Um dos grandes mistérios da existência humana, senão o maior, é a morte. Sendo um acontecimento definitivo e de imenso impacto é um assunto profundo e complexo que toma contornos ainda mais labirínticos quando se fala em eutanásia.
O termo eutanásia tem origem grega ( eu + thanatos) que significa boa morte ou morte sem dor. A própria origem da palavra já explica que em termos gerais eutanásia implica morrer de forma indolor e suave. Sendo assim, a eutanásia defini-se como a conduta que proporciona uma morte rápida e sem dor para pacientes em estado terminal ou que seja portador de uma doença sem cura que o coloque em sofrimento constante.
A sensibilidade e complexidade do tema faz com que o assunto seja tabu em muitos países afinal estamos falando da escolha individual pela vida apesar do sofrimento, ou o direito a escolher quando esse sofrimento torna-se tão insuportável que justifique a escolha pela morte como meio de alívio. Justamente por tocar em pontos tão sensíveis é que na década de 70 a Câmara e o Senado holandês começaram a debater o assunto, após aproximadamente 30 anos de discussões a Holanda foi o primeiro país do mundo a aprovar em abril de 2001 a lei de ajuda ao paciente para morrer (WTL – Wet Toetsing Levensbeeindiging). A ex ministra da Saúde Els Borst (já falecida) e o ex ministro da Justiça Benk Korthals foram seus principais elaboradores.
Essa Lei entrou em vigor em abril de 2002 contemplando além da eutanásia o suicídio assistido.
E qual é a diferença entre eutanásia e suicídio assistido ? Na eutanásia é o médico quem conduz o paciente a morte através de medicamentos específicos. Já o suicídio assistido consiste no auxílio para a morte de uma pessoa que pratica ela mesma o ato que conduzirá ao falecimento.
Somente o médico pode praticar a eutanásia ou auxiliar no suicídio assistido, sendo que por essa lei está isento de perseguição por parte da Justiça. Critérios legais estabelecem que a eutanásia ou suicídio assistido só poderão ser realizados quando:
- o paciente estiver com dores insuportáveis e/ ou doença incurável.
- o paciente tiver pedido voluntariamente para morrer.
- e depois que houver a opinião de um segundo médico.
Os critérios acima mencionados são aplicados de forma rigorosa, haja vista que mesmo em estado crítico e sem esperanças de cura se o paciente quiser morrer naturalmente, ou seja, não optar pela eutanásia ou morte assistida, sua escolha será respeitada, mesmo que haja pressão por parte da família.
O paciente deve estar em plena consciência de suas faculdades mentais e ter um entendimento claro de sua doença, situação, perspectivas e consequências de sua decisão. O pedido deve ser feito de forma voluntária e será cuidadosamente analisado, por isso a obrigatoriedade de ouvir a opinião de um segundo médico.
A lei não exige que o pedido seja registrado por escrito pelo paciente, uma solicitação verbal ao médico é suficiente. Muitos doentes já sabendo que o quadro de sua enfermidade pode evoluir para uma situação na qual fique incapacitado de fazer o pedido verbal deixam então uma diretriz por escrito deixando clara a sua vontade. O pedido escrito também deve ser feito com o paciente em pleno poder de suas faculdades mentais.
A partir dos 12 anos de idade pode-se fazer um pedido de eutanásia ou morte assistida ao médico. A lei distingue duas categorias de idade para menores de 18 anos:
- dos 12 ao 16 anos: mesmo a criança/ adolescente deixando clara sua vontade de falecer é necessário que haja o consentimento dos pais ou do(s) responsável.
- dos 16 aos 17 anos : o adolescente pode fazer o pedido de forma independente, mas os pais ou responsáveis precisam estar envolvidos no processo de decisão.
A lei não contempla pedidos de menores de 12 apesar de esta possibilidade já estar em discussão.
No que diz respeito ao médico que pratica eutanásia e/ou suicídio assistido há também um controle rígido sobre os procedimentos por ele realizados, que incluem desde um relatório detalhado até exame pós morte no paciente feito por outro colega que irá verificar se as informações anotadas vão ao encontro do resultado do exame realizado no corpo após a morte.
É importante deixar claro que o médico pode se recusar a praticar eutanásia e a morte assistida, quando isso acontece o paciente é encaminhado a outro profissional.
De acordo com os dados da Royal Dutch Medical Association morrem a cada ano na Holanda cerca de 140 mil pessoas, desse número por volta de 2.400 a morte ocorre por eutanásia e o procedimento é na maioria dos casos realizado em casa. Mais de 80% dos casos são de pessoas com algum tipo de câncer incurável, a porcentagem restante divide-se entre doenças neurológicas e do coração.
De acordo com diversas pesquisas de opinião 75% dos holandeses é a favor da eutanásia, 10% contra e 15% tem dúvidas. De uma forma geral os holandeses, segundo minha percepção lidam de modo mais sereno com questões como doenças e morte, talvez seja daí que advenha este resultado.
Isso não quer dizer que a opção pela eutanásia ou morte assistida não impacte de forma profunda e marcante tanto o paciente, como sua família e o médico.
De acordo com uma pesquisa feita por diversas organizações médicas e veiculada em janeiro de 2015 pela agência de notícias ANP, dos 455 profissionais entrevistados, metade já realizou eutanásia e ou suicídio (morte) assistido(a) e desses 90% afirmam que a carga emocional envolvida é enorme. Tanto por terem acompanhado os pacientes e seus familiares ( muitas vezes durante anos) e saberem de seus medos e esperanças como também pela tensão e inevitável comoção que antecedem o procedimento e o procedimento em si mesmo.
A carga administrativa também é bastante grande e agrava o stress sofrido pelo médico.
Se para o profissional da saúde envolvido a tensão emocional é intensa, podemos então imaginar como não será para a família do paciente e para o paciente em si mesmo.
Acredito que uma pessoa que opte pela eutanásia ou morte assistida tenha feito uma reflexão muito profunda mas também bastante solitária. Para decisão de tal magnitude não cabe opinião alheia e acredito que o caminho para dentro de si mesmo não é fácil. Rever valores, filosofias, crenças, lembrar de tudo que foi vivido, de pessoas queridas, de bons e de maus momentos, acho que tudo isso talvez faça parte deste processo de decisão. E só cabe a ela, em profunda comunhão com si mesma, a palavra final isenta de qualquer tipo de julgamento por parte de terceiros.
https://www.youtube.com/watch?v=YOJiYy1jgRE
Maiores informações sobre eutanásia na Holanda ver aqui.
Nome de filmes que abordam o tema podem ser encontrados aqui.
Nota da autora: O texto tem o objetivo apenas de informar como o procedimento ocorre nos Países Baixos e de forma alguma se posicionar contra ou a favor .
6 Comments
Muito bom o texto é muito informativo.
Obrigada Lourdes. Abs
Cintia, você sabe se estrangeiros podem ir pra Holanda pra recorrer à eutanásia?
Olá Letícia,
Obrigada por ler e comentar. Não, estrangeiros não podem vir para a Holanda para recorrer á eutanásia. De acordo com a Lei , é obrigatório que haja uma relação médico – paciente , ou seja, o médico tem que ter acompanhado todo o processo de doença até se chegar ao limite máximo que é o paciente solicitar a eutanásia. Precisa exisitir confiança e conhecimento por parte de ambos.
Abs
Olá, sabe informar se a Eutanásia é permitida no caso de doenças psicológicas como a depresão, em caso de indivíduos que perdem a vontade de viver? E se um estrangeiro for pra lá e fazer um acompanhamento com um médico de lá, nesse caso é permitido?
Não,depressão não entra neste quesito. Pois, há tratamentos.