Em novembro de 2014, soube-se de uma caso desses que fazem os pelinhos da nuca arrepiarem e perdemos um pouco da fé que temos na humanidade. Uma criança de treze anos estava grávida, fruto do estupro de seu próprio pai. Sendo essa notícia por si só uma tragédia de grandes proporções, ainda havia um agravante: o feto foi considerado inviável por vários médicos que a atenderam.
E assim foi reaberto um debate que volta e meia aparecia nas notícias e debates políticos, religiosos e humanitários: será que o aborto é uma solução nesse tipo de casos?
Aqui no Chile, pra começo de conversa, quase não há campanhas para uso de preservativos, mal se fala de sexo nas escolas e quando isso acontece sempre há uma boa dúzia de pais chocados reclamando. A sociedade chilena em geral é bem conservadora nesse sentido e isso volta e meia me choca, porque ao ver o comportamento das novas gerações dá pra perceber que há uma grande disparidade entre o que a sociedade diz e o que a sociedade faz.
As famílias mais poderosas do país são de certos grupos religiosos que devem ficar arrepiados só de pensar em métodos anticoncepcionais e esses são os clãs proprietários de grandes empresas e meios de comunicação, o que dificulta as tentativas do Ministério de Saúde de lançar campanhas de conscientização sexual.
Por outro lado, é comum ver nas notícias escândalos sexuais envolvendo menores de idade. Em 2007, uma garota de 14 anos foi filmada por um “amigo” enquanto fazia sexo oral em outro garoto e teve seu vídeo divulgado abertamente nas redes sociais, causando vexame para os envolvidos que foram extremamente julgados através da mídia mas foram bem poucas as pessoas que se preocuparam em pensar o que está levando os adolescente a se comportar assim e continuam sem implantar nenhum sistema de educação sexual.
Depois dessa breve contextualização, cabe dizer que quando se trata de relações sexuais sem proteção, nós mulheres quase sempre (e infelizmente) saímos da pior forma quando se fala de doenças sexualmente transmissíveis, somos maioria esmagadora quando se fala de vítimas de abusos sexuais e estupros (84%, segundo estudos feitos em 2011), levamos a pior no julgamento social e somos nós quem carregamos o maior peso da responsabilidade quando o resultado dessa relação gera um bebê, seja ele planejado ou não. Isso porque mesmo quando temos um companheiro que nos ame e nos apoie, somos nós que temos a agridoce missão de carregar o feto em nossos corpos por aproximadamente 40 semanas.
E assim voltamos ao assunto principal deste texto: o aborto terapêutico. Já houveram diversas tentativas de aprovação à essa lei, em diferentes formas, mas todas terminavam vetadas por diferentes motivos. Uma das promessas de Bachelet durante a campanha pra conseguir o segundo mandato foi voltar a trazer esse projeto de lei à discussão.
No final de janeiro, a presidente assinou e levou o projeto para despenalizar o aborto em três casos: inviabilidade fetal, quando a vida da mãe está em risco e em casos de estupro o que causou um tremendo reboliço na sociedade e nos grandes meios de comunicação. Durante o seu discurso frente ao Congresso, Bachelet disse que a intenção era ajudar as mulheres a tomar decisões informadas, com todo o apoio que se é necessário nesses casos, esclarecendo sempre que o aborto não vai ser uma obrigação e sim uma possibilidade de escolha, sempre.
E logo a Igreja Católica rejeitou a possibilidade de que o aborto seja aprovado no país, os diferentes grupos anti-aborto apareceram com todas as suas justificativas, pedindo assinaturas para evitar que o projeto avance ou seja aprovado. E em seguida, o reitor da Universidad Católica, Ignácio Sánchez, disse que, caso o projeto seja aprovado, os profissionais da Clínica da faculdade serão proibidos de realizar abortos e aqueles que não estiverem de acordo podem ser desvinculados da instituição.
Em contrapartida, mulheres, matronas e grupos de apoio, feministas e de libertação feminina lutam e torcem para que o projeto não seja engavetado em nenhuma instancia e seja aprovado o quantos antes. Muitas inclusive querem a legalização do aborto por completo, que a decisão fique a cargo de cada mulher, sempre.
Mas num país onde a educação sexual é quase nula eu acho que ESSE é um passo ainda está longe de ser dado. Quanto ao aborto terapêutico, aparentemente e mesmo com a discussão que está gerando, parece que tudo caminha para uma aprovação, o que já seria uma vitória em um país que, apesar de se declarar laico, ainda tem muita influência de grupos religiosos.
Resta esperar para saber o resultado e torcer para que a descriminalização venha acompanhada de um grupo de apoio completo, com psicólogas, psiquiatras, assistentes sociais e o que seja necessário para que essas mulheres possam tomar a decisão mais informada e correta para elas , sempre.
8 Comments
Eu sempre me assusto muito ao lembrar o quão conservador é o Chile!!!
Eu tô na torcida com as matronas! 😉
Eu também, Gabi!!! As duas coisas: me assusto e estou na torcida 😀
Muito bom e esclarecedor!
Sua opiniao é sempre importante, Rosi! Abracos!
Este e sem sombra de duvidas um tabu no chile, mas achei muito esclarecedora sua informação e super agradável e leve a sua explicação. parabéns…
Linda! Obrigada pelo comentário!!
Boa tarde alguém sabe se existe teste de hiv gratuito em Santiago? Obrigado
Valerio, não sei se existe gratuidade para o teste… Vou verificar na minha próxima consulta médica e volto a comentar aqui.