Sempre me perguntam como é viver em um país que fabrica as melhores cervejas do mundo, por isso eu procurei nesse texto explicar um pouquinho sobre a tradição que vem de séculos – desde a Idade Média – e seus tipos de produção.
As primeiras cervejas belgas foram produzidas por monges, dentro dos mosteiros, por volta de 1200. Eles faziam a bebida para o próprio consumo, assim como para nutrir os fiéis e angariar recursos para o mosteiro. As cervejas feitas de cevada, malte, água e lúpulo (em sua maioria) são tão nutritivas que eram consumidas por longos períodos sagrados de jejum, pois a ingestão de líquidos não era vista como pecado. Esse processo de produção foi denominado como Trappist Beer ou Trapista, por causa da ordem à qual pertenciam os monges que a fabricam, e hoje são vendidas em poucas quantidades para os clientes que vão até os mosteiros, sendo o número de garrafas por pessoa também limitado. Dizem até que há um juramento feito pelo comprador, prometendo não repassar nenhuma das garrafas a terceiros.
Atualmente existem apenas 11 mosteiros trapistas no mundo autorizados a registrar a cerveja produzida com o selo de autenticidade Trappist, sendo que 6 estão localizados na Bélgica, e parte do lucro das vendas são destinadas pelos monges a causas sociais – um belo gesto, na minha opinião.
Os séculos foram passando e as técnicas se aprimoraram. Por causa da sua qualidade, as cervejas trapistas inspiraram mestres cervejeiros a reproduzir fora dos mosteiros o estilo da cerveja que era produzida nos mosteiros trapistas. Surgiu, então, outro tipo de produção das cervejas belgas, as cervejas Abadia ou Abbey beer. Na verdade, uma cerveja Trapista é sempre de Abadia mas uma cerveja de Abadia nem sempre é Trapista. A confusão de autoria teve seu ponto alto em 1960, quando a Veltem Brewery lançou uma cerveja chamada Veltem Trappist. Foi então que os monges da Abadia D’Orval entraram com um processo legal para solucionar o problema. Em 1962 uma lei da Câmara Belga do Comércio decretava: “Cerveja Trapista é somente aquela que é produzida por monges cistercienses e não uma cerveja no estilo Trapista, a qual deve ser denominada Cerveja de Abadia”. Seu método de produção é muito próximo ao das trapistas; dizem que essas bebidas são produzidas ao modo monástico e sob a licença de uma abadia local. Para essa categoria, em 1999, foi criado um selo de qualidade, “Certified Abbey Belgian Beer”, e um dos critérios para consegui-lo é produzir “aos moldes das Trapistas”, mas não necessariamente dentro de um mosteiro. Outro critério para esse tipo de produção é que o mosteiro deverá controlar alguns aspectos comerciais, indo parte do lucro também para ações sociais à escolha da abadia.
Há quem experimente os dois métodos e sinta diferenças. Sinceramente, para o meu paladar, um é tão sofisticado quanto o outro, e as cervejas são realmente deliciosas. É possível sentir sabores e sensações do líquido passando pelas papilas gustativas, distinguir cheiros e perceber iguarias, o que é muito interessante. Aqui na Bélgica não há rigidez quanto aos ingredientes como existe em outros países que produzem a bebida: os belgas usam muitas misturas, frutas e temperos. Provavelmente seja esse método de experimentação o que faz das produções locais as melhores do mundo.
No universo feminino, as cervejas frutadas são muito comuns. Algumas marcas as produzem, sendo popular, por aqui, a Hoegaarden com seus sabores agrum, citrum e rosée. Cervejas de mel também são saborosas e a Abadia Leffe criou uma bebida super encorpada, adocicada e cremosa, uma delícia! E como nós mulheres estamos sempre preocupadas com o peso, a Caulier pensou nisso. Inovou, em 2014, com suas edições “low carb” e “gluten free”. Não preciso nem dizer que é um sucesso, não é meninas!
Para degustar essa bela experiência, existem dois locais tradicionais na cidade de Bruxelas que eu indico de olhos fechados. O primeiro é o Delirium Tremens Beer House. Para quem gosta de locais divertidos e bem turísticos, cheios de gente animada e muita, mas muita sugestão no cardápio, esse é o local! E o bom é que está localizado em uma ruelinha que atravessa a Grand Place no centro da cidade. O segundo é o Chez Moeder Lambic, um local mais intimista, pequenininho e frequentado por belgas. O cardápio também é generoso quando se trata de cervejas e todos os belgas que eu conheci até aqui indicam esse bar. Existem filiais dele, mas gosto muito do que fica na comuna de Saint Gilles, próximo à prefeitura, que é o original.
Além dos bares indicados, as cervejas podem ser encontradas em qualquer bar por aqui. E para quem gosta, assim como eu, de economizar, muitas marcas são oferecidas nos supermercados por baixíssimos preços.
Viver na Bélgica é assim, uma grande variedade de sabores produzidos com excelência na qualidade e nos ingredientes, assim como cuidado com os consumidores. E isso que estamos apenas no primeiro quesito, as cervejas. Chegaremos aos chocolates!
Lista das cervejas:
Trappist beer: Rochefort Brewery (1595); Westmalle Brewery (1836); Westvleteren Brewery (1838); Chimay Brewery (1863); Orval Brewery (1931) e Achel Brewery (1998).
Abbey beer: Abbaye de Cambron; Abbaye de Bonne Espérance; Abdij Dendermonde; Abbaye de Saint-Martin; Affligem Abbey; Brasserie de l’Abbaye du Val-Dieu; Brouwerij Van Steenberge; Floreffe; Grimbergen; Keizersberg; Leffe*; Maredsous; Brouwerij De Smedt; Brasserie du Bocq; St. Feuillien; Brouwerij De Gouden Boom; Brouwerij Haacht; Brouwerij Roman.
Alguns sites relacionados:
Au revoir!
2 Comments
Ótimo post! As cervejas belgas são mesmo deliciosas e há bares super aconchegantes onde experimentar as famosas e também as locais/artesanais e menos conhecidas!
Ana Elisa, obrigada! Realmente, o encantamento desse lugar e das cervejas aqui produzidas não tem fim! E quero mostrar isso tudo da melhor maneira possível. Bjs.