A história do comunismo pelas ruas de Bucareste – Parte I
Em novembro de 1989, cai o muro de Berlim e, com ele, as fronteiras separando do resto do mundo os países comunistas do leste europeu. A Romênia foi o último a romper com o regime e o único a fazê-lo de forma sangrenta. Passados 28 anos, as marcas e os marcos deixados pelo comunismo em Bucareste, ajudam a contar essa história.
Da monarquia ao comunismo
No início da 2a Guerra Mundial, a Romênia era uma monarquia constitucional cujo primeiro ministro, Ion Gigurtu, tinha fortes tendências fascistas e anti-semitas, em harmonia com o pensamento de boa parte da população.
A princípio declarada neutra pelo então rei Carol II, a imparcialidade romena pouco durou. Com o avanço da Alemanha e a perda territorial para países vizinhos, Ion Gigurtu, respaldado pelo general romeno, Ion Antonescu, força o rei a abdicar em nome de seu herdeiro, Mihai I, aliando-se às forças nazistas.
Apenas no final do conflito, dada a situação precária em que se encontravam os alemães, agravada pelo avançar da União Soviética sob os países do leste, é que o Rei Mihai I, de volta ao poder após um golpe de Estado, declara o fim da colaboração com os nazistas, filiando-se aos aliados.
Terminada a guerra e repartido o mundo no acordo firmado entre o primeiro ministro inglês, Winston Churchill, e o líder soviético, Joseph Stalin, a fatia romena coube aos comunistas que aqui entraram saqueando, violando, forçando o rei ao exílio e instituindo o partido comunista como o único legal do país. Isso porque, apesar do propagado papel de libertadores, os soviéticos subjugaram a Romênia, impondo-lhe o seu ideário.
Na Calea Victoriei, a imponente estátua do rei Carol I relembra a monarquia, lembrando, também, que ela não esteve sempre alí, nem se trata da original. Em 1947, após o exílio da realeza, tanques comunistas arrancaram o monumento de seu pedestal. Era a maneira do regime de rescrever a história, apagando das ruas o passado de seu povo. Em 2010, uma nova estátua nos moldes da antiga foi reerguida em seu local de origem.
As ruínas da cidade
Pelas ruas de Bucareste, é comum nos depararmos com casas em ruínas. De tão presentes, integram-se ao espírito da cidade atraindo certo ar de decadência a fachadas outrora bonitas, além de alguma curiosidade a respeito, afinal, por que boa parte delas está destruída? A herança comunista explica o descaso.
Na época, as propriedades privadas residenciais foram nacionalizadas, obrigando os antigos proprietários a ocuparem um ou dois cômodos do imóvel, enquanto o restante ficava à disposição do Estado que os alugava para outras pessoas. Boa parte dessas novas famílias vinham do campo, de onde tinham sido removidas para servir de mão-de-obra na cidade, fosse em fábricas recém estatizadas ou, alguns anos depois, na demolição e reconstrução da capital.
Com o fim do comunismo, foi editada uma lei permitindo que os antigos proprietários ou seus herdeiros, desde que possuidores do título, pudessem reaver o imóvel. No entanto, ao mesmo tempo, foi editada uma outra lei permitindo às famílias que pagaram aluguel ao Estado comunista, sem terem recebido qualquer outro tipo de alojamento, requererem o mesmo imóvel, gerando longas disputas judiciais sobre o tema.
Na incerteza de quem é, de fato, o dono, e do investir em um imóvel que poderá, por decisão judicial, mudar de mãos, as casas caem aos pedaços, gerando certa insegurança jurídica nos negócios.
De palácio de lazer a memorial Lenin
O Palatul Bragadiru conheceu os tempos áureos da belle époque romena, quando novos empreendedores começavam a industrializar o país recentemente unificado. Este era o caso de Dumitru Marinescu Bragadiru que, ao criar a sua próspera fábrica de cerveja, construiu, nas imediações, o Colosseum, hoje Palácio Bragadiru, com o intuito de servir como espaço recreativo para funcionários e familiares.
Em 1948, os comunistas nacionalizaram a indústria romena, não ficando de fora a Cervejaria Bragadiru. Como de costume, o nome foi trocado, no caso, para Rahova, e o Colosseum transformado em Centro Cultural Lenin.
A fábrica, seguindo o destino das empresas geridas pelo Governo, deixou de ser rentável, como o era antes da guerra, tornando-se deficitária. Passado o comunismo, o prédio da antiga cervejaria está abandonado, em razão de disputa judicial.
O urbanismo de Ceaușescu
Na década de 1980, Nicolae Ceaușescu, no poder desde 1965, inicia a reurbanização de parte do Centro antigo de Bucareste, demolindo cerca de 25% da cidade. O plano era abrir grandes avenidas, apagar o que chamava de arquitetura burguesa e construir habitações ditas funcionais para a população.
Chegado o aviso de demolição, os moradores tinham apenas 48 horas para sair do local, carregando o que podiam, enquanto deixavam para trás bens e animais de estimação. Esse abandono involuntário de animais é comumente apontado como a causa dos numerosos cachorros de rua ainda existentes em Bucareste. Assunto extremamente sério, com consequências nefastas para humanos e animais, será debatido em um próximo artigo.
Em troca, receberiam uma das unidades nos prédios a serem construídos, se chegassem a ser construídos. Em todo caso, a promessa era para o futuro. No momento da partida, ou conseguiam se acomodar na casa de parentes, onde houvesse espaço, ou entravam como locatários do Estado, na casa outrora pertencente a um terceiro.
Diz-se que, na igualdade propagada pelo comunismo, alguns eram mais iguais do que outros. Seguindo essa lógica, os primeiros prédios construídos (margeando os novos bulevares, com exterior recoberto em mármore e amplos apartamentos) eram destinados aos membros do partido. Para os demais, restavam os feiosos prédios no estilo caixão e seus apartamentos minúsculos, sempre posicionados por trás da riqueza ostentada pelos prédios mais nobres.
Essa arquitetura de ostentar e esconder pode ser facilmente observada em Unirii, nos arredores do Palácio do Parlamento. Por sinal, falaremos sobre ele, a última megalomania do ditador, na segunda parte deste artigo.
Outro alvo foram as igrejas. De maioria fervorosamente Cristã Ortodoxa, a Igreja Ortodoxa foi tolerada durante o período comunista, ao contrário das demais religiões, fortemente reprimidas. Tolerada, mas não incentivada, foram demolidas cerca de 20 igrejas. Esse número apenas não aumentou porque houve certo clamor internacional, denunciando a destruição do patrimônio arquitetônico romeno.
Interessado em manter uma boa imagem no estrangeiro e contando com a sensibilidade e conhecimento de Eugeniu Iordăchescu, Ceaușescu ordena o deslocamento de várias igrejas. Elas eram arrancadas de seus pilares e movidas para um outro local, numa engenharia de impressionar. Por coincidência, todas iam parar em meio a prédios mais altos, ou em alguma esquina perdida da cidade. Achava-se que se não as vissem, esqueceriam delas. Ledo engano.
Entre os tantos templos que mudaram de endereço, a pequenina Igreja Schitul Maicilor, em Unirii, mesmo apertada entre edificios mais altos, é prova viva da religião ter sobrevivido à política repressiva do esconde-esconde.
Estas são algumas das histórias que as ruas de Bucareste nos contam. No segunda parte, falaremos sobre a influência do regime no dia a dia da população, bem como os seus momentos finais, sempre associando os fatos às memórias ainda guardadas pela cidade.