A adaptação morando em outro país.
A mudança para um outro país sempre requer um desdobrado esforço emocional e físico. Por mais experiência que uma pessoa pensa ter, que o lugar seja maravilhoso, e ir seja o sonho de muita gente, por mais informações que tenha, nunca, nunca mesmo, vai servir totalmente pra você.
A adaptação nunca é igual pra pessoas diferentes. Por mais que alguém tente traduzir esse país novo, a sua percepção e acomodação a essa nova realidade serão unicamente suas.
Isso não é para desestimular a busca por saber o que te espera, mas sim te avisar que não será fácil e está tudo bem. A vida não tem respostas simplistas. E só temos respostas sobre esse acomodar, esse ajustar a essa nova realidade, vivendo.
Você é feliz aí? Como foi sua adaptação?
Existem muitas pessoas que me procuram através de redes sociais para esclarecer dúvidas ou buscar saber melhor sobre o país onde vivo e que será o destino delas. Tento dar o máximo de informações e ser neutra em perguntas como: “Você é feliz aí?” ou “Como foi sua adaptação?”.
Existem tantas variáveis nessas perguntas que me sinto muito responsável e respeitosa ao dar uma resposta. Não há nada mais injusto que a comparação ou para o bem ou para o mal.
Refazer uma vida com o peso do sucesso ou do fracasso do outro é tirar dessa pessoa a chance das duas alternativas. E é muito comum que isso aconteça nos dois sentidos. Já vi histórias lindas de adaptação, como acompanhei histórias terríveis.
A adaptação morando em outro país: vulnerabilidade a princípio
Chegamos com uma carga enorme, uma pressão sobre os ombros de conquistar esse lugar. Essas expectativas vão diretamente de encontro a nossa vulnerabilidade. Estar vulnerável é seu novo estado permanente neste princípio.
Entenda por “estar vulnerável” por não ter a estrutura do que estava acostumado. De tudo, de estilo de vida, de comida, de hábitos, de gente, de fala etc. É preciso estar bem atento na separação entre o viver e o fazer turismo.
Antes de escrever esse texto, li um montão de outras pessoas, imigrantes também, que dão dicas e conselhos sobre viver fora. Vão desde a parte de documentos necessários, planos, idioma, como ter amigos nativos, fazer networking etc.
Tudo isso acompanhados de fotos lindas e sorridentes pelo parque, com uma galera, com um cachorro, e por aí vai. Mas o que mais me chamou atenção foi: “Liberte-se de seu país!” Eu nunca encontrei alguém que tenha sido capaz disso. Pode ser que tenha.
Mas o que mais vejo são reações de se encontrar em uma comunidade de seus compatriotas estando fora. Por isso existem em grandes metrópoles como São Paulo, Nova York, comunidades italianas, chinesas, portuguesas, brasileiras…
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É mais claro entender o que é distante de nossa realidade através dos olhos de alguém que entende sua cultura. Que possa traduzir os códigos da sociedade que foram estranhos para o seu compatriota também.
Mas isso também não é fácil. Não é porque é seu compatriota que vai gerar uma empatia a ponto de construir um laço de amizade. Por exemplo, eu não tive uma comunidade brasileira próxima e intíma em Lima, Peru. Eu tive meu grupo de amigos estrangeiros.
Já em Havana, eu vivi isso plenamente. E foi legal e me ajudou muito, tanto meu grupo de amigos estrangeiros em Lima quanto os amigos de Havana. Porém, o meu grupo brasileiro em Havana me entendia muito mais nos meus questionamentos.
Tudo é válido. Não se prenda a nada, principalmente a nenhum preconceito. Nessa vida de imigrante aprendemos o quanto isso dói porque também somos alvos.
Recebi um convite para uma entrevista em que, em um dado momento, me perguntaram sobre um momento em que eu tivesse passado por isso.
Eu fui lembrando vários e até me assustei quando me dei conta das vezes em que vivi isso na pele, acho que simplesmente apaguei da minha mente por um mecanismo de defesa.
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Na questão do idioma é certo que você terá sotaque sim, e tá tudo bem, isso te dá identidade. Uma pessoa sem referência é um estrangeiro para si mesmo. Torna-se algo plástico, fabricado, sem origem. Nada autêntico ou confiável.
Renegar suas raízes é se tornar estranho pra si mesmo. E uma coisa boa que traz esse amadurecimento na adaptação é um profundo autoconhecimento digno de sessões de psicanálise.
Por favor, não me entendam mal, uma coisa não substitui a outra. Isso se dá pelo fato de ser obrigado a sair da zona de conforto e se ver jogado no meio de um monte de vivências novas, que te faz perceber como são suas reações e sua capacidade de se desenvolver em suas limitações .
Então, tem muitos pontos positivos, sim. Mas não é a imagem da família perfeita da propaganda de margarina.
Apropriação do termo “banzo”
O primeiro momento você poderá ser acometido por um estado que eu chamo de “banzo”. Um termo muito usado no Nordeste. O que seria isso? Um sentimento de luto, nostálgico, do que ficou pra trás misturado com a dificuldade de se ver em uma nova realidade.
Mas esse termo é uma apropriação. Na verdade esse termo vem dos tempos da escravidão. Era usado para se referir ao processo psicológico em que ficavam os negros depois de serem duramente arrancados de suas raízes, de sua família, gerando uma profunda tristeza, depressão, loucura.
Imagina você imigrante, que já sofre com essa fase de adaptação em uma condição privilegiada, e a qual foi sua opção.
Como estou passando por essa fase agora, me pego pensando na violência que foi para os negros escravos serem jogados, sem liberdade alguma, em condições péssimas de vida, em uma terra distante, diferente e hostil. É muita violência!
A adaptação morando em outro país: fase da exploração
Depois dessa fase de banzo e intestino solto (sim, isso ninguém diz, seu organismo também estará passando pelo mesmo processo, conhecendo toda uma flora nova cheia de bactérias, vírus que irão fazê-lo visitar muitas vezes o banheiro, independente de qual país será), chega a fase de exploração, querer saber tudo do lugar, turistar, aprender palavras novas, comer comidas locais, ser estafado um montão de vezes em dinheiro, serviços…
É o momento que você já se localiza bem andando nas ruas, usando transporte urbano ou carro, que se move melhor pela cidade. Nessa hora vai entendendo como funciona os perrengues da cidade, como são os locais, o que não se deve fazer. Mas, até chegar nesse ponto, você já fez muita besteira.
E quando você menos espera, chegou a fase de calmaria. Em que já está instalado totalmente, com seus documentos de residente, já ensinando pessoas na rua a achar os endereços que procuram, já tendo seus lugares preferidos em que você sentirá muita saudade quando for embora, já tendo possíveis amigos, contatos, possibilidades de trabalho.
E aí tomamos um susto porque nos achamos nativos, mas sempre vai ter algo pra nos lembrar que jamais seremos nativos.
E agora, com a pandemia, lockdown e com o acentuamento da xenofobia, passar por essas fases será ainda mais complicado. Mas temos muitas vidas pra alcançar a vitória.