A blusa romena.
Chegar na Romênia e não notá-la, é impossível. Ela está por toda parte: desde a versão “Made in China”, pendurada na lojinha de souvernir, até as feitas à mão, com uma pegada mais moda.
Antes de mudar, nunca soube que a tal bata estilo “camponesa” tinha origem nos campos romenos. Nem, muito menos, de que se tratava de um verdadeiro símbolo nacional, com festa e tudo para celebrá-la: 24 de junho é o dia da Blusa Romena, data que coincide com as comemorações locais do solstício de verão.
De tanto vê-la, fiquei curiosa e fui atrás de saber mais, afinal, como foi que ela saiu das montanhas e ganhou o mundo?
Aqui vai um pouco da sua história.
Peça de arte.
Quem a tirou do anonimato foi Matisse que, nos anos 1930, encantado com o colorido da peça, pintou “La Blouse Roumanie”. E essa, digo logo, é a minha parte favorita do enredo, depois da D. Coca, claro, de quem falaremos mais adiante!
Uma moça bonita para usá-la.
Lá para os anos 1960, Jane Birkin — aquela mesma da bolsa - , pegou a bata, misturou com um jeans bocão de sino e lançou a moda da blusa mundo afora, no clima hippie-boêmio da época.
Do hippie à alta-costura.
E seguiu caminho, saindo das ruas e ganhando as passarelas parisienses, pelas mãos do perspicaz Yves Saint Laurent que, nos 1980, inspirou-se no apelo moda dos quadros de Matisse e desfilou uma coleção de alta costura, inteirinha, com a blusa.
A partir daí, podemos dizer que ela nunca mais parou de ser replicada.
A D. Coca.
Mas, vejam bem, existia vida antes de Matisse; existiam outras moças bonitas antes da Birkin; sempre houve quem a fizesse antes de Saint Laurent e seus predecessores; tem uma razão para ela existir, tão linda e colorida, que passa despercebida pelo “Made in Bangladesh” das marcas de fast fashion.
Bom, é justamente aqui que entra a D. Coca.
A D. Coca é uma costureira artesã com dons de fada. Ela mora em Arges, cidadezinha no alto das montanhas, na região de Muntenia, rota da Transfagarasan, considerada um dos mais belos cenários do mundo, para ser percorrido de carro.
Querendo saber mais sobre a blusa, encontrei a D. Coca e sua filha, Andrea, durante uma manhã, em Bucareste. Combinamos de nos encontrar para um café e, mesmo sem conhecê-las, não demorou nada para descobri-las, porque, claro, ambas usavam as blusas romenas.
Agora, sou eu quem bordo para vocês retalhinhos desse papo bom!
-Confeccionadas em tecido, linhas e rendas 100% algodão, cada blusa leva cerca de 3 a 4 semanas para ser feita, totalmente à mão.
-Aprendi que os bordados e tons variam de região para região, mostrando, no passado, de onde a pessoa se originava.
-Também descobri que as mulheres deveriam usar as cores trabalhadas no tecido, de acordo com idade e estado civil: vermelho para meninas; preto e vermelho para solteiras; colorido para casadas; preto para as idosas.
– Olhando para os padrões, perguntei se eles significavam alguma coisa e, sim, significam. Em tempos outros, eles contavam sobre a profissão exercida: coletores de frutas tinham, por exemplo, o similar a cerejas bordadas (blusa da D. Coca), enquanto pastores de cabras, pequenos detalhes que faziam alusão a chifres (blusa da Andrea); se você fosse proprietário de terra, a sua posse também estaria gravada em um padrão que denotava status (os losangos da blusa da Andrea representam a terra possuída); se desejasse um sentimento, dos mais doces aos mais fortes, de proteção ou agradecimento, você também poderia expressá-lo em forma de bordados, e assim por diante!
-Abrindo histórias de família, contaram que, por costume, todos deviam usar roupa nova nas missas de Natal e de Páscoa e que, quando jovem, a mãe da D. Coca passava o inverno planejando e confeccionando o traje que usaria nessas ocasiões, sem mostrá-lo a nenhuma de suas amigas, para não correr o risco de ter o padrão copiado. Detalhe que todas faziam o mesmo!
-Para a noiva, havia, também, um traje especial, agora retomado por muitas que desejam um casamento tradicional. Dele, vi a blusa. O tecido de algodão branco, mais leve e delicado do que o usual, é bordado com linha de seda branca. Uma joia feita à mão para ser usada com saia confeccionada em brocado, também tecido por artesãs locais.
– A D. Coca aprendeu a bordar com a mãe, mas apenas voltou a confeccionar as blusas depois da aposentadoria. Agora, prepara-se para passar em um teste onde lhe será conferido o diploma de artesã oficial, podendo, assim, ensinar outras pessoas a dar continuidade a esse ofício bonito.
Despedi-me das duas com a minha blusa encomendada e um convite feito, insistidas vezes, para seguir com meu marido pela Transfagarasan, hospedando-me na casa delas, em Arges.
Convite aceito e abraço trocado, lá se foi a D. Coca com os seus olhos verdes-romenos-amarelados-lindos, para o seu mundo “de fada” da montanha; foi lá bordar histórias camponesas, com dedicação e carinho, impregnando suas peças com contos e significados.
Depois de saber mais sobre a blusa que despertou a minha curiosidade, não pude deixar de concluir que as originais são muito mais preciosas do que qualquer Matisse, mais charmosas do que qualquer Jane Birkin, mas luxuosas do que qualquer Saint Laurent. São mais por serem, simplesmente, autênticas e, num mundo de cópias mal feitas ou super valorizadas, originalidade carregada de significado é valor puro.
2 Comments
Olá Cristina! Vou para a Romênia dia 30/06 e ficarei 30 dias lá. Você pode me passar o contato da D. Coca? Quero encomendar uma blusa com ela.
Olá, Vivien, você pode fazer encomendas pela lojinha online, segue o link: https://www.etsy.com/shop/blouseroumaine