou assustada, pois em um dos treinamentos todos os alunos tiveram que ficar em absoluto silêncio, imóveis e no escuro, agachados atrás das cadeiras, na simulação de um atentado. Uma situação constrangedora e impensável, mesmo para quem vem de um país com índices altíssimos de violência como o Brasil.
Apesar do estranhamento, esses treinamentos preventivos são fundamentais, pois acabam salvando muitas vidas e preparando as crianças para situações catastróficas como essa. Mas não deixo de pensar no dano colateral, sobretudo psicológico que isso pode acarretar.
Ressalto que uma High School/ Escola de Ensino Médio têm em média mais de 2.000 alunos por prédio, o que torna a segurança frágil e de difícil controle.
Mesmo sendo zonas onde o porte de armas é proibido, as escolas são ambientes vulneráveis, pois como eu disse acima, qualquer um na vizinhança pode adquirir um fuzil automático.
O presidente Barack Obama tem feito discursos exaltados e indignados, tentando coibir a facilidade com que as armas são comercializadas. Infelizmente tem sido em vão, pois o lobby armamentista americano é poderosíssimo e domina a grande maioria do congresso, que determina a lei. Além claro de uma forte herança histórica e cultural, em que o gosto pelas armas de fogo é uma espécie de herança de pais para filhos.
Respeito a opinião de quem defende o porte irrestrito de armas, mas não concordo. São defensores da linha de que armado o cidadão pode se defender e assegurar a sua liberdade, tal qual está escrito na constituição norte-americana. Entre os argumentos armamentistas está o índice estatístico de que os “shootings” (massacres por armas de fogo) acontecem em áreas onde armas são proibidas e por isso, os atiradores se sentem confiantes em matar, sem serem interrompidos por outros tiros.
Apesar da situação já ser considerada epidêmica por alguns especialistas, as tentativas de mudança e restrições continuam sendo barradas por leis congressistas e também por grande parte da população, que acredita que quanto mais armados mais seguros estaremos. Um assunto controverso e que infelizmente ainda não apresenta nenhuma solução à vista.
Eu, com a minha bagagem cultural brasileira e hoje imersa em outra cultura, fico triste pelos caminhos que a humanidade está tomando. Apesar das grandes diversidades culturais, todo ser humano alimenta em seu íntimo um desejo comum: proteger os seus e viver em paz.
Por que será que dificultamos tanto esse caminho? Uma pergunta que certamente terá que encontrar respostas, se quisermos deixar um mundo melhor para as futuras gerações.
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