Golpe de estado no Chile.
Ano passado falei do aspecto divertido do mês de setembro aqui no Chile, contei um pouco sobre as festividades nessa época e sobre o feriado prolongado mais esperado do ano. Desta vez vou contar o lado mais escuro da história do Chile, que não é exatamente comemorado, mas relembrado todos os anos na tentativa de que a história nunca mais se repita.
Em 11 de setembro de 1973 deu-se no Chile um golpe de Estado que derrubou Salvador Allende, culminando na destruição do palácio de governo La Moneda e no suicídio do presidente, eleito dois anos antes. O golpe foi idealizado pelo general Augusto Pinochet, do Exército, Gustavo Leigh, da Forças Aéreas e José Toribio Merino, da Marinha, sendo o primeiro o escolhido para ser o “representante oficial” do golpe.
O período ditatorial durou de 1973 até 1990, quando Pinochet, iludido pelas pesquisas feitas sobre sua popularidade e já cansado de ter seu regime considerado como antidemocrático, decidiu chamar o povo às urnas, onde deveriam escolher entre a confirmação de que Pinochet deveria continuar a cargo do país votando pelo SÍ ou terminar com a ditadura e solicitar eleições democráticas escolhendo o NO.
Não há números oficiais exatos mas sabe-se que durante a ditadura de Pinochet, pessoas desapareceram; alguns fugiram do país, tornando-se exilados políticos (muitos deles só puderam voltar com o fim da ditadura); muitos foram torturados e as marcas da violência, dos toques de queda, do medo de denunciar ou ser denunciado deixaram marcas profundas no comportamento social dos chilenos que duram até hoje – dizem que a desconfiança do chileno nasceu aí.
Desde o retorno da democracia, grupos de direitos humanos, organizações de familiares de presos políticos e das pessoas desaparecidas durante a ditadura organizam uma passeata que começa na Alameda, principal via de trânsito da capital, passando por La Moneda (antigamente se passava pelo costado da rua Teatinos, por onde havia uma porta que era chamada de “la puerta del presidente”, já que por ali era onde ele saía depois de um dia de trabalho) e seguindo até o Cementerio General, onde há uma homenagem aos que morreram ou desapareceram naquele período. Ali também é onde estão enterrados a maioria dos que faleceram na ditadura. Nesse lugar costuma haver uma série de discursos de representantes das diferentes ONGs que organizam o evento.
O objetivo da passeata, como me contou a presidente da AFDD (Asociación de los Familiares de Detenidos Desaparecidos) Lorena Pizarro é que esse acontecimento histórico não caia no esquecimento, nem se diminua sua importância histórica, para que os jovens saibam que a democracia é um dos grandes presentes que as gerações anteriores estão deixando para eles. No entanto, a realidade tem se modificado gradualmente e a cada ano se vê como a passeata se transforma pouco a pouco em mais uma maneira para grupos sem fins políticos ou anarquistas e um punhado de jovens sem comprometimento com o passado e sem objetivos para o futuro transformarem esse evento em uma oportunidade de enfrentar-se e à ordem local, numa briga eterna e cada vez mais violenta com Carabineros.
Em 2004 eu participei da passeata para colher informações para minha tese da faculdade e observei como ao final da manifestação já haviam pessoas com os rostos cobertos, bandos e mais bandos de punks e anarquistas, alguns representantes de torcidas organizadas de times de futebol e mais um sem-fim de pessoas que claramente nada tinham a ver com o espírito do evento.
O fim desse evento hoje em dia é sempre igual: os encapuzados de um lado jogam coquetéis molotov, pedras e o que estiver ao alcance das mãos nos policiais e veículos dos canais de televisão local, enquanto os Carabineros e o GOPE (Grupo de Operaciones Especiales) por sua parte jogam água contra eles através de potentes jatos, com seus carros conhecidos como “guanacos” e “zorrillos” e atiram bombas de gas lacrimogêneo para dissipar o pessoal e terminar com o confronto.Æ
Além dessa passeata há diversas outras manifestações pela cidade, especialmente nos lugares que foram conhecidos centros de tortura como a casa da rua Londres 48, o casarão de Jose Domingo Cañas, o Estádio Nacional, a Villa Grimaldi. Nesses locais costumam haver “velatones”, onde se acendem diversas velas para homenagear as vidas ali sacrificadas por causa de divergências de pensamento político, e sempre há um ou mais discursos de pessoas que ali estiveram e hoje podem contar sua história. Essas manifestações costumam ser mais tranquilas pois têm um tom muito mais humano do que político e dificilmente algum arruaceiro se infiltra.
Ainda assim, durante do dia 11 de setembro, muitas pessoas preferem não enviar os filhos aos colégios e os bairros mais vulneráveis sofrem com a queima de pneus e o enfrentamento entre policiais e encapuzados. Todos os anos há mais de algum ferido e diversas vezes houve vidas perdidas em ambos lados, manchando a finalidade inicial de lembrar o que aconteceu há anos atrás para evitar que a história se repita.
2 Comments
É fácil conseguir um emprego assim que chegar em Santiago? Sou formada em Pedagogia.
Olá, Fabrizia, obrigada por deixar seu comentário.
Independente de sua formação, teoricamente você só poderia ser contratada depois de ter o visto provisório aprovado e de ter seu número de RUT (que cumpre a função de algo assim como nosso RG e CPF combinados).
No entanto, em períodos de crise, como se vive na atualidade, as empresas estão preferindo contratar somente estrangeiros que já tenham visto definitivo.
Claro que sempre há exceções.
Abraços.