Depois de passar muitos réveillons na praia e presenciando todos os rituais de beira-mar, ao vir morar na Espanha as coisas mudaram um pouco. As festas de final de ano são bem diferentes em outros países, como narramos em outros textos.
Entendo o sentido desta época do ano, além do religioso, como um momento de reflexão como aqueles dias que devemos ficar em silêncio e tentar nos entender mais e compreender que tudo o que nos aconteceu no ano nos serviu para evoluirmos, para crescermos como pessoas e seres humanos.
Independentemente da religião de cada um, respiramos a espiritualidade durante estes últimos dias mágicos do ano. E a Espanha também tem seus rituais.
Algo que me fascina neste país é a história e a cultura vivas e presentes em quaisquer lugares por onde passamos. Mas uma espiritualidade forte, podemos encontrar na Galícia, uma região que está ao norte do país e que faz fronteira com Portugal e França.
Acredito que todos devem ter ouvido falar sobre o Caminho de Santiago de Compostela, a antiga rota dos celtas. Há muitos livros escritos sobre este roteiro, tanto de turismo como de reflexões. Inclusive nosso grande autor, Paulo Coelho, dedicou uma obra inteira (Diário de um Mago) sobre o percurso. O Caminho de Santiago de Compostela é somente o meio para que possamos entrar em contato com nosso interior. O que realmente nos transforma durante o trajeto é o encontro com outras pessoas.
Da mesma maneira que os celtas deixaram o Caminho de Santiago como um legado por aqui, também deixaram algumas tradições, como a queimada. Hoje vou explicar-lhes qual é o sentido da preparação e do compartilhamento deste elixir.
A queimada é uma bebida alcoólica feita de aguardente e alguns produtos naturais, como cascas de limão ou laranja e grãos de café inteiros. É preciso ter as panelas adequadas porque da mesma maneira que os grandes chefs de cozinha flambam algumas delícias, também é necessário prender fogo para fazê-la. As panelas utilizadas são de barro, bem como os instrumentos e copos para servir a bebida.
O fogo deve iniciar-se na concha e posteriormente passar-se à panela. No início, o fogo se vê vermelho e amarelo. Depois de alguns minutos ele se torna azul.
O cozinheiro deve estar sempre mexendo a bebida na panela, levantando a concha cheia de líquido e devolvendo-o a panela, de maneira que se forme um fio. Este movimento deve ser repetido várias vezes. O ponto da bebida se dá quando o fogo azul sobe pelo fio e chega a concha, nas mãos do cozinheiro.
Neste momento, os galegos costumam ler uma oração no seu idioma nativo, para a preparação da bebida. Segundo a tradição, esta bebida purifica nossa alma. O processo espiritual envolvido na preparação da queimada está em invocar os espíritos maus para que o fogo os queime e os afaste e, posteriormente, invocar os espíritos bons e que permaneçam entre nós. Uma vez realizada a oração e finalizado o processo da queima, a bebida é dividida entre todos os assistentes. Ao contrário do que todos pensam, a temperatura que se serve a bebida é agradável. Por outro lado, o sabor é bastante suave. E os ingredientes naturais complementam um aroma sem igual.
Os galegos não acreditam que o final da vida é a morte; para eles, as pessoas queridas que partem permanecem em forma de espírito entre eles.
Como conclusão, acredito que a espiritualidade na Espanha é tratada de maneira diferente nas regiões do país. No tempo em que morei em Valência, percebi que a espiritualidade estava mais direcionada ao esoterismo.
Os valencianos se sentem atraídos por tarôs, velas aromáticas e banhos de ervas. Os motivos que os levam a buscar ou praticar estes hábitos é ter a possibilidade de prever o futuro ou ser aconselhado sobre o melhor caminho a seguir na hora de procurar a sua metade, melhorar a situação financeira ou encontrar um bom trabalho.
Outras práticas que também estavam estreitamente relacionadas a este tipo de espiritualidade que conheci em Valência são as terapias alternativas. Os adeptos desta linha espiritual também tinham conhecimentos em Reiki, reflexologia, quiromassagem, cromoterapia, entre outras.
Na Galícia, talvez esteja mais enfocada nos rituais ancestrais. Ao presenciar a queimada poucos dias antes de terminar o ano, posso dizer que senti uma espiritualidade similar à que via anualmente no litoral durante a passagem do ano. Entretanto, foi algo mais místico, como se tivesse sido um feitiço.
Em Madri, por ser uma metrópole, cabem todas elas. Não precisei sair da cidade para participar e provar uma queimada. Também não é necessário sair da cidade para encontrar bons tarólogos. Existem até alguns canais de TV com profissionais da área que permitem a participação do espectador ao vivo, e centros reconhecidos de medicina alternativa que oferecem sessões de Reiki ou reflexologia aos clientes.