Alemanha e seu amor por papel
Deveria existir um manual de como lidar com papéis para quem chega à Alemanha. E não falo isso em relação à reciclagem, que diga-se de passagem é uma das melhores do mundo. Falo de papéis de burocracia mesmo, cartas, envelopes, mais cartas, notas, mais cartas, formulários, Anmeldung (explicarei o que é isso mais a fundo) e tudo o que os nossos queridos alemães amam. Ô povo que ama um papel! Isso foi, e segue sendo uma incógnita pra mim.
Quando cheguei aqui esperava um país mega tecnológico, “prafrentex”, moderno. Não que não seja. É, mas de um jeito alemão de ser.
A primeira coisa que você deve fazer quando chega por aqui é seu Anmeldung. Você não é ninguém aqui sem ele, ele é seu registro oficial, você precisa dele para TUDO, para abrir conta no banco, para alugar um apartamento (sendo que para fazer o contrato de aluguel você já precisa ter um registro, loucura, eu sei, mas é verdade), para fazer um seguro, para se matricular em uma escola de línguas, para ter uma vida.
Pois bem, esse é o primeiro contato com os adoráveis papéis. Você precisa ter essa cartinha de registro que você mora e está na Alemanha para provar que você é alguém. E isso é realmente uma folha de papel, não vale um e-mail, um cartão, NADA, tem que ser a folha impressa e você tem que guardar um milhão de vias dela e nunca perder.
Continuando, após o primeiro contato com os papéis, prepare-se para uma infinidade de cartas que irá receber, e você deve guardar TODAS ELAS. Sim, para ser um bom alemão, ou se ajustar e viver como tal, você deve ter pastas para guardar toda a papelada que irá receber. Essa, na verdade, é uma dica nossa: tenha pastas separadas por assunto, pois só assim você conseguirá ter um mínimo de organização e não surtar com tanto papel, vai por mim.
É carta do seguro de saúde SEMANALMENTE, é carta da empresa que aluga apartamento, é carta do seguro de vida (sim, eles têm seguro para TUDO), carta do seguro do cachorro, carta da empresa de luz, de água, carta do governo… É uma enxurrada de carta que não acaba mais.
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No começo assusta porque, afinal, as cartas vêm todas em alemão. Não que hoje eu tenha me acostumado e consiga ler tudo que tá escrito, não mesmo, mas ao menos tenho uma noção do que é realmente importante, o que devo pagar, guardar e o que posso descartar.
Aqui quase nada funciona por e-mail. Nunca na vida fui tanto ao correio como nesses 3 anos de Alemanha, SÉRIO. Coisas oficiais, principalmente, você deve usar cartas, jamais mandar e-mail, porque eles vão responder o seu e-mail com uma carta. É SÉRIO.
Uma história que eu AMO contar, e que aconteceu recentemente conosco, foi sobre o seguro de saúde. Estávamos em contato para tentar marcar um médico especialista para o meu marido. Ligamos, falamos, e eles iriam nos retornar, mas acho que quando ligaram, o André estava numa reunião ou não conseguiu atender o telefone. Pois bem, um dia depois recebemos uma carta dizendo o seguinte: “Tentamos falar com o senhor por telefone ontem, mas sem sucesso. Você pode nos retornar?”
Gente, eles mandaram uma carta dizendo que ligaram, vocês tem noção da loucura? Risos.
A repulsa por e-mail não sei da onde vem. Sinceramente, tenho minhas teorias: eles acham carta mais segura, e-mail fica com nossas informações, o Google ouve tudo que falamos (sim, ouve, a gente sabe!) e nossos dados estão sempre na “nuvem”. A gente sabe disso.
Não tiro a razão deles de querer manter a privacidade. Talvez eu tenha me tornado “alemã” demais já, mas eu concordo em certo ponto. Tem coisa que, por favor, a gente resolveria em 2 ou 3 e-mails e o planeta agradeceria por usarmos menos papel, sabe?
Eles são tão a favor da natureza, brigam pelo meio ambiente, sustentabilidade, não poluir, reciclagem, e mandam uma carta para dizer que te ligaram? Não faz o menor sentido pra mim. Mas eu aceitei. Como diz um amigo: “aceita que dói menos”. E é verdade. Eu sei que jamais vou mudar isso, e eu que vim para esse país, pois então sou eu que devo seguir me adaptando e aceitando seja o que for nesse país doido e lindo que hoje chamo de lar.
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Cada ano que passa descubro coisas que amo e odeio (não gosto dessa palavra, mas, sim) nesse país. O amor cresce e se mantém de muitas maneiras, admiro um montão de coisas e aprendo diariamente com o povo e a cultura para tentar me tornar uma cidadã melhor. Mas uma coisa que eu odeio, odeio, odeio, SIM, desculpem, são esses malditos papéis. Mas o que fazer? Seguir lembrando as coisas boas, organizando as “pastinhas” bonitas cheias deles, seguir tentando comunicação por e-mail quando dá (sou brasileira e não desisto nunca!) e que os Deuses do papel nos abençoem.