As igrejas holandesas.
Igreja para mim sempre foi um lugar onde as pessoas vão para rezar, assistir à missa, casar, ir a um casamento, acender uma vela. Além disso, quando penso em igreja, penso em um lugar em que barulho não é permitido. Sempre lembro de entrar na igreja da Praça da Sé e ficar chocada com o silêncio quando do lado de fora reinava o caos com o misto de turistas, barracas de caldo de cana e ambulantes. Mas minha vida mudou quando passei ao lado de uma igreja em Groningen e ouvi uma barulheira. Pensei “nossa, está boa a festa em um dos apartamentos de estudantes”, só que fui chegando mais perto e na verdade vi que todo aquele som vinha da igreja e estava muito longe de ser “Aleluia”. Parei, olhei para o meu amigo holandês e disse “o que está acontecendo na igreja?” e ele, com a maior naturalidade do mundo me responde “ah, a festa do uísque!”. Achei que eu tinha uísque na minha bebida e estava ouvindo coisas, isso sim. Eis que ele completa “e mais para frente tem o festival de cerveja”. Desmaiei.
“PARECE TÃO ERRADO, SOCORRO!”. A cabeça de uma pessoa que, como eu, foi criada com religião dá um nó quando escuta essas coisas. Frases como “meu Deus, será que isso é permitido?” e “preciso pedir permissão para tomar cerveja na igreja?” passaram pela minha cabeça mesmo não sendo uma extremista religiosa. Acredito que muitas pessoas veriam isso como algo totalmente errado, mas na verdade, o que é muito interessante é que aqui 48% da população não se considera religiosa. QUASE METADE DA GALERA! Meu Deus! E o que mais me chama atenção na verdade não é apenas esse fato, mas na verdade, apesar de não serem religiosos, muitas pessoas com quem eu conversei tem muito interesse em saber da sua religião e muito respeito pela sua crença. Consegui ter muitas conversas interessantes sobre religião com pessoas que não acreditam em absolutamente nada e muitas vezes ouvi algo parecido com “não é que não acredito em nada, acredito que algo existe, mas não sei muito bem o que é e como explicar, mas sei que provavelmente está lá”. No mínimo interessante.
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O que eu acho mais legal é o fato de metade da população não ter uma religião, mas mesmo assim, eles não se desfazem das igrejas. Tem muita história nesses prédios e eles são lindos demais para serem demolidos. Mas calma, quanto dinheiro é gasto em uma igreja que não é nem utilizada? Bastante. E é aí que as funções dão uma mudada e as igrejas são convertidas em outras coisas: livrarias, lojas, centros culturais e até mesmo apartamentos. Gente, lá vou eu novamente perguntar se é permitido morar em uma igreja. Aí paro e penso “ué, melhor do que jogar toda essa história fora, né?”. Além disso, ainda existem igrejas que funcionam normalmente com missas, velas e tudo que tem direito. O mais irônico, porém, é que algumas igrejas foram até mesmo convertidas a outras religiões como aconteceu em Haia com uma sinagoga que virou mesquita. Deixa eu pegar meu queixo de volta aqui rapidinho que ele está chegando no chão.
E o engraçado é que mesmo o país sendo mais objetivo, direto e prático do que emocional na maioria das vezes, muitas pessoas não querem deixar as igrejas para trás. Elas fazem parte não só da história, mas dos vilarejos, da paisagem e de muitas e muitas praças que vemos por aí. Muitas igrejas sofreram com a guerra, com chuvas abundantes e até com incêndios, mas no final, elas eram sempre reconstruídas de alguma maneira e tudo voltava ao normal. E, graças a isso, nós podemos ter o privilégio de visitar esses lugares tranquilos e as vezes até subir ao topo da torre e incorporar o Corcunda de Notre Dame tocando os sinos. Gente eu encostei em um sino de uma igreja!!! Quando achei que ia fazer isso? As nossas igrejas estão abertas e funcionando, mas muitas partes não são permitidas ao público. Como faz?
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Um dos meus lugares favoritos de Delft, por exemplo, é uma antiga igreja que hoje em dia serve de centro de exposições, palestras, concertos e tem um restaurante acoplado que é gerenciado por uma família que também é dona da ex-igreja. Existe ainda, porém, uma pequena capela que quando entrei até me arrepiei ao ver a imagem da Nossa Senhora Aparecida. Me senti em casa. Além disso, a torre da igreja hoje em dia tem almofadas e você pode simplesmente subir lá e relaxar. E você não precisa de alguém te acompanhando ou te dizendo que só pode virar para a esquerda ou para a direita. A única placa que você precisa seguir é a de “subir a torre é por sua conta e risco” já que a escada é levemente bamba.
Outra situação que chamou muito a minha atenção foi quando fui a uma balada chamada “Paradiso” em Amsterdam. De fora você consegue ver que era uma antiga igreja, mas quando entrei quase tive um ataque epilético ao ver a imagem do Cristo Redentor ao fundo. Ainda não me acostumei 100% com tudo isso! Mas né, cada cultura tem as suas diferenças e claro que não são todos os holandeses que concordam com essas mudanças também, mas todos estão acostumados com isso. E desde que eles continuem respeitando a todos independente da crença e religião de cada um, por mim está tudo bem. E é claro, nós também precisamos respeitar o pensamento de muitos que não acreditam em religião, não é mesmo?. Assim podemos continuar com as conversas superinteressantes ouvindo diversos pontos de vista. Mas calma, onde podemos ter esse tipo de conversas? Ué, dentro ou fora da igreja. É tudo uma questão de opinião.
Bedankt em tot ziens!