A duas horas de Bucareste, na altura dos municípios de Măgura e Buzău, os Cárpatos abrem sua poesia para os romenos da capital. Vindo desta direção, trata-se da porta de entrada para a segunda maior cadeia de montanhas da Europa, espalhada, em seus 190.000 Km2, por seis países, a saber: Romênia, Ucrânia, Polônia, Hungria, República Tcheca, Eslovênia e Sérvia.
A essa altura, ainda não entramos na região da Transilvânia. Estamos na Muntenia, parte da Valáquia (a Romênia está dividida em quatro regiões históricas: Valáquia, Transilvânia, Moldova Romena e Dobruja), cercania de Bucareste, e dela não sairemos. Talvez, por isso, após quilômetros navegando por terras planas, seja tão bem-vindo aos olhos o impacto das primeiras escaladas da rodovia.
É começo de verão e a natureza se exibe em campos de um verde fosforescendo de tanto brilho, salpicado por pequenas papoulas vermelhas, margaridas e longas flores em lilás. Vez ou outra, o feno amontoado e as vacas a pastar dão os ares de suas graças, até que a subida adensa a vegetação, fechando-a em umas das últimas florestas intocadas do Velho Mundo. Nela, reside a maior população livre e selvagem de ursos, lobos e linces do continente, espécies nativas dessa parte do planeta, hoje extintas ou à beira da extinção nos demais países.
Plena em paisagens dignas de contos-de-fadas, a energia e a beleza das montanhas é reverenciada desde o tempo dos dácios, habitantes da região muito antes da chegada dos romanos que, apesar da inegável influência e cultura propagada, haja vista ser o romeno língua latina, aqui permaneceram por menos de duzentos anos, já no primeiro século da Era Cristã (106 a 275 d.C.).
Os Cárpatos são ricos em contos folclóricos e misticismo, existindo muitos sítios visitados em razão de seus poderes ditos especiais, além da raridade geológica do local, como é o caso dos vulcões de lama de Berca, em Buzău, conhecidos como os Vulcanii Noroioşi, em língua romena.
Como exemplo de folclore, nem só do Conde Drácula vivem as lendas. Vale lembrar que o mito do Lobisomem também se propagou por estas bandas, graças à grande quantidade de lobos selvagens, muitas vezes em tamanho e força capazes de, sozinhos, atacarem uma pessoa adulta.
Quem também se aventurou nos mistérios e lendas das montanhas romenas foi o escritor francês Jules Verne, em seu Le Château des Carpathes, cuja versão, em inglês, pode ser lida aqui. Publicado em 1892, cinco anos antes do Drácula de Stoker, o livro também é considerado como uma das fontes inspiradoras do escritor irlandês.
E, falando em riquezas, vamos contar sobre coisas mais paupáveis. A região possui reservas de âmbar, a pedra fóssil de cor elegante. Em Buzău, existe uma coleção dedicada ao mineral no Muzeul Judetean. Já o outro tesouro mineral é líquido, incolor e inodoro. Estou falando da água dos Cárpatos, com fontes espalhadas por toda a área. Não só é possível beber água, de boa qualidade, vinda da torneira, como, antes mesmo de chegar na montanha, você observará uma quantidade impressionante de poços d’água espalhados pelas pequenas vilas. São muitos, dando a impressão de que cada casa possui o seu próprio poço.
Não fosse apenas a água boa, a região também produz bons vinhos e as vinículas podem ser apreciadas desde a estrada, com a beleza de suas vinhas enfeitando o caminho. Querendo conhecer de perto e degustar um pouco do vinho romeno, a Lacerta, nas imediações, é uma opção.
Uma vez nos Cárpatos, o melhor a fazer é abrir o coração e deixar toda aquela natureza entrar. Para isso, tanto em Buzău, quanto em Măgura, há hospedagens para gostos e bolsos variados.
Como conselho, sugiro que vá com tempo, mesmo que o seu tempo more em um fim de semana. Faça uma trilha, percorra caminhos de bicicleta, descubra a culinária local, visite os monastérios, converse com os moradores e viva um pouco a vida da montanha.
No retorno para casa, é domingo e, da janela do carro, você observa os locais aproveitando o verão para fazer piquenique na grama verde, numa vistosa “farofa”, como diríamos em bom português, instalada à margem da estrada. Por boa parte do interior da Romênia, essa cena se repetirá durante o verão, com grupos inteiros assando carne, bebericando, jogando ou tomando sol, na relva ao lado do acostamento. Com sorte, você verá uma turma pitorescamente alegre, dançando em rodinhas atrapalhadas, ritmos típicos romenos.
Enquanto isso, senhoras sentadas em seus umbrais batem papo com as vizinhas, usando o lenço amarrado na cabeça e a saia longa, tão comuns de se ver entre elas. No meio do caminho, mais crianças brincando e cachorros preguiçosamente deitados pelas calçadas. A estrada se torna novamente plana e a floresta se espalha em campos. É hora de voltar, carregando um pedacinho dos Cárpatos na alma.
Pequeno epílogo
Durante este fim de semana, alongado em um feriadão, esqueci do celular e também de tirar fotos. Meus registros foram feitos com os olhos, estando parte das tantas imagens vivenciadas traduzidas nesse texto. Daí as poucas fotos. Mas, já que se trata de um artigo sobre turismo, para me ajudar a ilustrar essa história, deixo a visão dos Irmãos M, ou The Brothers M, uma dupla romena de diretores de arte que resumiram o gostinho dos Cárpatos neste vídeo aqui, intitulado Beautiful Carpathia.
Assistir a este vídeo me fez lembrar de uma hashtag que circula a internet, com os dizeres #romaniamagia. Depois dele, dá para entender o porquê.