Viver na França tem vantagens e especificidades quem fazem a gente se apaixonar pelo país, e que eu relatei no 10 coisas que gosto na França – 1 . Mas, apesar de todo o encantamento, esse é um país como qualquer outro e também conta com alguns inconvenientes.
Esse é o meu relato sobre os pontos que mais me incondam na vida à la francaise. Eu gostaria apenas de ressaltar que as opiniões aqui exaltadas são pessoais e retratam a minha experiência, unicamente.
1. Burocracia
A França é o país da papelada! Já pensou ter que mandar uma carta pelo correio para poder cancelar o contrato da academia, do banco, ou da internet? Renovou o visto e quer saber como está o status do seu pedido? Esqueça o acompanhamento online! Você vai ter que aguardar a carta da prefeitura chegar pelos correios. Nesse aspecto, a França às vezes é um país que parece ter parado na Idade Média. Vindo de um país como o Brasil, onde praticamente todos os serviços são informatizados, é desesperador, parece que a gente volta no tempo!
2. Mau-humor
Isso é algo bem particular dos parisienses e, realmente, tira a minha paciência! Isso não é um constato só meu, os parisienses são nacionalmente conhecidos por estarem sempre de cara fechada e reclamando da vida. Se você, assim como o cantor Criolo, acha que “não existe amor em SP”, é porque ainda não conheceu Paris!
3. Individualismo
Para cada país, geografia, história etc, existe um padrão de comportamento e, por isso, não vou entrar no quesito julgamento, mas preciso dizer que os franceses são bem individualistas.
Mas de que forma? Um exemplo clássico é o contato físico entre pessoas, um simples passar de mão pelo braço ou ombro de uma pessoa pode demonstrar uma atração física, ou seja, aqui o contato físico é bem mínimo.
4. Discriminação étnica
Infelizmente, a discriminação é onipresente de norte a sul e isso já não é nenhuma surpresa pra mim, mas foi um choque descobrir que mesmo num país, dito desenvolvido e inclusivo como a França, essa questão seja tão forte. Ao contrário do Brasil, onde insistimos no cinismo e na negação de que a discriminação não existe, a França não faz questão de esconder que é latente o racismo no país. A discriminação se extende aos árabes, aos negros, aos chineses, digamos que, aos estrangeiros de uma forma geral. Essa discriminação faz aflorar ainda mais a idéia de segregação. E em busca do sentimento de valorização e pertencimento, as comunidades africanas e árabes, por exemplo, se fecham entre elas. Em razão disso, filhos de estrangeiros nascidos em território francês, consideram mais a nacionalidade herdada dos seus pais do que a própria nacionalidade francesa. Isso cria ainda mais conflito sob o aspecto da imigração.
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5. Inflexibilidade
Como o jeitinho brasileiro me faz falta! Antes que alguém me julgue, não me refiro ao “tirar vantagem à qualquer preço”, longe disso. Aqui faço referência à malemolência brasileira para se adaptar em diferentes situações e sempre sorrindo. Sabe aquela frase típica – “coloca mais água no feijão”? Franceses não conhecem a palavra improvisação. Aqui nem em sonho você vai conseguir comprar pizza meio a meio, pedir pro garçom arranjar uma mesa no bar lotado ou trazer um amigo pra uma festa sem ele ter sido convidado. Na França a resposta é simples, não é não, e eles vão te dizer isso sorrindo.
6. Estilo clássico
Que a França tem a reputação de ser o país da moda, isso não resta dúvida, mas o lado ruim disso é que a moda é um tanto quanto “engessada”. Os franceses são clássicos, a moda é cheia de códigos e existem combinações de cores aceitáveis e outras que não se devem usar nunca. Ao contrário da Inglaterra ou da Alemanha, que são países mais democráticos no quesito multicuturalismo, a França não tem essa diversidade de estilos, mistura de estampas, cores, etc.
7. Higiene
Existem dois aspectos nesse quesito: a higiene pessoal e a higiene pública. Quanto à higiene pessoal os franceses tomam banho sim, alguns uma vez por dia, outros mais do que isso, outro menos. O problema não é o banho em si, mas repetir as mesmas roupas por vários dias, pois nem todo mundo tem máquina de lavar em casa e lavar roupa na lavanderia, para alguns, custa caro. Isso me faz entender o que existe por detrás do clichê. Mas mesmo que eu entenda, é difícil de aceitar, porque ninguém é obrigado a sentir mau cheiro! O outro problema é a noção de higiene pública. Paris e Marseille, por exemplo, são cidades empestadas de ratos por todos os lados, pelas ruas, no metrô, em restaurantes e por aí vai. E isso não choca ninguém, ao contrário, existem grupos militantes pela defesa das criaturas! Para uma pessoa como eu que tem simplesmente fobia, é um inferno.
8. Manteiga
A manteiga é considerada patrimônio francês e são consumidos anualmente 17kg por habitante, ou seja, ela é onipresente na gastronomia do país. Mas e se você simplesmente detesta manteiga e só de sentir o cheiro já tem náuseas? Como lidar?
É bem contraditório, pois ao mesmo tempo que eu adoro a gastronomia francesa pelos seus bons produtos e pela maneira delicada de manejá-los, eu simplesmente não consigo lidar com a quantidade de manteiga que eles utilizam para cozinhar!
9. Vouvoiement
O vouvoiement é um tratamento formal, utiliza-se como forma de respeito, principalmente para falar com desconhecidos, pessoas mais velhas, professores ou superiores hierárquicos. É equivalente a senhora ou a senhor. Eu não tenho nenhum problema com o vouvoiement, mas ele invoca toda uma formalidade que vai até o ponto de não poder chamar a pessoa pelo nome, e eu tenho uma preguiça enorme disso! Se você quiser, por exemplo, chamar a sua professora pelo nome, ou seja, Senhora Maria, isso será uma falta grave de educação. Quando nós não temos intimidade com uma pessoa, além de utilizar o vouvoiement, que requer toda uma conjugação, nós temos sempre que nos referirmos a estas pessoas pelo seu sobrenome, pois não somos próximos o suficiente para podermos chamá-las por seus primeiros nomes.
10. Cigarro
Para quem ainda não sabe, fumar na França é quase uma filosofia de vida. E o melhor é ver a reação das pessoas quando eu digo que não fumo, parece que eu sou um ET!
Mas o que mais me incomoda é ser minoria, ou seja, viver em uma país onde praticamente 4 pessoas em 10 fumam, pois faz você fumar por tabela.
13 Comments
Ola Amy,
Sou brasileira também e moro em Paris a 20 anos. Adorei os seus dois textos sobre a sua visão, positiva e negativa, da França e assino em baixo. Gosto muito também do jeito deles conversarem, sem interromper e esperando o outro terminar o que tem a dizer e sò depois começar a falar. E não gosto muito das carnes bolvinas, apesar dos molhos serem muito bons, na hora de mastigar a testura é de chiclete.
Continue escrevendo! Sucesso!
Oi Sabrina, obrigada por deixar o seu comentário e por acompanhar os meus textos! 🙂
Imagino que morando em Paris há 20 anos, você deve conhecer muito bem esses pontos e muitos outros haha
E você tem razão em falar da forma como eles costumam conversam, sempre respeitando o tempo do outro. Lembrei dos micos que eu paguei quando ainda não estava habituada a tanta “educação” !!
Um abraço.
O 5. é tão verdade!! Acontece o tempo todo! e realmente, vc achou o termo certo: ‘falta de improvisação’ !
Adorei seus textos 🙂
Oi Livia! É nessas horas que eu falo que nós brasileirxs somos maravilhosxs e não sabemos disso 🙂
Obrigada por acompanhar o BPM!
Adorei seus textos sobre sua visão dos aspectos positivos e negativos da França. Parabéns!!!! pela clareza e sinceridade. Continue escrevendo!! Sou fã dos seus textos.
E eu sou sua fã! Beijoos
Oi Amy-Carole,
Muito bom o texto, sempre legal ver as mesmas coisas por uma perspectiva diferente. Eu também sou brasileiro e moro em Paris ha 6 anos.
Essa questão da discriminação é violenta aqui, não é? Eu vejo um certo “etnocentrismo” da parte dos franceses que ultrapassa a barreira do patriotismo saudável. Não acho que eles sejam arrogantes mas tem uma dificuldade enorme de entender outras formas de viver, outros hábitos. Eles acham que a forma francesa é mais logica, correta e coerente. E odeiam quando você aponta A+B as incoerências da cultura deles. Acho que é uma certa herança da posição de centro cultural mundial.
Isso tudo somado à tendência de assimilação dos estrangeiros aqui na França – onde você idealmente deixaria de lado todos os traços culturais marcantes demais para adaptar os traços franceses – e temos um bom desafio. :/
Fer
Oi Fer, obrigada pelo seu comentário! É sempre bom saber que não estamos sozinhos nessa convergência cultural rs
A discriminação é realmente fora do comum aqui, concordo com você, inclusive falarei um pouco mais sobre isso no próximo artigo deste mês. E como você mencionou, eles ainda estã impregnados da lógica colonista, ou seja, são eles que sabem fazer e tem a capacidade de transmitir o “savoir-faire” e o resto é o resto.. e aí vamos vendo o que esse tipo de comportamento gerou até agora. Olha onde estamos hoje por conta dessa birra! E como você disse, o desafio é grande, mas a nova geração me dá esperança 🙂
Um abraço
Tem mais racismo na França do que nos Eua?
Oi Babi!
Eu não posso dizer com propriedade como é encarada a questão do racismo nos EUA, pois nunca vivenciei in loco. Mas, no caso da França, posso te dizer que ele é bem forte, e ao contrário do Brasil, os franceses admitem claramente o racismo no país. Caso queria saber um pouco mais sobre tudo isso, dá uma olhada nesse post: https://brasileiraspelomundo.com/discriminacao-racial-na-franca-561171825.
Abs
Oi Amy, adorei o texto! Concordo com quase tudooo, menos a manteiga, que amo! rs
Sobre a discriminação etnica, vai ainda além. Não é que os filhos de estrangeiros se considerem mais da nacionalidade dos pais do que franceses, é que é isso mesmo. Estou grávida e meu filho mesmo nascendo em Paris nao tem direito à nacionalidade francesa por solo, apenas depois de muitos anos poderá requerer, se ele quiser. Isso porque nem eu e nem o pai dele somos franceses, embora sejamos residentes.
Um beijo e boa continuação nos textos!
Oi Gabriela, obrigada pela sua visita e pelo seu comentário! A manteiga é uma coisa bem particular minha hahaha acho que só conheci uma pessoa na vida que também não curte. Realmente a questão étnica é algo bem complicado por aqui e você está vivendo isso na pele, alias obrigada pelo seu depoimento pois eu tinha esquecido esse detalhe do “jus sanguinis”. Um beijo e bon courage !
Eu sempre tive uma visão horrível da França.Tudo que me vinha à cabeça quando pensava nesse lugar eram a Revolução Francesa e todas as pragas/doenças que houveram nesse lugar.Mas essa questão do racismo assumido,ter o máximo possível de formalidade com alguém e um patrotismo quase doentio criado através do orgulho de cada um é algo difícil de aceitar.
Nós somos brasileiros.Se estamos felizes,estamos sorrindo,se estamos endividados estamos sorrindo,quando conhecemos alguém estamos sorrindo…
O que pesou mais nisso tudo foi o “jeitinho” e a burocracia.
Que bom que os canadenses não pegaram esse lado ruim da França