O aborto na Suécia foi legalizado em 1975.
O ano era 2014. 26 de setembro. Rio de Janeiro. Neste dia, mais uma brasileira entrou para as estatísticas de mulheres mortas em decorrência de um aborto clandestino. A vítima foi Jandira Magdalena dos Santos, 23 anos, que grávida e sem condições para manter o bebê resolveu recorrer a uma clínica clandestina para interromper sua gravidez. Pagou 5 mil reais e saiu de lá morta. O corpo de Jandira apareceria dias depois queimado dentro de um carro.
O ano era 2015. 1 de janeiro. Suécia. Neste dia, o país comemorou 40 anos da aprovação da lei do direito de aborto. Sim, 40 anos. 40 anos que as mulheres não mais necessitam se sujeitarem às clínicas clandestinas ou a charlatões, colocando suas vidas em risco num momento onde a mulher está mais sensível do que nunca.
Segundo uma matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em dezembro de 2016, a cada dois dias morre uma mulher brasileira em decorrência de um aborto clandestino. Me assustei quando li que a cifra é assim tão alta. E me desanimei ao perceber que os anos passam e uma lei para o regulamento do aborto no Brasil ainda parece uma utopia.
No mês passado, passeando com minha filha pelo Museu da Tecnologia em Estocolmo me deparei com uma exposição interessante. A exposição se chamava “A história da luta pelo direito de abortar” e mostrava cronologicamente, passo a passo, a batalha política e ideológica que as mulheres suecas travaram desde o século 19 para que a lei que permite o aborto fosse aprovada. Parei para ver a exposição, e cada frase que lia me reportava de volta ao Brasil e à situação das mulheres brasileiras em pleno século 21: uma situação bem diferente da vivida pelas mulheres suecas.
Quero, portanto, dividir com vocês um pouco desta história, com o intuito de mostrar que mudanças são possíveis.
Em 1734 a Suécia adotou a pena de morte para mulheres que fizessem aborto. Esta lei perdurou até meados de 1800, quando a sentença de morte foi substituída por serviços prestados à comunidade durante um período de 2-6 anos. As mulheres começaram a protestar contra a punição através de trabalho forçado e em 1891 uma nova lei foi aprovada. Com ela, a punição foi reduzida para 1 ano. A nova lei não foi aceita pelas mulheres suecas, que intensificaram os protestos para a redução da punição.
Em 1921 o castigo foi diminuído de um ano para seis meses e o trabalho forçado, substituído por multa. Resultado da punição naquela época é a mesma da que se vê hoje no Brasil. Mulheres apelavam para o aborto ilegal. Estima-se que em 1935 cerca de 20 mil mulheres suecas recorreram ao aborto ilegal. Em 1934, o ginecologista Ivar Olsson foi levado aos tribunais suecos acusado de ajudar 160 suecas a fazerem aborto. O julgamento do então médico criou debate na sociedade, que a partir de então começou a se mobilizar em massa para que o direito de aborto fosse dado às mulheres suecas. Profissionais de saúde se juntaram aos protestos, o que acelerou a legalização do aborto.
O aborto foi legalizado na Suécia em 1938, mas com algumas restrições. Ele só era concedido em três casos: 1 – gravidez causada por estupro; 2- se a mulher tivesse uma doença genética; 3 – se a mulher fosse portadora de uma doença terminal. Caso contrário, a mulher ainda pagava multas caso optasse por abortar. As mulheres suecas, conscientes de suas necessidades, não se deram por satisfeitas e continuaram a pressionar a sociedade. Em 1948, uma alteração na lei do aborto fez com que as restrições para a sua liberação fossem diminuídas. Toda mulher que psicologicamente e fisiologicamente não conseguisse levar a gravidez adiante ganharia o direito a abortar. Mesmo assim, no final dos anos 40 o número de abortos ilegais na Suécia ainda chegava a 20 mil por ano.
Em 1955, a legalização do aborto chegou na Polônia. Isto fez com que as mulheres suecas começassem a procurar ajuda em terras polonesas, aumentando assim o risco de saúde. Com a legalização do aborto em outros países europeus a sociedade continuou a pressionar ainda mais seus representantes políticos e em meados dos anos 60 o debate em torno do aborto já não era somente uma questão de saúde pública e sim, uma questão de liberdade de escolha da mulher, que aos olhos da sociedade tinha o direito de decidir sobre seu próprio corpo.
O debate sobre o direito de “decidir sobre seu próprio corpo” acelerou no início dos anos 70, e em 1974 a Suécia aprovou a legalização do aborto sem restrições para todas as mulheres que estivessem grávidas até a semana 18. A lei entrou em vigor no dia 1° de janeiro de 1975 e é vigente até o dia de hoje.
Nos anos que se seguiram, alguns partidos políticos tentaram alterar ou até mesmo derrubar a lei do aborto, mas sem nenhum sucesso. Isto porque a sociedade como um todo se coloca a favor dos direitos da mulheres.
Nos dias atuais, a sociedade sueca tenta contribuir para a legalização do aborto em outros países, isto porque mulheres em todo o mundo continuam morrendo diariamente por não terem o direito de decidir sobre o próprio corpo. É estimado que cerca de 70 mil mulheres morram diariamente ao redor do mundo por causa de um aborto ilegal.
Quando saí da exposição não conseguia parar de pensar nas muitas mulheres brasileiras que, diferentes das suecas, não podem decidir sobre o próprio corpo e têm como a única escolha uma opção de risco que muitas vezes as leva à morte.
Olhando para a exposição cheguei à conclusão de que o debate sobre o aborto no Brasil parou no tempo. Como se estivéssemos nos anos de 1930, ou na idade média. Sim, porque a mulher brasileira não é condenada somente pela lei, mas sim pela boa moral e bons costumes. Este tipo de punição dói tanto quanto a lei severa, que se enfrenta ainda hoje.
O ano é 2018. Janeiro. Estocolmo. Escrevendo este artigo e pesquisando sobre o aborto no Brasil, achei dados que indicam que a previsão para 2018 é que a cada dia morra uma mulher em consequência do aborto ilegal no país. Estou aqui refletindo que estas tantas mulheres gostariam de dizer sim à própria vida, mas diferentes das suecas receberam um “não” da sociedade e desapareceram sem poderem se juntar à luta pelo direito de decidir sobre o seu próprio corpo.
Minhas colegas de BPM já escreveram mais sobre o aborto. Interessados em outros artigos sobre aborto pelo mundo cliquem: Itália, Portugal, Polônia e Canadá.
3 Comments
Excelente texto, Verônica!
Mas caramba, estimativa de 70 mil mortes por dia por aborto ilegal? Inacreditável.
Obrigada pelo feedback. realmente inacreditavel. mas é a realidade. um abraco !
Uma pergunta: Como esses números de, morte por aborto ilegal, são adquiridos se os abortos são ilegais.
O texto traz muita referencia histórica( Precisa-se averiguar o contexto desses dados) sobre a Suécia.Mas não tratou o feto morto como a execução de uma pessoa .Ou seja, se 70 mil mulheres morriam, de fato morriam 140 mil seres humanos.
O aborto é assassinato, a Suécia autoriza(ou obriga) o médico a executar um ser humano em formação em função da decisão da mãe. O grande problema é esse: Ninguém vê da perspectiva de que em função de 9 meses de gestação, sacrifica-se uma vida que teria uma expectativa de 80 anos. A mulher não é obrigada a cuidar do filho, ela só precisa passar pela gestação por 9 meses(ou menos).
É mais facil matar quando tratamos o outro como objeto, os nazistas tratavam os judeus como uma subespécie para facilitar o assassinato. Os apoiadores do aborto não tratam o feto ou embrião como ser humano para facilitar a narrativa de assassinato. Assim como os nazistas não percebiam as atrocidades que faziam, em função de uma narrativa rasa, os abortistas também não percebem que estão facilitando o aborto.Essas mulheres, as que abortam, tem que ser presas!O castigo serve de exemplo para inibir o crime, é assim com o assassinato e também seria assim com o aborto.Se a mulher morre tentando matar alguém, paciência. Todo ASSASSINO também corre o risco de morrer.
–Enquanto a ciência não conseguir meios de dar seguimento a gestação, fora do útero materno, eu serei contra o aborto porque é assassinato.