A vida de expatriada me trouxe uma depressão horrível, mas não troco esta vida por nada!
Quando larguei minha carreira para acompanhar meu marido em nossa primeira expatriação, achei que passaria a ser a mulher mais feliz do mundo. Poderia curtir minha casa e minhas filhas, sem nenhuma culpa, e aproveitar meu tempo livre para fazer tudo o que sempre sonhei e só não conseguia porque trabalhava muito.
Tudo mentira! Entrei em uma depressão horrorosa e descobri que trabalhar era vital para mim e que eu odiava cuidar da casa e das crianças.
Demorei muito para conseguir mudar o ritmo, encontrar um novo compasso e principalmente aceitar meus defeitos. Defeitos que nem eu sabia que tinha, pois estavam totalmente camuflados pelo fato incontestável de ter uma carreira de sucesso, um ótimo salário e, principalmente, trabalhar muito.
Tive que aceitar que eu não faço ginástica porque sou preguiçosa. Minha casa é uma bagunça não por falta de tempo, mas por falta de vontade mesmo. Eu não cozinho porque ODEIO cozinhar. Não sento pra brincar de Polly com as meninas pois acho uma chatice e não ajudo com a lição de matemática porque não lembro nem o que é equação de segundo grau!
Sim! Descobri que sem meu trabalho, sem a correria, sem a falta de tempo, sem as viagens para o exterior, sem reuniões até tarde, sem apresentações atrasadas, sem levar trabalho pra casa e sem um chefe enchendo meu saco, eu era péssima mãe, péssima dona de casa e péssima esposa!
No primeiro mês como expatriada, fui da perfeição de executiva de multinacional com a casa perfeita, 3 filhas bem educadas e felizes e um marido companheiro, apaixonado e cheio de admiração por mim diretamente para o posto de pior mulher do mundo!
Sofri, chorei, me odiei, mas nunca desisti de fazer a coisa funcionar e nunca tirei a responsabilidade de ser feliz das minhas próprias mãos. Poucas pessoas tinham a oportunidade que eu tive e eu só conseguia achar tudo difícil, complicado, cansativo e sem graça.
Sentia falta do stress, da pressão, do reconhecimento, dos desafios, de ter meu dinheiro, minha rotina, minha vida.
Quando deixei de trabalhar, perdi minha identidade e não conseguia me identificar com a mulher que eu mesma me cobrava ser. Uma das qualidades da qual eu mais me orgulhava era minha capacidade de fazer dez coisas ao mesmo tempo e mil coisas por dia. Tinha orgulho de constatar ao final do dia que levei as meninas na escola, participei de uma reunião importantíssima, saí correndo na hora do almoço, fiz supermercado e ainda deu tempo de passar na natação pra dar um tchauzinho pra caçula através do vidro da academia.
Não almocei, mas fiz uma apresentação maravilhosa para o presidente da empresa em inglês e depois a mesma em espanhol para o cara da América Latina. No caminho de volta, parei na manicure e ainda lembrei de comprar o livro que a mais velha precisava para o dia seguinte. Cheguei em casa feliz ao ver que as flores que eu encomendei pela internet tinham sido entregues e que minha casa estava linda. Deu tempo de colocar as 3 na cama, com historinha de ninar e tudo, e ainda tive disposição para uma noite de sexo intenso. Só
não deu pra ficar acordada a noite toda pois no dia seguinte tinha reunião na escola da filha do meio, antes de ir pro trabalho.
Este era meu superpoder! Ficar sem trabalhar foi como ter uma kryptonita gigante
pendurada no meu pescoço. Até que uma amiga me disse uma coisa que mudou minha vida: Você continua sendo a mesma mulher maravilhosa, só precisa respirar no novo ritmo. Uma coisa por dia. Este é o segredo!
Demorei a entender, mas esta foi a revelação mais marcante da minha vida de expatriada. Temos que entrar no ritmo, em outro ritmo. Uma coisa por dia foi o que me tirou da depressão. Quase como o “um dia de cada vez” dos alcoólatras.
Assumir um compromisso impossível de cumprir é o que te deixa decepcionada com você mesma. Colocar metas inatingíveis, exigir de você mesma ser alguém que você não é, te deixará desiludida e deprimida. Portanto, comece com o compromisso de uma coisa por dia, e nada mais. Assim não haverá frustrações.
Um dia, supermercado, um dia fazer exercício, um dia arrumar as gavetas, um dia limpar os banheiros e você vai ver que tarefa feita, ainda que simples, é motivo de orgulho. E não há problema nenhum em tirar um dia para dormir até tarde, tomar um longo café com as amigas, ir ao cinema ao meio dia… Aproveite o que a vida sem visto de trabalho te oferece!
Acho que, no fundo, muitas de nós carregam um preconceito inconsciente sobre o trabalho doméstico. Eu tinha e assumo que ainda tenho. Para mim, ser dona de casa é humilhante e, cada vez que tenho que preencher um formulário, sofro muito com a resposta do item “ocupação”. Obviamente, por isso mesmo minha depressão foi tão profunda: tudo que eu tinha que ser era “dona de casa” e, inacreditavelmente, estava falhando brutalmente nesta profissão que para mim era ridícula e desprezível!
Como toda pessoa deprimida, neguei minha condição até a situação ficar insustentável. Um dia meu marido chegou do trabalho e eu me dei conta de que passara a tarde toda sentada no sofá. As meninas estavam soltas pelo jardim, sem banho tomado, sem lição feita e não havia nenhum sinal de que teríamos algo para jantar.
No dia seguinte, procurei uma psicóloga que imediatamente me indicou uma especialista e comecei a tomar remédios. Em um mês já me sentia melhor. A depressão é sim uma doença. (Graças a Deus, pois exatamente por isto pode ser controlada e curada) Mas, independentemente dos remédios, o que de verdade me ajudou foram as coisas simples, principalmente a dica “uma coisa por dia”.
Além disto, outra coisa importantíssima é saber pedir ajuda. Quando saímos de nosso país, deixamos toda a rede de suporte que a família e as amigas nos proporcionam. Para mim, começar a me relacionar com outras expatriadas foi um divisor de águas. Conviver com mulheres na mesma situação que você faz uma grande diferença e saber dividir seus problemas e principalmente pedir ajuda é crucial na vida dos expatriados.
Leia: Como as mulheres imigrantes lidam com a tristeza inicial
Hoje tenho amigas pelo mundo que minhas filhas consideram tias de verdade. Tenho famílias queridas em cada país onde morei e assim como pude contar com elas para buscar as meninas na escola ou levar uma para dar pontos no queixo quando ela caiu e eu estava viajando, elas puderam contar comigo, me pediram ajuda, me contaram suas fraquezas, me provaram que eu era “normal” e me fizeram sentir útil e principalmente querida.
A vida de expatriada tem muitas dificuldades, mas, com certeza a vida em sua cidade no Brasil também tinha. Quando ponho tudo na balança, acho que esta vida me dá muito mais coisas boas do que ruins e o ponto principal é que você não precisa ser perfeita. Você só precisa ser feliz!
Eu continuo achando que ser dona de casa é uma droga, mas não troco esta vida, essas experiências e essas amigas por nada deste mundo.
32 Comments
Roberta,
Bem vinda ao BPM!! Adorei o texto e impossivel nao se identificar em varias descricoes… Estou de mudanca de Houston para Cidade do Mexico, precisamos trocar figurinhas!!!
Estou esperando nosso cafezinho!
Oi Roberta, Maravilhoso depoimento! Não tenho filhos, mas vc descreveu exatamente o que passei e posso dizer que as vezes ainda sinto. Obrigada por compartilhar sua experiência. Beijos
Oi Alessandra, obrigada! Acho que compartilhando a gente pode ajudar muita gente…e também nos ajuda a ver que não estamos sozinhas! Beijos
Olá, Roberta! Te compreendo perfeitamente! Mas meu caso foi inverso: minha depressão apareceu quando voltei para o Brasil e tive minha caçula. Foi um misto de “fim de sonho” com “realidade nua e crua” e uma depressão pós parto me derrubou. Achei que ia morrer (ou matar!) De tristeza. Foi horrível! Meu marido tem essa mesma visão da dona de casa, como algo deprimente (tem um fundo de verdade, mas não deve ser visto como desprezível), e isso me doía demais. Hoje, após quase 1 ano de tratamento e com um novo emprego, sinto que estou me recuperando como pessoa. Fui colaboradora do BPM qdo morava na Indonésia e fiz muitas amizades através do blog, muitas me ajudam até hoje! Essa vida de expatriada nos presenteia com experiências e pessoas especiais!!! Boa sorte aí no México! Morei aí tb e aaaamoo comida mexicana! Saudades de uma “arrachera” con água de jamaica… besitos!
Oi Gisele, dizem mesmo que a adaptação mais difícil é a de voltar ao Brasil! Mas não desanime…uma coisa por, dia, um dia de cada vez…e aos poucos tudo se ajeita!
Que historia fantástica! Deu até pena quando acabou o texto. Muito legal conhecer sua historia de vida.
Obrigada Gisele, vou contando mais a cada mês!
Parabéns Roberta,
Amei seu texto sobre a vida de uma brasileira expatriada. Excelente e muito útil com as diversas experiências por onde e como passou e como as superou.
Tenho acompanhado suas viagens, aventuras e mudanças de países via Facebook.
Fico feliz por você e sua linda família e também por ter superado suas dificuldades como expatriada e ter conseguido seu objetivo literário.
Como estamos, eu e meu marido mudando para Portugal, me foi de grande valia seu depoimento, espero poder ler mais sobre suas exoeriencias .Um grande abraço ” cara amica “.
Ciao Guida. Pois é…não é fácil, mas é muito gratificante! Boa sorte em Portugal. este site pode te ajudar muito!
Excelente, adorei a sua honestidade e trajetória, esse contentamento é tão importante para seguir nessa viagem né? Uma conquista e tanto, parabéns!!! ????????????
Muito obrigada meu amigo! E assim seguimos a viagem…
Texto Fantástico! Obrigada por compartilhar com tanta sinceridade.
Muito obrigada Tabitha! As vezes, quando a gente se expõe tem boas surpresas!
Admiro mulheres guerreiras, vc venceu a batalha da depressão e hj vê o mundo colorido.
Parabéns pelo texto e pela luta.
Obrigada Clea…ver o mundo colorido é uma opção nossa!
Muito obrigada pelo texto. Você traduziu para mim o que sinto mas eu não conseguia entender meus sentimentos muito bem.. mas ao ler sua história ../ embora não tenha filhos, pude sentir .. eu me sinto inútil e inferior por não ter meu trabalho fora de casa… trabalho de dona de casa e exaustivo mas sinto falta do meu emprego que tinha no Brasil.. ????
Oi Lu, é difícil entender e principalmente aceitar. O importante é buscar ajuda e principalmente fazer coisas que te completem e te façam se sentir util. Tente estudar algo novo, um idioma, pintura, musica, aproveite para tentar coisas novas. E, em qualquer lugar do mundo há sempre gente necessitada, um trabalho voluntário também é uma ótima opção. Boa sorte! Beijos
Amei.
Obrigada Dani…e a luta segue!
Tambem adorei o texto!! super bem escrito, acho que muitas dentre nos se identificou em algum momento.
Parabens por assumir teus sentimentos e obrigada por dividi-los conosco.
Ferrer Caro, eu que te agradeço! Acho que fica mais fácil carregar alguns sentimentos quando sabemos que não somos as únicas…Um beijo pra você!
Nao li um simples texto,simplesmente olhei para espelho!
Que texto!
Obrigada,Roberta! Beijo
Oi Camila, eu que agradeço!É bom sabermos que não estamos sozinhas. Um beijo.
Adorei o texto , me identifiquei muito … bjs .
Oi Lays, fico feliz que você tenha gostado! É bom saber que outras mulheres se identificam e que não somos as únicas a sentir tudo isto, né? Beijos
Voce colocou em palavras o que eu nao consegui mas senti igual. So escapei da depressao pq consegui voltar a trabalhar rapido mas tive 6 meses neste conflito que vc descreveu. excelente texto. Parabens pela volta por cima
Oi Gisele, é difícil, mas se a gente não desiste, no fim dá tudo certo! Obrigada por suas palavras! Beijo
Uau!!! que texto maravilhoso! Meu coração disparou lendo suas palavras… me vi descrita nele!
Obrigada por se abrir e consequentemente nos abrirmos juntas.
sai jovem do brasil, mas la tive tempo suficiente para ser uma profissional destaque… o problema que disso, fui para garçonete estrangeira… essa diferença de trabalho e de ser “estrangeira” me deu um choque e foi o suficiente para me sentir uma merda… me via sendo tratada como uma réstia (mal sabia eu que isso acontecia pq eu mesma me via assim).
a diferença de estar no exterior ainda existe, mas ver isto com outros olhos já é um grande passo…
um dia de cada vez!
obrigada!
Oi Ana Paula, obrigada por suas palavras e por compartilhar sua história! Estes desafios sempre nos tornam mais fortes e, por mais difícil que sejam, sempre valem a pena! E você colocou um ponto muito importante: a forma como a gente se vê faz toda a diferença! O que você fez, largando um cargo de destaque profissional e mudando para o exterior para ser garçonete é um ato de extrema coragem e merece muito respeito! (as vezes só a gente não consegue ver isto, mas pode acreditar…é admirável e com certeza te transformou em uma mulher muito melhor!) Beijos, e parabéns!!!
Parabéns pelo texto e obrigada por compartilhar sua experiência! Me identifiquei tanto com suas palavras que até me assustei! Rss Espero tb um dia ficar bem e poder falar que não trocaria essa vida por nada… Vou seguir sua dica de uma coisa por dia. Abs!
Oi Raquel. Só quem passa por isto sabe como é. Acredite que sua felicidade depende só de você e procure fazer coisas que você curta. Uma coisa por dia é uma forma de começar…mas, ter amigas faz muita diferença. Acredite, apesar de não parecer, muitas mulheres se sentem como você e todas podem se ajudar mutuamente! Obrigada por sua mensagem. Boa sorte!