A coragem de quem fica no Brasil.
Temos de falar sobre este êxodo que está acontecendo bem debaixo de nossos olhos e dentro de nossas famílias. Nos últimos anos, já perdi as contas de quantas famílias que conheço deixaram o Brasil. E aposto que você que está lendo este texto também tem esta percepção. Segundo a Receita Federal, declarações de saída definitiva saltaram 81% nos últimos três anos. Seria normal num país que enfrenta uma guerra ou desastres naturais, mas não é nosso caso.
O país do Carnaval, que os gringos adoram tanto, agora é uma terra que tem, cada vez mais, ficado para trás. Apesar das riquezas, lugares incríveis e pessoas maravilhosas, estamos pedindo para sair. Estamos abandonando o barco.
E dá-lhe família vende-tudo, bota-fora da Fulana, despedida do colega, textão de adeus no Facebook, melhores amigos e família com declarações de amor aos que se vão. “- Mas vamos te visitar lá, viu?” “- Ah vem mesmo!”. Saudades, saudades e mais saudades sem fim. E a vida segue. Até no próximo mês, outro alguém anunciar que está deixando o Brasil e tudo começa outra vez.
Concordo que é preciso coragem para mudar. Não é fácil enfrentar uma nova cultura, longe da família, dos amigos, da zona de conforto que nos abraça conforme criamos raízes em um lugar. Existem inúmeros textos escritos por expatriados sobre a dificuldade de adaptação, saudades, perrengues e os episódios de “vida como ela é”, que nem o Facebook e nem o Instagram mostram ao Brasil. Muita gente só descobre depois de um tempo que os problemas não acabam quando se muda de país.
Mas este texto vem para discutir sobre a coragem (não menos importante) de quem fica no Brasil. O país está em crise, corroído por corrupção, desemprego, insegurança, e acima de tudo: incerteza. Coragem para enfrentar o incerto, tanto de lá quanto de cá. O brasileiro lida com este mesmo sentimento nessas duas frentes.
Imagino que a sensação de ficar é a de que está ficando para trás – “O mundo todo com mil e uma oportunidades, e eu? Aqui sem ter opção de quem votar para presidente…”
Não sair do Brasil é uma decisão que não depende apenas da vontade, senão, de acordo com pesquisas, pelo menos 100 milhões de brasileiros já teriam emigrado. São diversos fatores que influenciam nesta tomada de decisão: a condição familiar, área profissional, parte financeira… Mas ficar no Brasil e assistir amigos e familiares indo para longe também não é fácil e ninguém está contando esta história. É preciso também coragem para ficar.
Leia também: tudo que você precisa saber para morar em Portugal
Incomoda-me um bocado essas pessoas que mudam do Brasil e se sentem como se fossem as mais corajosas e destemidas do mundo. Agindo e falando como se quem ficou fosse acomodado ou não tivesse coragem o suficiente para trocar o certo pelo duvidoso em terras estrangeiras. Entender que não temos todos os mesmos pontos de partida e que as oportunidades se apresentam de forma diferente para cada indivíduo, é um exercício minimamente necessário. Além disso, existem momentos de vida diferentes para cada um. Sinto informar, mas você não tem mais mérito que o outro porque mora em outro país.
Em tempos de “fla x flu” na Internet, onde existe polarização e discussão até em comentário de post de receita de bolo, a questão dos brasileiros que vão morar fora x os que não foram também existe. Quem foi, está em busca do melhor para sua família, enquanto os que ficaram no Brasil acreditam que têm seu melhor ali, no seu país. Ou mesmo não têm condições de emigrar no momento. Não existe melhor nem pior decisão. Existe a decisão certa para cada um em sua individualidade e momento de vida. Quem partiu não é melhor do que quem ficou. Nem o contrário. Quem partiu não deve achar que os que ficaram são menos corajosos. Da mesma forma que a quem ficou não cabe julgar a decisão dos que partiram.
Estamos nos qualificando, estudando mais (comparado às gerações anteriores), vendo o mundo como é, falando novas línguas… Então agora descobrimos que existem muitas oportunidades longe de casa. E o mundo está descobrindo que existem muitas pessoas talentosas no Brasil. Estamos perdendo nossos talentos para o mundo. Isso é sim preocupante e deixa a plateia no Brasil um pouco desmotivada. Mas por outro lado, a roda da oportunidade gira, e aquele profissional qualificado que se foi abre espaço para outro no mercado brasileiro. Isso acontece em todos os países do mundo atualmente, o mercado de trabalho nunca foi tão multicultural e globalizado.
Hoje vi uma reportagem de uma respeitada emissora brasileira que fala sobre a “fuga” de brasileiros para o exterior, principalmente para cá, Portugal. Não acho justo o uso da palavra fuga para quem decide morar em outro país em busca de outras oportunidades. Acho que você só foge quando não existe outra opção, pois se ficar o bicho pega. Por mais que a situação real do Brasil esteja muito difícil, imagino o desserviço de uma matéria dessas na cabeça de tantos milhares de brasileiros que já convivem com a dúvida se estão fazendo a coisa certa ao permanecer em seu país trabalhando e seguindo suas vidas normalmente. Tudo isso aliado ao peso de só quem vai embora é que venceu na vida. Ledo engano.
Ao último a sair, não apague a luz. Ali existem milhões de pessoas, que apesar de eletrocutados diariamente pela realidade nua e crua dos noticiários brasileiros, seguem suas vidas com suas famílias, trabalhando, saindo de férias, festejando com os amigos e educando seus filhos. Ao último a sair, não apague a luz, pois ela precisa estar acesa para nos guiar ao caminho de volta e para nos lembrar de onde viemos.
14 Comments
Lindo e verdadeiro! 🙂
Analu,
Sou sua colega aqui no BPM e estou passando para dizer que gostei muito do seu artigo, parabéns!
Um beijo,
Lili
Obrigada, Liliane! Sempre bom receber incentivo das colegas 🙂
Fico feliz que gostou, obrigada!
Analu, parabéns pelo texto e pela sensibilidade em expor este outro lado. Sim, nossos conterraneos precisam desse olhar, e do apoio de quem saiu, para, quem sabe conseguirem construir, continuar a construir coisas boas em nosso país. Afinal, como vc bem falou, viemos de lá, e isso ninguém vai mudar! Muito obrigada!
Belo texto! Parabéns !!
Olá Analu, parabéns adorei o texto. Só fiquei com uma dúvida sobre o número de brasileiros que já teriam emigrado, você diz 100 milhões e se não me engano somos 250 milhões de brasileiros. É como se quase metade da população já tivesse emigrado. Acredito que o número esteja errado, qual foi a fonte? Beijos ????
Oi Karina, a pesquisa que vi em um documentário, fala que 50% dos brasileiros, se pudessem, gostariam hoje de deixar o Brasil. No texto está: “Não sair do Brasil é uma decisão que não depende apenas da vontade, senão, de acordo com pesquisas, pelo menos 100 milhões de brasileiros já teriam emigrado.” Então aqui trata-se apenas da intenção de emigrar e não da ação em si. Obrigada pelo comentário. Beijos, Ana.
Oi Analu,
Adorei o texto, tb sou farmacêutica e trabalho com pesquisa clínica (na onco) ????????… moro na França desde out/16.
Bjsss
Oi Adriane, que bom que gostou do texto! Prazer em conhecer uma colega de pesquisa clínica 🙂 esse mundo tão particular que pouca gente conhece, não é mesmo? Obrigada pelo comentário, beijos, Ana
Adorei o seu texto! Parabens!!
Parabéns!! Muito bom texto!!
Analú, excelente texto!!!
Eu sou uma das pessoas que se tivesse oportunidade, teria emigrado a muito tempo…
Não sei se por conta de uma tpm, cheguei a chorar no final, pois muitas vezes me senti assim, com uma pessoa que foi ficando para traz…
Beijos!!!
Oi Aline! Obrigada pelo comentario, fico super feliz que tenha se identificado com o texto… TPM ninguem merece, come um chocolate pra melhorar isso, menina! Meu intuito com este texto foi exatamente escrever pra quem fica, pra nao se sentir para tras, cada um tem sua realidade, suas prioridades e seu momento de vida. Beijos e obrigada pelo comentario.
Ola nao se sinta para tras. Eu moro a 11 anos em Londres, tenho um trabalho ótimo, casa, empregada e escola particular para minha filha e quero voltar para o nosso país. Não se iluda, o melhor lugar nesse mundo eh perto da nossa família e amigos verdadeiros.