É hora de desmistificar de onde vem a soberania da Suíça. Nada vem de graça e muito menos por acaso para os suíços. Existe muito trabalho e educação neste país onde a qualidade de vida é uma das mais altas do planeta.
Testemunho diariamente fatos que me fazem repensar valores e que me obrigam a tirar o chapéu para este povo. Conto aqui três chacoalhões que recebi.
O Túnel Gottardo
Dia 1º de junho, com o peito inflado de orgulho, os suíços inauguraram o maior túnel ferroviário do mundo. 57 km de extensão. Uma obra faraônica. Túnel profundo, coberto em alguns trechos por até 2.300 metros de rochas.
O que nem todos sabem é que a história deste túnel começou há 24 anos, na votação de sua construção. Naquela época, os cidadãos suíços pensaram longe e se transportaram para o futuro. Imaginou-se o desenvolvimento das regiões, o aumento do número de passageiros e cargas transitando, a questão ecológica, o trânsito. Se ficassem de braços cruzados, continuariam preocupados, como muitos países ainda estão.
Sete anos após a aprovação, as obras finalmente começaram. Sim, muito planejamento acontece antes de se gastar dinheiro público.
Dez anos atrás, as obras foram temporariamente suspensas. Os números se distanciavam dos valores planejados. Sim, compromisso é fundamental. Ninguém aqui tem carta branca para fazer o que bem entende. A população cobra resultados. Colocaram as coisas nos eixos e as obras foram retomadas.
O túnel foi entregue um ano antes do prazo. Pagaram caro, 12,2 bilhões de Francos Suíços, mas o receberam dentro dos custos estimados e com qualidade e precisão. Tecnologia de ponta. Execução exemplar!
O túnel estrategicamente ligou o Norte e o Sul da Europa. Além de inúmeras cargas, hoje transportará, diariamente, 9.000 pessoas e o dobro, em 2025.
É difícil imaginar a Suíça em 2025 sem este túnel. Parece surreal pensar em congestionamentos enormes, poluição nos Alpes, restrições de empregos para os habitantes do Ticino. Realidade é que tudo poderia descambar se não tivessem dado os primeiros passos 35 anos atrás. Em 2025 as pessoas se beneficiarão da visão e da coragem dos contribuintes de 1990. É, porque aqui nada vem de graça.
Catação e faxina
Outro exemplo de planejamento aconteceu outro dia, quando eu trabalhava no computador e escutei uma barulheira diferente. Como moro no limite da área urbana e rural, aquela movimentação não usual despertou minha curiosidade. Fui para a janela, claro!
Bisbilhotando, vi umas vinte crianças de, mais ou menos, 8 anos soltas na rua, caminhando e conversando animadamente. Com mais atenção notei que cada uma carregava um saco plástico e todas usavam um boné verde. Um adulto acompanhava aquele grupo mirim.
Como existe uma escola aqui perto, imaginei que estivessem em alguma aula de ciências, catando insetos pelos jardins. Observando melhor vi que nos sacos plásticos tinham pequenos lixos, não insetos.
Soube depois que, uma vez por ano, os alunos das escolas do cantão de Vaud vão para as ruas recolher lixo: bitucas de cigarro, pedaços de plásticos, papéis, embalagens. Todas as idades vão, da criancinha inocente até o adolescente descolado. Não tem choro nem vela.
Minha primeira reação foi: “Mas a Suíça já é tão limpa, é quase esterilizada”. É claro que é. E é limpa assim exatamente pelo fato de educarem as crianças desta maneira. Duvido que depois de recolher lixos pelas ruas com sol em suas cabeças, estes pequenos não pensarão duas vezes antes de jogar qualquer coisa no chão.
E mais, aqui não tem espaço para mãe e pai acharem um absurdo seus pequenos príncipes catarem lixo. Pelo contrário. As crianças aprendem desde cedo que são responsáveis pela limpeza de seu país e que não existe trabalho ruim ou bom. Todos são importantes e necessários. Bravo!
Agora, quando vejo as ruas praticamente brilhando na Suíça, sei que não é a toa. Existe muita educação, planejamento e comprometimento para que as coisas funcionem por aqui.
Meu cachorro
Eu e Meu Suíço estávamos há tempos discutindo ter um cachorro ou não. Eu, favorável, argumentava sobre os benefícios que um animal traria à nossa vida. Ele, mais reticente, sugeria aguardar alguns anos, pela dedicação e responsabilidade envolvida.
No meu aniversário, em fevereiro, fui surpreendida com um vale cão. A carta branca que faltava para concretizar o nosso plano.
Me informei então sobre o que precisávamos fazer para comprar o nosso cãozinho. Imaginava escolher um canil e pronto. Mero engano!
Para ter o direito de ter um cachorro, o cidadão suíço do cantão de Vaud deve, antes de mais nada, frequentar um curso teórico de 4 a 6 horas. “Tá brincando. Sempre tive cachorros em São Paulo!”, reagi. Indignada fui a prefeitura e lá me pediram a prova de que já tive cachorros. Sugeri fotos. Neca. Passaporte ou um certificado oficial de veterinário brasileiro. Desisti.
Marquei o curso, onde aprendi milhões de coisas que não sabia. As raças e suas características e necessidades. As responsabilidades, obrigações, custos e privações. Pensei até que era proposital para desistirmos do cão. Não. Entendi que para os Suíços é importante ter uma análise do cenário completo. As coisas não são emocionais ou impulsivas. Precisam de fatos e informações para decidir. Uma vez dentro, não existe maior comprometimento no mundo!
Estudei diferentes raças. Almoçamos com dois casais para confirmar as experiências com a raça que escolhemos. Nos indicaram a melhor criadora da região. Fomos conhecê-la e, durante o processo, entendi que quem era entrevistado éramos nós, pois ela não entregaria seus filhotes a qualquer um.
Passamos no teste. Fomos aceitos pela criadora. A cadela teve o cachorrinho agora em agosto, mas só poderemos tê-lo depois de nove semanas, tempo para que o filhote seja desmamado sem traumas.
Depois de receber o filhote, teremos que levá-lo ao veterinário oficial do cantão, junto com nosso certificado de curso teórico, a comprovação das vacinas e o certificado recebido do criador. Sim, aqui tudo é fiscalizado para que animais não sejam judiados. Nosso filhote receberá um chip. Seremos responsáveis por ele. Pagaremos impostos anuais para que nas esquinas tenhamos sacos de lixo disponíveis para coletar cocô. Justo, quem não tem cachorro não paga pelos sacos. No prazo máximo de um ano teremos que fazer o curso prático, obrigatório, que atestará que sabemos cuidar dele e que ele atende às nossas ordens. Segurança para os outros, claro!
Exagero? Acho que não. Aqui nas calçadas não encontramos fezes de animais, os cães atendem a comandos, não avançam nas pessoas pelas ruas e nem são abandonados por donos irresponsáveis ou arrependidos. De novo, educação e planejamento.
Vou receber meu presente de aniversário sete meses atrasado, com gostinho de presente mais esperado do mundo!
E a vida na Suíça é assim. As coisas são pensadas e estruturadas antes de serem executadas. O que existe é seriedade na organização e no planejamento das escolhas.
Diferente do que se imagina, este povo não tem regalias que simplesmente caem do céu. E é verdade, em muitos dias por aqui o céu é intensamente azul.
22 Comments
Maravilhosa descrição da vida como ela é na Minha Querida Suíça! Amei! Parabéns pelo texto
Obrigada Ligia,
A “Nossa Suíça” continua aqui, linda, organizada e deliciosa, com os braços abertos te esperando!
Beijo
MINA SUISSE E LINDA , PERFEITA E INPERFEITA COMO MEU BRASIL GOSTO DOS DOIS . JA AQUIA 33 ANOS TRABALLO MUITO TRABALLO E AQUI FICAREI ATE MIM APOSENTAR . SE DEUS ME PERMITIR . AI IREI VIVER NO MEU BRASIL .
Olá Cristina,
Obrigada pelo seu comentário.
É isso ai, não existe melhor nem pior, Brasil e Suíça são simplesmente diferentes em vários aspectos. Muito bom que você sabe apreciar e pode desfrutar dos dois.
Abraço,
Teca
Texto excelente e verdadeiro em todos os pontos. Aqui é assim mesmo! Só o dia de catar o lixo é que não é obrigatório nas escolas do cantão de Zurique. Mas tem iniciativas privadas que fazem isso. É nada vem do nada… Só gostaria de ter mais dias de céu azul!! Aí sim seria perfeito!!!
Olá Anne,
Já pensou a Suíça de céu azul todos os dias? Ai seria demais…
Obrigada pelo seu comentário. Vamos torcer para que o dia lindo que está fazendo hoje permaneça!
Abraço, Teca
Linda a sua reportagem.
Obrigada Lucinete,
E sempre muito gratificante receber comentarios como o seu.
Abraço, Teca
A única coisa que ofusca um pouco o brilho de país realmente maravilhoso e organizado é o fato de receberem de braços abertos dinheiro do mundo inteiro, e grande parte do “meu” Brasil; dinheiro sujo, de pessoas e empresas corruptas q atrapalham e entravam o desenvolvimento desse pais. Suíça é realmente um paraíso, mas
nao precisava ser um paraíso fiscal.
Bom dia Marta,
É verdade, a Suíça foi por muitos anos considerada um paraíso fiscal guardando muito dinheiro não declarado. O que talvez você não saiba é que a Suíça tem feito acordos bilaterais com diversos paises para acabar com isso. Com alguns países acordos já estão em vigor e funcionando super bem.
No nosso caso, o “nosso” Brasil, foi assinado um acordo em Novembro de 2015 onde Brasil e Suíça se comprometem a trocar informações sobre dinheiro depositado nos dois países http://www.brasil.gov.br/governo/2015/11/brasil-e-suica-firmam-acordo-para-combater-evasao-e-sonegacao
O acordo, em linha com o que escrevi neste artigo, tem fases para implementação, o que viabiliza uma transição e preparo dos dois lados. De novo, organização para que as coisas ocorram bem.
Em resumo, a partir de 2018 qualquer dinheiro de brasileiros depositado por aqui será informado às autoridades brasileiras. Espera-se que a transparência acabe com o dinheiro ilegal.
Com esta determinação o brilho da Suíça será ainda maior!
Abraço, Teca
Linda a minha Suíça. Amo e cuido dela tbem.e tudo isso mesmo. Agradeço todos os dias o meu suíço lindo pela chance que me deu de viver num paraíso.
Wera lucia Engeli
Walzenhausen AR
Olá Wera,
Sempre bom saber que tem outra brasileira também feliz curtindo muito este país.
Abraço, Teca
Ola Teca!Otima materia!Alguns paises exigem cursos antes de poder ter um animal de estimaçao para evitar abandono e negligencia.Uma grande pena voce(s) comprarem um cachorro e nao adotarem.Adoption is the first option,always! Veronica
Olá Veronica,
Obrigada pelo seu comentário.
Como escrevi, os cursos teóricos e práticos para cachorros também são obrigatórios por aqui. O fato dos cachorros terem um chip faz com que seus donos sejam identificados, evitando abandono e negligencia. Existe uma polícia específica para fiscalizar os cachorros nas ruas.
Penso que adotar um cachorro, ou mesmo uma criança, é bastante nobre. Bravo para quem o faz.
Acredito também que não existe certo nem errado na decisão de comprar um filhote por querer ter uma experiência completa com seu animalzinho. São opções pessoais que devem ser sempre respeitadas, independentemente de que lado você está.
Abraço para você,
Teca
Gostei. Poderia escrever, escrever e escrever mas vou deixar tudo com a primeira palavra. Seu texto foi gostoso de ler, leve, positivo. Obrigada e muito boa sorte com seu cãozinho. Que seja bem vindo e traga consigo companheirismo, risadas, conforto, amizade. Tudo de bom para você, seu parceiro e seu quatro-patinhas!
Olá Cecília,
Muito obrigada! É muito gratificante receber um comentário como o seu.
Boa sorte para você também, e uma excelente semana!
Abraço,
Teca
Olá Teca,
Amei o artigo. Sou uma pessoa extremamente organizada e tudo que faço é planejado. A Suiça foi feita para mim, pois adoro esse tipo de organização e precisão, mas infelizmente moro no Brasil, desorganização total
Sobre o cães aqui no meu bairro ao amanhecer temos que desviar dos cocôs nas calçadas e o cheiro de xixi é insuportável, os culpados são os humanos, o cachorro é um animal.
Vou ser uma leitora assídua de seus artigos sobre a Suiça, país que conheço, através de amigos que o visitaram, mas acho maravilhoso,
Grande Abraço,
Wilma
Olá Wilma,
Obrigada pelo seu comentário.
Fico feliz que tenha gostado do texto e ainda mais feliz em saber que você acompanhará minhas aventuras suíças.
Bem vinda! Fique muito a vontade para explorar o site Brasileiras Pelo Mundo e também meu site pessoal, Minha Suíça.
Abraço para você,
Teca
Boa noite, Teca
Sei que não tem muito a ver com o assunto desse post, mas tenho uma dúvida e me senti a vontade em escrever. Será que você pode me ajudar?
Vou me casar (com um brasileiro também) ano que vem, e ele, meu noivo está concorrendo a uma bolsa pra fazer parte do doutorado dele na Suíça (2017-2018). Gostaria de saber se há algum tipo de permissão pra eu morar com ele durante esse ano na Suíça, por sermos marido e mulher, apesar de ambos brasileiros (algum tipo de visto).
Obrigada
Mariana
Ola Mariana, bom dia.
Fico feliz que tenha se sentido a vontade para escrever.
Acredito que já nos falamos através do meu site http://www.minhasuica.com mas acho que seu questionamento aqui no BPM pode ajudar também outras pessoas, então, vamos lá: eu não sei de todos os detalhes da legislação sobre vistos mas já soube de casos onde o marido veio e a esposa veio legalmente como acompanhante. As regras as vezes mudam de cantão para cantão e para precisar é importante saber o tipo de visto que seu futuro marido terá além de onde vocês viverão (em Bern, estou certa?). O que as autoridades suíças ligam mesmo é saber que vocês têm como se manter financeiramente durante o período que estiverem aqui, pois querem evitar custos sociais. Se a bolsa do seu futuro marido for suficiente para manter vocês dois, acredito que não terão problemas.
Sugiro uma ligação para o consulado da Suíça. Eles são super receptivos e me ajudaram muito quando vim para cá. Explique para eles a situação e certamente você será instruída da melhor maneira.
Abraço,
Teca
Belo país, e um modo correto de ser, uma pena que tenham as mãos manchadas de sangue, pois a Suíça durante muito tempo foi esconderijo do dinheiro proveniente das guerras e corrupção.
Olá Liz,
É verdade, a Suíça é um belo país e foi por muito tempo considerada paraíso fiscal para dinheiro ilegal e de fonte duvidosa.
A boa notícia é que a Suíça tem trabalhado ativamente para acabar com isso e reverter essa situação. Foram assinados acordos bilateriais com diversos países, incluíndo com o Brasil, para que a troca de informações fiscais seja uma prática. Muitos destes acordos já foram implementados e o dinheiro considerado “ilegal” tem sido identificado, denunciado e taxado.
Já está em prática a colaboração direta das autoridades suíças em investigações de casos de fraude e corrupção – sabemos disto diariamente pelas notícias da Lava Jato – e sigilos bancários têm sido constantemente quebrados.
Além, hoje abrir uma conta em um banco suíço não é mais simples como já foi no passado, reflexo do esforço que tem sido feito para limpar esta página sombria.
Também foram definidos calendários e critérios para que exista uma transição segura para a adequação dos bancos e clientes, o que novamente mostra organização e compromisso.
Torço para que logo logo essa fama seja revertida e que a Suíça seja admirada somente por suas boas coisas.
Abraço, Teca