Agora motorista! Dirigindo na Arábia Saudita.
Em 24 de junho de 2018, as mulheres foram liberadas para dirigir na Arábia Saudita. Um dia que eu não tinha esperanças, mas que não via a hora de chegar, chegou: estou dirigindo!
Resumidamente, a Arábia era o único país em que as mulheres não podiam dirigir, até junho desse ano, 2018.
Eu contei mais sobre o assunto em dois textos anteriores que vou deixar abaixo caso queira ler.
Nesse: Agora as mulheres podem dirigir na Arábia Saudita
E nesse: Meio de transporte na Arábia
Mas hoje vou escrever sobre a minha experiência de estar dirigindo, de ser uma das primeiras brasileiras a tirar a carteira de motorista saudita.
Conhecendo o trânsito daqui, que é uma loucura, e com todas as incertezas e medos quanto à introdução inicial das mulheres no trânsito, de fato eu não acreditei muito que as mulheres, principalmente as árabes, iriam querer começar a dirigir assim que fosse liberado.
Eu decidi que esperaria alguns meses, para então ver a transição e só depois pensar em me arriscar nas ruas.
Os meses passaram. As mulheres começaram a tirar suas carteiras e aparecer por trás do volante. Minha decisão de esperar foi sumindo rapidinho. Conforme eu via as meninas contando felizes sobre suas primeiras saídas de carro, eu já não via a hora de fazer.
Meu marido me puxou. Agilizou a documentação que precisava e só ficamos esperando abrir uma vaga para fazer o teste. No meu caso, como eu já tinha a carteira brasileira, foi só necessário preencher alguns documentos, fazer exames e um teste de volante bem fácil pra retirá-la.
E lá fomos nós numa manhã bem cedinho em busca da minha carteira de motorista saudita. Com a carteira na mão, e o carro do marido emprestado para que eu pudesse me divertir no meu primeiro dia de motorista, deixei ele no trabalho e fui para o meu.
Nesse primeiro dia já tive emoção suficiente para uma semana. Além da excitação por finalmente percorrer aquelas ruas que antes eu só fazia no banco do carona, agora eu ia ter que lidar com um trânsito de malucos aliado à pressão de fazer tudo certinho, justamente pra não dar motivos de acharem que mulher não tem que dirigir.
Leia também: Obtenção de visto de trabalho na Arábia Saudita e IQAMA
Eu passei por situações de gentileza, de grosseria, me confundi naqueles viadutos complicados, tomei susto, fiz manobras que me fizeram sentir “A” motorista experiente. Experimentei várias sensações e sentimentos. Mas a melhor delas foi a sensação da liberdade. De estar no controle. Sensação essa que, mesmo sendo dona do meu nariz, não sentia a muito tempo.
Abrindo um parênteses:
Dirigir, pra mim, está profundamente conectado à esse sentimento de libertação. Meu pai não me deixava dirigir o carro dele logo que tirei minha primeira habilitação. E isso sempre foi muito dolorido, pois minhas amigas dirigiam os carros dos seus pais sem problemas. Só fui realmente utilizar meu documento depois de alguns anos, quando tive meu primeiro carro. E logo que comecei a dirigir ele, também me libertei de muitas coisas, sentimentos e pessoas que estavam atrapalhando minha vida. Mas acima de tudo, me libertei do pensamento de que eu não dirigia antes porque não era “capaz” de fazer isso. Não que eu tivesse medo de dirigir, nunca tive. Mas o fato de nunca terem confiado essa responsabilidade para mim, me fazia duvidar de minhas capacidades. Me deixava insegura de mim.
E o sentimento saboroso da primeira vez que peguei uma BR de carro, num domingo lindo de sol, logo após terminar um relacionamento ruim, continua muito fresco na minha mente. Liberdade. Se eu controlo uma máquina, eu posso controlar minha vida. Então agora vocês já tem ideia do peso que poder dirigir tem pra mim.
Voltando pra Arábia:
Quatro meses já se passaram e eu já coleciono algumas pérolas do volante. Algumas histórias engraçadas que vivi e ouvi. Como quando uma amiga, em umas de suas primeiras viagens, ainda recém tirado a carta, estacionou em um restaurante para almoçar. No fim da refeição, uma moça vem até ela e pergunta se o carro estacionado la na frente era dela, pois ela tinha deixado a chave na ignição. Quando minha amiga chegou até o carro, viu que não somente isso, mas ela tinha deixado o carro ligado aquele tempo todo também.
Ou a vez em que fui ao mercado e do meu lado outra mulher estava saindo. 5 jovens ficaram meio desconcertados em ver “tantas” de nós. Nesse mesmo dia fui em um drive-trhu e o atendente já no automático falou: “boa tarde senhor”. Até que dei um oi e ele já se corrigiu, “boa tarde senhora”.
A vez mais bacana foi no início de um fim de semana, que saí já mais à noite sozinha, e numa paradinha no sinal vermelho, um carro com três meninas do meu lado estavam eufóricas por verem uma mulher dirigindo, pediram pra baixar o vidro e fizeram festinha. Me senti tão sendo um exemplo, que fiquei feliz por elas estarem crescendo num momento de tantas mudanças importantes.
Teve também uma outra noite que colocou todo meu sangue frio à prova, quando me vi obrigada a dirigir como um saudita, cometendo as mesmas loucuras que eles cometem. Sério, só faltava eu estar usando aquele lenço vermelho quadriculado que eles usam. Yalla! Mas foi só uma vez. “Quando em roma, faça como os romanos”.
E o maior receio que eu tinha, felizmente, não é algo que a gente precise ter medo: a reação dos outros motoristas.
Foi até um pouco frustante. Nas minhas primeiras saídas achei que iria chamar atenção por estar dirigindo, e, no fim das contas, ninguém esboçou surpresa. O que é maravilhoso! Está sendo como deveria ser: normal!
Então minhas primeiras experiências dirigindo aqui na Arábia estão sendo muito positivas. Nenhum tipo de assédio ou constrangimento por ser mulher, ninguém encara. A gente começa a entender o funcionamento do trânsito aqui. Saboreia a liberdade e tenta deixar uma sementinha de esperança ligando o pisca quando for dobrar, pra ver se os outros se contagiam.
As maiores dificuldades são:
- Desrespeito à todas as regras de trânsito que você conhece.
- Prevalência da “lei do mais corajoso” pois não existe rua preferencial. Nem mesmo em uma rotatória: entra quem tiver mais coragem de ir primeiro, mesmo que alguém esteja querendo sair.
- Você vai desenvolver a habilidades mediúnicas porque precisa adivinhar quando o sujeito vai dobrar. Os poucos que sabem usar a seta, ligam quando já estão dobrando.
- A clássica: O sujeito quer fazer um retorno à esquerda, mas ele está na primeira pista da direita. Então você vai ter que parar e esperar o cidadão desfilar na frente de todo mundo pra fazer o retorno.
- Dentre outras, como mudanças de repentinas de pista ou utilização de duas faixas, de forma que não deixa espaço para você ultrapassar.
- Além dos estacionamentos em que os carros são largados de qualquer jeito, ocupando mais de uma vaga. Tem o descuido dos caroneiros na hora de abrir a porta deles deixando um “beijinho” na porta do seu.
Porém, com a grande procura e o congestionamento nas filas para emissão das carteiras, o processo foi suspenso para algumas expatriadas. Por alguns meses a prioridade será habilitar as sauditas. Então quem não fez antes vai ter que esperar mais um pouquinho.
E de pouquinho em pouquinho as mudanças vem acontecendo e as mulheres conquistando seus espaços.
4 Comments
Oi Gabriela, tudo bem?
Parabéns pelo artigo, bem bacana!
Quando e em qual cidade que vc tirou a carteira de habilitação na Arábia?
Em setembro deste ano fui em uma auto escola em uma pequena cidade perto de Jeddah e me informaram que aqui na Arábia não aceitam mais carteiras de habilitação de países da América do Sul e precisaria fazer 10 aulas para retirar a habilitação Árabe. Achei esquisito a informação, mas é complicado contestar algumas coisas por aqui. Talvez eu deva tentar em uma cidade maior, notei que algumas coisas são tratadas diferentes entre algumas cidades….
Um abs!
Oi Paulo, desculpe a demora.
Eu tirei minha carteira em Julho na cidade de Jubail, não precisei fazer aulas, somente um teste rápido.
Aqui na Árábia é sempre bom consultar uma segunda opinião, pq as vezes o funcionário está de má vontade, ou desconhece o processo.
A ideia de tentar em outra cidade é super válida.
Depois me diga se conseguiu ou se precisou fazer as aulas.
Gabriela…
como consigo falar com vc???
Moro na Arábia Saudita e estou tendo problemas com a habilitação…
sou brasileira e moro em majmaah
Oi Marina,
Me manda um direct no meu insta, fica mais fácil @gabilirio