Quem está fora pode opinar sobre seu país?
Em tempos de discussões políticas intensas e nacionalismo à flor da pele, um fato me chamou a atenção. Para muitos, nós, brasileiros, que por qualquer motivo deixamos o país, somos comumente vistos como “menos” brasileiros, e já não temos o direito de opinar sobre a situação de nosso país.
Isso me fez refletir sobre como é essa questão aqui na Romênia… Quem são os romenos que saíram do país, e quanta influência eles têm? Pesquisei, conversei com amigos romenos, e compartilho, aqui, minha reflexão.
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Quais são os dados?
Números da Organização Internacional para Migração apontam que, em 2016, a Romênia tinha o maior número de cidadãos morando em outro país da União Europeia, com aproximadamente 3 milhões de pessoas. Considerando os países fora da UE, esse número sobe a 10 milhões, sendo que parte delas estão em comunidades históricas romenas, como a República da Moldávia e Ucrânia.
Por que romenos deixam seu país?
De acordo com dados do CEPS (Centre for European Policy Studies) o número de romenos que residem fora da Romênia equivale a 20% da força de trabalho do país (pessoas entre 20 e 64 anos).
Dinheiro e qualidade de vida são basicamente os fatores que os levam a deixarem seu país buscando melhores salários, um dia a dia melhor, e um país em que não tenham que lidar com a corrupção diariamente, assim como muitas vezes acontece conosco, brasileiros.
A luta contra a corrupção
Historicamente, a Romênia tem uma política corrupta. O “basta” da população veio em janeiro de 2017, quando o governo tentou passar, no meio da noite, uma lei para abrandar penalidades a acusados de corrupção.
A população se enfureceu, e 200 mil pessoas ao redor do país foram para as ruas, quando vimos os maiores protestos na história da Romênia desde a queda do comunismo. Desde então, outros protestos ocorreram, e o que mais me admira é a união do país em busca do que é melhor para todos, e não discussões em favor deste ou daquele político.
Nessa luta, onde estão os emigrantes?
Mesmo estando fora, emigrantes ainda têm voz ativa, aqui. Sonham em construir um país melhor para um dia voltarem, outros querem um país melhor para os familiares que ficaram. Independente dos motivos, eles ainda falam e são ouvidos.
Em agosto de 2018, em pleno verão, ocasião em que muitos retornam para férias, o país se deparou com outra situação decisiva. Descontentes com o governo, a população não recebeu bem a demissão da promotora Laura Codruta Kovesi, conhecida pela luta contra crimes de colarinho branco. De novo, o país se organizou para protestar, agora com o apoio de dezenas de milhares de romenos que cruzaram as fronteiras e participaram nos protestos nas principais cidades do país.
Infelizmente, as coisas saíram do controle, havendo confronto entre protestantes e polícia. Houve abuso policial devido ao uso desnecessàrio de spray de pimenta e gás lacrimogênio e ainda hoje correm lentamente processos na justiça em relação a esse episódio.
Mas há união entre os que estão no exterior. Passado um ano deste episódio, mais um protesto foi organizado, principalmente pelas redes sociais, para lembrar o governo que os romenos daqui e da “diáspora”, como chamam os que estão no exterior, permanecem na luta. Anunciando que “nós ainda sabemos o que vocês fizeram no verão passado“, todos mais uma vez se uniram pelo que acreditam ser a chance de fazer um país melhor.
E o resultado?
Tenho amigos romenos que voltaram depois de anos morando fora, pois acreditam que as mudanças já estão acontecendo, e têm esperanças em um futuro melhor.
Vê-se na população, principalmente na faixa de 25-40 anos, um desejo de mudança. São contra extremismos de qualquer lado, pois sabem como é viver no extremismo – em 1989 o país se libertou do governo do ditador comunista Nicolae Ceaușescu, e não há interesse em voltar a ter nada parecido.
Eles veem, na mídia, notícias sobre o Brasil, e me perguntam sobre o que vem acontecendo. Ao ouvirem o que digo, eles muitas vezes não entendem algumas atitudes do governo e o fato de a população simplesmente aceitar algumas decisões.
E eu, posso opinar?
Ser imigrante é peculiar. Você se apaixona por um novo país, mas tem saudades do país de origem. Deixa o Brasil para buscar algo melhor, mas torce o nariz quando estrangeiros falam mal do seu país. Ainda que esteja imerso na cultura, em algum momento você pensa “que não pertence” ao novo país, mas também já não se encaixa no Brasil.
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Mesmo assim, ainda acredito no direito de me expressar. Para nós, que viemos morar fora, nossa experiência abre nossa mente para entendermos coisas que não pensávamos antes. Não somos melhores do que ninguém, apenas temos pontos de vista diferentes, e queremos dividir nossas experiências com quem ainda está no Brasil.
Converso muito com brasileiros que cruzaram as fronteiras, e em geral, o que acontece é o mesmo… Expomos nossa opinião, somos criticados, recebemos comentários irônicos de quem não esperávamos e de outros que nunca lembram da nossa existência, mas se acham no direito de vir em nossas páginas e mensagens privadas nos julgar por nosso posicionamento.
Esses últimos são facilmente ignorados, pois até aqui não tiveram relevância em nossas vidas. Mas quando a ironia vem dos próximos a nós, isso machuca. Saí do meu país em busca de uma vida melhor, assim como meus avós e bisavós fizeram quando foram para o Brasil. Mas eles e tantos outros imigrantes foram vistos como heróis pela decisão, mas os que fazem isso, hoje, são desistentes.
É triste, mas seguimos firmes. Dou o melhor de mim todos os dias para ser uma pessoa melhor para o mundo, e continuarei expondo minha opinião quando julgar pertinente. Recebo sinais diários do universo de que estou no caminho certo, e por mais que seja uma jornada complicada, acho que é muito satisfatória.