Da cerveja ao Lassi : Alemanha e Índia – Parte 2.
Olha eu aqui de novo! Voltei, e pra quem não leu a parte 1 do texto, está aqui.
Nessa viagem de trem de Nova Delhi para Agra, meu marido e eu começamos a sentir nossos primeiros sintomas da famosa Delhi belly (infecção alimentar ou intestinal), que a maioria dos viajantes pega quando vão para Índia.
Digo a maioria porque já vi gente que foi e não pegou, mas estando lá, quase todo mundo com quem conversei teve em algum momento da viagem. Pois bem, nós pegamos, e foi forte. Visitamos o Taj Mahal ambos com febre acima de 39, sonhando em voltar para a pousada, deitar, ir ao banheiro e escolhendo um lugar mais reservado na rua para que a gente pudesse vomitar em paz. Sem exagero, foi umas das infecções mais terríveis que tive na vida.
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Ficamos quase 5 dias assim, nos alimentando somente de bananas, pão torrado e chá. Muitos eletrolitos e água, quando descia.
Outra diferença que não tenho palavras para descrever, apenas sentir, é a higiene. Na Índia, a higiene é quase inexistente, em sua maioria. Óbvio que os hotéis são limpinhos. Você pode e DEVE só tomar água mineral, mas como um todo, nas ruas, a sujeira é algo assustador.
Não existe coleta seletiva de lixo. Eles colocam o lixo nas ruas e, muitas vezes, o queimam. Junto com isso, há as fezes de animais espalhadas por todos os lugares. Mas eles estão lá “de boas”, nem sentem. Para eles é natural, nasceram lá, o organismo deles já tem todos os anticorpos necessários. Mas nós, que saímos de um país onde a água que sai da torneira é potável, onde separamos até os lixos secos por papel, lata, vidro e por aí vai, é obvio que nosso corpo leva um choque e dificilmente não vai ficar doente. Pois bem, entramos na estatística de viajantes que contraíram o Delhy belly.
Foi dolorido, achamos que não ia passar, mas passou. Ufa! Nesse meio tempo da doença, não sei como, seguimos viagem. Desta vez fomos de Agra para Varanasi de trem, nosso terceiro destino, que é a “cidade sagrada” da Índia.
Lá que ocorrem aquelas cerimônias no Rio Ganges (maior e mais famoso rio da Índia) onde os corpos são cremados e jogamos no rio. Estávamos super ansiosos para conhecer essa cidade, a gente pensava: “Ah, agora sim vamos conhecer a Índia de verdade”, a parte mística que a gente sonhava, os gurus pelas ruas, pintados, meditando por horas… Inocência nossa.
Claro que vimos, sim, alguns. Mas, no geral, também seguimos vendo a Índia verdadeira, a Índia que doía na gente, lá no fundinho da alma. A Índia pobre, a Índia das crianças pedindo comida nas ruas, que aqui na Alemanha é uma raridade, eu nunca vi.
Acompanhamos uma cerimônia de cremação de corpos no amanhecer no Ganges. Foi uma das experiências mais doidas da vida. Eu queria estar em melhores condições físicas para ter curtido mais, pois seguia com a infecção e o cheiro dos corpos me dava náuseas de, literalmente, não aguentar e seguir vomitando onde fosse.
Varanasi foi onde eu descobri que as mulheres são proibidas de fumar na rua (na verdade, a Índia criou uma lei há alguns anos proibindo de fumar em lugares públicos, para os homens também, pois eles são um povo que fumam MUITO, muito mesmo). Mas em lugares privados, as mulheres são extremamente mal vistas estando com um cigarro na mão, incluindo as ocidentais. Não importa!
O que os homens fazem para continuar fumando é “mascar tabaco”. Eles compram o tabaco em forma de goma. Tem a nicotina de um cigarro, ou mais, é bem bizarro, pois eles vivem com esse negócio na boca, cuspindo pelos cantos. Inclusive, há placas em estacões de metrô, por exemplo, escrito ” Proibido cuspir no chão”. Depois eu fui entender o porquê. Tá aí uma coisa parecida da Índia e da Alemanha. Olha aí, nem imaginava que pudesse ter a cultura do cigarro.
Mesmo não podendo, eles seguem do jeito deles fumando, ou comendo, sei lá. Aqui na Alemanha, o povo fuma que é uma desgraça também.
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Em Varanasi foi quando começamos a nos sentir melhores, mas precisávamos já tomar nosso rumo em direção ao novo destino: Japuir.
Antes, eu queria contar a saga do “supermercado”. Em Varanasi, eu inventei que queria comprar bolacha de água e sal, coisas mais “fechadas”. Não aguentava mais comer pão e banana. A comida deles que eu antes AMAVA, me deixava enjoada em função da doença. Então, saímos em busca de um mercadinho para comprar umas coisas “industrializadas”. Ironia do destino, eu que adoro uma coisa natureba, estava na Índia atrás de coisas industrializadas. Vai entender, a vida nos prega peças, né?
Pois bem, caminhamos horas e horas atrás de um mercado, mas o único que encontramos, sério, sem exagero, estava com quase todas as coisas vencidas. Não era um “mercado”, era mais uma vendinha mesmo, sabe?
Desistimos, pensei. Vou comprar pelo menos um sabonete e um absorvente que tinha esquecido de levar. Comprei e ambos também estavam vencidos. Coisas de Índia.
Seguimos viagem, já “melhorzinhos”, em direção a Japuir. A viagem era para durar 14h, acabou demorando 24h. Isso mesmo! Passamos 24h dentro do trem, à base de banana e água. Chegamos, vivos e com fome, o que era um bom sinal depois de dias comendo por obrigação e para não desidratar.
Japuir foi quase o oásis para a gente. Era a Índia, mas uma Índia um pouco mais “ocidentalizada” e um pouquinho mais limpinha, o que dava a sensação de estarmos finalmente mais em “casa”.
É doida essa sensação, pois sempre que viajamos, normalmente, não quero voltar pra casa. Sempre penso: “ah, podíamos ficar mais”. Não que eu não goste da minha casa, eu AMO, e amo a Alemanha, Berlim, mas dessa vez, essa sensação não existiu. Eu pensava na minha casa e quase chorava de saudades.
Gente, quem me conhece sabe que não sou nada, nadinha “fresca” com viagem. Não mesmo. Sou até muito “tô nem aí”, mas na Índia eu queria apenas “respirar” ar puro, entende? Parecia que aquela névoa de poluição que rodeia a cidade não me deixava respirar.
Depois de Japuir teve Goa, litoral, uma praia LINDA da Índia onde pudemos nos sentir mais relaxados e leves. Se eu posso ou consigo resumir a Índia em duas palavras, eu diria: intensa e dolorida, mas necessária. E costumo dizer que a Índia é para os fortes. Eu, que me sinto forte, quase não aguentei. E eu amo Berlim e sou muito grata por viver aqui. A gente tem que agradecer mais e reclamar menos, isso foi a maior lição que trouxe da Índia. Gratidão por onde estamos, seja onde for.