Aprendendo dinamarquês.
São muitos os artigos sobre a experiência de aprender o idioma local escritos por brasileiras pelo mundo. Tem gente encarando o sueco, o polonês, o turco e até o birmanês.
As angústias são as mesmas e descobrir que você não está sozinho nesta saga é talvez a única luz no fim do túnel para os pessimistas que estão de um modo ou de outro, encarando essa jornada.
Estudo dinamarquês há três anos, não diariamente, nem de forma muito disciplinada, mas estou entrando e saindo de sala de aula, nesse processo – aparentemente sem fim – este tempo todo.
Resultado? Toda comunicação em dinamarquês que consigo travar por estas terras nos dias de hoje ainda é caótica e desconfortável.
Minha “guru”, uma das primeiras colaboradoras do Brasileiras pelo Mundo e primeira exploradora oficial da Dinamarca e seus encantos e frustrações, Cristiane Leme Høg, acha “praticamente impossível viver e ser funcional num país sem falar a língua local”.
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Nos primeiros anos, discordei entusiasmadamente disso, baseada em argumentos e experiências sólidas. Meu discurso era: você se vira muito tranquilamente na Dinamarca se fala inglês. Em Copenhagen, falo inglês no mercado, no trabalho, na prefeitura e no médico. Pari em inglês e deu tudo certo.
Até que a vida foi acontecendo e percebi que a funcionalidade de que fala Cristiane (aqui) vai ganhando outros contornos com o tempo. Enquanto se mora no país por um ano, sem grandes perspectivas de estender demais esse período, ser funcional é uma coisa.
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Mas passa a ser outra depois de três anos, amigos, trabalho e crianças na escola. A funcionalidade vai se ampliando sorrateiramente e quando você menos imagina, está sentada numa reunião de pais onde se discute o futuro do seu filho, e você sai de lá contente porque conseguiu entender uns 50%.
Isso sem falar nas relações que vão amadurecendo, o papo com as mães na saída da escola vira um chope com as amigas, os amigos do seu filho com quem você se esforçava para dar “oi” passam a vir à sua casa, sem os pais e sem falar inglês…
E aí a saída é encarar. Achar aquele tempo e força de vontade e acreditar que um dia você vai conseguir fazer um pedido no restaurante sem ter que repetir inúmeras vezes, que vai entrar num cinema e não precisar das legendas, e que vai sair de uma conversa entendendo não só sobre o que se fala, mas também qual a opinião das pessoas com quem se fala… e quem sabe até dar a sua.
Para encarar o desafio
Nunca pensei em não aprender o dinamarquês. Há expatriados e imigrantes que optam por não aprender a língua local, muitas vezes quem sai do seu país não sabe bem por quanto tempo fica, se volta, se vai para outro canto…
Acho que aprender a língua local é o mínimo a se (tentar) fazer, pela acolhida e pela oportunidade, da mesma forma. Por isso a seguir fiz uma espécie de passo a passo deste meu percurso, procurando ajudar aos que estão começando (ou não…) e ser motivada pelos que já passaram por isso.
- O primeiro ano e a grande ilusão: eu falo outros idiomas, sou uma pessoa de letras, gosto, atuo e me interesso por tudo isso, não vai ser tão difícil. Comecei com o duolingo, um app que ajuda de verdade, mas não faz milagres. Entrei em sala de aula, aprendi alguma coisa do básico e sei dar “bom dia”, “boa noite”, me virar numa situação ultrassimples, mas ainda entendo muito pouco. É uma questão de tempo, penso assim.
- Alguns meses depois, a dúvida: será que é tão difícil assim? Parece que aquela coisa da idade certa de se aprender um idioma faz sentido… entendo bem a sintaxe, mas não me lembro de nada, tudo parece fora do lugar. Além das três vogais å, ø e æ que, sinceramente, poderiam ser uma só porque o som é ridiculamente parecido, o dinamarquês tem uma característica peculiar – para não dizer insuportável – de soar muito diferente do que está escrito.
- A certeza brutal da decepção e o obstáculo eterno, o seu interlocutor: o dinamarquês (pessoa) não espera que alguém aprenda o seu idioma. Talvez seja um sinal de que ele mesmo ache uma loucura aprender essa língua. Os dinamarqueses são práticos e querem que você resolva seu problema. Se você demora muito para se fazer entender, rapidamente o inglês vai aparecer como uma saída plausível, mas muito frustrante. Afinal, com quem você vai praticar senão com os dinamarqueses?
- A fuga: essa época durou pouco porque a vida bate na porta e não te deixa escapar por muito tempo. Seu filho chega em casa e procura uma palavra em português que não conhece e vai usando aquela em dinamarquês e, para entender do que se trata, você vai precisar descobrir que diabos significa a tal da palavra. Não só para manter a conversa, mas para ter certeza que seu filho vai conhecer essa palavra também em português… A fuga foi quase como se eu quisesse sair do sistema, pedir para descer, pedir autos, mas não teve muito jeito, a vida não para.
- A luz no fim do túnel: então você insiste e de tanto ouvir, conviver e tentar se fazer entender, você começa a perceber que está levemente mais proficiente. Um belo dia consegue pronunciar o nome do seu bairro, sem que precise repetir. Vai além do “bom dia” e consegue explicar porque dormiu mal e aí, a grande realização: entende uma piada e ri de verdade!
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E aqui estou. Uns dias mais e outros menos envolvida nesse processo, mas com a certeza de que é preciso tentar. O cérebro funciona, a cultura vem junto, a integração acontece e, no caso do dinamarquês, as outras línguas escandinavas passam a ser mais acessíveis.
São muitos os benefícios de aprender um novo idioma, mesmo que ele seja o dinamarquês – feio, difícil e, vamos combinar, meio inútil fora daqui. Peço desculpas se algum linguista se sentir ofendido e vir com a bandeira de que não há línguas difíceis, bonitas etc.
7 Comments
Li o texto com um sorriso no rosto. Morei na Alemanha depois de 7 anos de Goethe Institut no Rio, tinha alguns perrengues mas entendia tudo – e os alemães falam BEM menos inglês do que a média europeia acha. Dois anos depois eu vim para a França. Ah la France: se a proximidade com o português “ajuda”, a fonética do idioma é um desastre e os parisienses tem a menor paciência para pronuncia errada porque realmente é impossível de entender.
E um dia, acho que uns 6 meses depois de chegar na França, enquanto eu cozinhava com a TV ligada eu percebi que estava entendendo sem precisar focar na TV. 🙂
Boa sorte e coragem – uma hora o dinamarquês chega!,
Fernando.
Oi, Fernando. Obrigada pelo comentário. É muito maravilhoso ver que outras pessoas passaram pelos mesmos perrengues e saíram vitoriosos! Gostei especialmente do desejo de ‘coragem’! É exatamente isso que preciso a cada interação. Um abraço apertado!
Ei Letícia! Amei seu texto! Tb estou na luta há alguns anos mas não com muito afinco kkkk essa praticidade de virar a chave pro inglês que complica né?! Você recomenda algum livro? Dicionário?
Bjss! Amo suas postagens!
Muito obrigada, Priscila! Complica muito! Mas eu agora tenho insistido no dinamarquês, não falo mais inglês a menos que eu precise entender tudo muito direitinho, no médico, por exemplo. Dicionário eu uso bastante sim, e recomendo a dr tv, aqueles programas tipo documentários, com legendas, acho que me ajuda bem. Boa sorte pra nós e obrigada pelas leituras!
Ei Letícia! Amei seu texto! Tb estou na luta há alguns anos mas não com muito afinco kkkk essa praticidade de virar a chave pro inglês que complica né?! Você recomenda algum livro? Dicionário?
Bjss! Amo suas postagens!
Olá Letícia,
Muito bom o teu texto, muito esclarecedor. Obrigada por nos proporcionar uma visão tão clara e próxima da realidade. Estamos nos mudando para Dinamarca logo mais, em março do próximo ano. Estamos vendo a questão da escola para as crianças e a prefeitura nos informou que será em função do nosso futuro endereço de moradia. Como as crianças falam português e italiano, gostaria de saber se você tem bairros para me indicar que tenham maior probabilidade de encontramos grupos nas escolas com crianças que falem a mesma língua. Existem bairros de determinadas comunidades? Muito obrigada desde já,
Juliana
Oi, Juliana, que bom que estão vindo em março, torço para que a mudança seja bem tranquila. Não sei muito bem te ajudar com a questão do italiano. Percebo alguns bairros mais misturados, como Nørrebro que tem comunidades grandes de palestinos, iranianos e indianos (mas não sei se italianos). E vejo uma comunidade francesa bem grande em Frederiksberg, mas fora isso não sei mais o que te dizer. Eu moro em Amager e aqui conheço uma mãe italiana da escola do meu filho. Quando chegar, entre em contato que a gente coloca essas crianças juntas. Um abraço e feliz natal!