Choque cultural na Alemanha.
Quando decidimos mudar de país, sair da nossa pátria mãe, da nossa casa, do nosso lar que sempre conhecemos, acredito eu, que nunca nos passou pela cabeça que o desapego seria um problema. Já que tomar a decisão de fazer a vida em outro país já é um grande passo e prova que não se tem problema em desapegar, não é mesmo?
Pois bem, eu sempre fui muito “desapegada” pode se dizer assim, de coisas, lugares e até de pessoas (isso não significa não amar, ok? apenas deixar livre!). Quando eu e meu marido decidimos mudar de país, lembro que muitos amigos vinham e perguntavam: “Nossa, vocês vão largar tudo mesmo? Vender todas as coisas? Deixar a família?” E nós com a mesma resposta e coração leve respondíamos: “SIM!”
Nunca tivemos medo de deixar tudo que já havíamos conquistado para trás, pra tentar aqui tudo de novo. A gente não tem filhos (apenas a Nina maravilhosa, que já contei em outro texto como fiz para trazer ela para a Alemanha aqui), portanto, é mais fácil para a gente esse desapego geral. O André, assim como eu, é desapegado também, às vezes até mais, se desfaz de coisas como ninguém, chega a dar um nervoso!
Nessa história linda de desapego, mudanças, deixar livre, estamos aqui nessas terras germânicas há quase 1 ano e meio e, um dia, em uma conversa profunda entre a gente sobre dificuldades da língua, choque de cultura, adaptação à maneira alemã de viver, nos deparamos e chegamos a uma conclusão meio avassaladora para nossos pontos de vista:
a gente estava MUITO apegado à nossa cultura brasileira e não estávamos deixando a nova cultura entrar de verdade na nossa vida.
Doido não? Logo nós, que sempre enchemos o peito para dizer que éramos desapegados, que se apegar a coisas e jeitos não era bom para crescer e amadurecer na vida, mordemos a língua, e provamos o contrário que sempre tanto pregamos. Vou tentar explicar, pois é um assunto um tanto filosófico, que se eu não cuidar acabo divagando e não chegando ao ponto.
Eu canso de ler textos de pessoas dizendo o quanto se adaptaram à cultura do lugar que estão (eu mesmo nesse pouco tempo que estou aqui já aderi a algumas manias e costumes, leia mais aqui),mas o que eu falo acima é um pouco mais profundo. Não é só a questão de pegar os costumes para si, mas de incorporar de dentro para fora mesmo, sabe?
Leia também: tudo que você precisa saber para morar na Alemanha
Começando pela língua, eu acho que um grande bloqueio que eu mesma criei para mim mesma (quase um Eu, eu mesmo e Irene!) foi o de demorar para aprender o alemão. Inconscientemente, parece que, quando eu aprender a língua de vez, eu vou deixar de ser brasileira, ou ser mesmo brasileira, conseguem alcançar a loucura dessa minha cabeça?
Eu imagino que algumas de vocês já devam ter passado por isso (eu espero que sim, depois me escrevam nos comentários para eu não me sentir um ET, bitte! – por favor, em alemão) Porque isso não chega a ser uma crise, eu não estou triste ou mal por não estar incorporando nem aproveitando tudo de bom que a cultura alemã ou o país pode me proporcionar por não saber a língua, ou por não conseguir me encaixar totalmente nos padrões deles.
Até porque, convenhamos, a gente sempre será imigrante, por mais dentro do país que estivermos, nosso coração sempre vai pulsar verde e amarelo.
O mais doido é que eu nunca fui super patriota, eu amo meu país, claro, mas quando morava aí, parecia que não via a beleza e encantos que, de fato, nosso país tem, e aqui, longe, tudo parece fazer sentido: a cultura, a nossa língua, as comidas, os cheiros, os costumes, o jeito das pessoas, eu me sinto mais brasileira na Alemanha do que no Brasil, pode isso?
Mas acho que esse desapego vem com os anos, eu acredito e confio. Quero continuar a amar meu país do coração e da alma, mas não quero escantear a Alemanha, esse país que me acolheu e me faz tão bem, por um simples medo de perder minha identidade.
De verdade, acredito que, nós brasileiras, já somos uma mistura de culturas desde sempre, então que mal terá incorporar mais alguma, não é mesmo?
E vocês, já passaram por algumas questões como essa que estou passando? Superaram? Como fazem/fizeram? Contem pra mim, vou adorar ler e me identificar com cada uma.
Um beijo dessa brasileira, gaúcha e um pouquinho alemã.
15 Comments
Sempre escuto que o Alemão é uma das línguas mais difíceis de aprender se não a mais difícil…. espero que esteja conseguindo lidar bem com isto.
Oi Jader! Realmente o alemão é uma língua beeeeeeem complicada mesmo, difícil e demorada da gente aprender, mas não impossível. Eu sigo tentando, desistir jamais. Sabe como é o velho ditado, sou brasileira e não desisto nunca! heheh Obrigada por ler e comentar! Beijos, Mah
Olá Marcela, muito bom ler sua publicação.
Tenho uma enorme vontade de morar fora, mas não por onde começar, sinto que já perdi oportunidades e pareço cada vez mais distante desse sonho. Poderia me dá dicas?
Grande abraço e muita sorte!
Oi Flávia! Vou te dizer que tu já tens o mais importante e primordial, a enorme vontade de morar fora. Isso já é um grande começo, sabia? O que posso te dar de dicas é, veja os lugares que você mais gosta e se identifica, seja pelo idioma que já sabe ou quer aprender, pelo clima, pela cultura e etc. No meu caso a Alemanha foi totalmente inesperado, nunca quis morar aqui, mas eu brinco que foi ela que me escolheu hehehe e cada dia eu aprendo a amar ela com todas as suas peculiaridades. Outra, é legal ver uma forma de morar fora, um curso de idioma, emprego mesmo, como turista por um tempo e etc. A gente acha que morar fora é um bicho de sete cabeças e não é, o mais difícil é tomar coragem, o resto flui naturalmente. Não desista do teu sonho, força e fé que tudo dá certo! Super boa sorte! Um beijo, Mah
Eu vivi 2 anos na Alemanha. O primeiro, apegado ainda à cultura brasileira. Foi difícil e chato. No segundo ano, mudei, e passei a viver mais como alemão. Eureka Foi tudo mais fácil, maravilhoso e aproveitamos tudo que pudemos. Dica: Se for viver em outro país, rapidamente MUDE A CHAVE, e viva a cultura local. und viel spass Gruss
OBA! Que coisa boa ler esse cometário! 😉 Obrigada pela dica e motivação, tens toda a razão! Tentarei de tudo começar a virar essa chave. Obrigada mesmo pelo carinho e por comentar! Um beijo, Mah
Oi Marcela,
Eu sou carioca, aprendi alemão por 7 anos antes de fazer meu intercâmbio em Hamburgo por um ano. E depois de voltar ao Brasil para terminar a faculdade, vim morar em Paris onde estou ha quase 6.
O que você descreveu me fez pensar nas minhas aulas de interação intercultural na HAW Hamburg. No auge do meu choque cultural com Hamburgo. E me fez pensar no choque que eu ainda sinto depois de morar tanto tempo na França. Então por favor nem de longe assuma o que eu vou escrever abaixo como “lições” mas mais como um grupo de ideias, ok?
– A Alemanha é nível hard de integração: eu sei, eu conheço o discurso da Alemanha como mais populoso pais da Europa, maior economia, uma grande nação exportadora construída sobre valores democráticos depois do pesadelo da Segunda Guerra e aberta ao mundo. A minha verdade é que os alemão médio tem uma alma de “aldeão”. França e Reino Unido colonizaram metade do mundo (o que foi horroroso) mas o que ajudou em parte à esses países se sentirem como centro de uma zona de influência multicultural e flexibilizou em parte a identidade de “ser” francês ou inglês. Os alemães são diferentes. Não existe uma pressão clara em se adaptar, você pode perfeitamente morar 10 anos nas maiores cidades falando somente o inglês sem o menor problema. Abertura ao internacional? Tenho minhas duvidas. Acho que é muito mais pelo fato da inacessibilidade de um estrangeiro ser aceito como “alemão” pelos alemães. A cultura alemã é um mundo regras implícitas seguidas exatamente da mesma forma por todos os alemães e as quais eles não estão acostumados à explicar aos estrangeiros. O aldeão tolerando o estrangeiro mas o considerando bizarro, exótico e diferente.
– Hamburgo é nível hard plus de integração dentro da Alemanha: tudo acima. Mais o clima chuvoso, o vento, a filosofia protestante e um toque escandinavo de relações sociais frias e distantes. Hamburgo é mais escandinava que Copenhague e Estocolmo. Tinha um amigo meu da Baviera (que para um hamburguês é quase a Itália :”eles falam forte, bebem demais e gostam de mostrar o quanto dinheiro eles tem”) que brincava que se você pisasse no pé de um hamburguês no metrô, ele olharia para você fixamente sem falar nada até te fazer entender que você estava pisando no pé dele. Hamburgo é rica e séria e sisuda. Viaje dentro da Alemanha e você vai sentir o lado mais “porra-louca” de Berlim, mais aberto e caloroso do vale do Reno (Colônia e Düsseldorf) e até mesmo o lado mais hedonista da Baviera.
– Saber o que guardar da cultura brasileira é a chave da integração: eu acho que no inicio fazer o esforço para se adaptar ao máximo é importante. Te ajuda à estabelecer raízes e ver as coisas com um pouco dos olhos locais. Mas depois de um tempo é importante fazer um balanço entre o que você adotar da nova cultura e o que você precisa guardar da brasileira. Impossível “mudar a chave” no longo prazo: você vai se tornar uma pessoa interpretando o papel de uma outra. Existem coisas que fazem parte dos nossos valores de base e esses valores no nosso caso vem da cultura brasileira. Você se vê realmente tendo essa relação bem mais fria entre pais e filhos onde os filhos são gentilmente convidados à se virarem exatamente aos 18 anos? Você se vê realmente fazendo churrasco onde cada um leva a sua salsicha e o seu pedaço de carne e come somente a sua salsicha e o seu pedaço de carne? Eu pensei muito nisso quando eu fui à Alemanha dois verões passados e numa estação perdida da Ostfriesland sem elevadores eu vejo duas senhoras de 70 anos com malas gigantes tendo que trocar de plataformas. Enquanto os adolescentes alemães passavam sem ao menos pestanejar, eu nunca vou esquecer a cara de choque delas quando eu virei em alemão e disse “Eu posso ajudar vocês? Somente por favor não perde minha mala de olho enquanto eu levo a de vocês para o outro lado.” Elas ficaram tão sem reação que a unica coisa que conseguiram pensar foi em literalmente me obrigar à aceitar 10€ para que eu pelo menos “tomasse uma cerveja pela minha gentileza”. 😀 E eu tomei a minha cerveja pensando em que valores tão brasileiros como respeitar os mais velhos, ajudar o outro em dificuldade me faziam tanta falta na “desenvolvida Europa”. (Nota para os brasileiros: não, em Londres, Paris ou Hamburgo se levantar em transporte publico para que uma pessoa idosa se sente é raríssimo e muito menos automático do que é no Brasil).
– Aprenda alemão: Vai ser a chave para desbloquear a distância e frieza alemãs. O lado bom é que eles são provavelmente o povo mais receptivo da Europa com estrangeiros aprendendo o idioma deles. 🙂 Então pratica mesmo. Falar alemão vai ser um asset para a vida toda. Mesmo depois de 6 anos de França, toda vez que eu cruzo um alemão e solto “Gut, ich kann auch Deutsch sprechen” é um sorriso que eu vejo de volta. E eu fico todo nostálgico da época em que eu morava nessa terra fria de pessoas metódicas que demoram 6 meses para ficarem amigas mas que quando você menos espera se mostram mais presentes, fieis e apoiadoras do que você jamais vai imaginar. 😀
Desculpa pelo textão. E coragem. Deus deve ter no paraíso um espaço especial para as pessoas que migraram. 😀
Fer
U-A-U Fer, estou sem palavras pra esse teu textão magnífico! O que posso te dizer? OBRIGADA!!!! Você realmente não sabe como foi bom ler as tuas palavras tão bem escritas e tão verdadeiras. Te contar que mudei pra Berlin ajuda um pouco nessa adptação toda, né não? heheh Como falaste, já vi o lado mais porra-louca e estou AMANDO. Hamburgo foi muito bom, mas é exatamente como falaste, assino embaixo de cada palavra, sem tirar nem por. Obrigada pelas dicas, pelo carinho e pela gentileza de gastar o teu tempo precioso em me escrever essas palavras tão calorosas, eternamente grata, de verdade! Vou aprender o alemão, tá decidido, meta pra 2018 sabe? Já escrevi no papel e tudo! E sobre a gentileza brasileira, passei por uma situação parecida com a tua, mas era uma senhora voltando do supermercado, ajudei com as compras, ela me deu 5 euros, e literalmente colocou o dinheiro no meu bolso para eu aceitar! hahahaha #brasileirosomelhorpovo Enfim, mas uma vez obrigada! Vou ler novamente esse teu texto para absorver um pouquinho mais. Sorte pra nós, sempre! Boa sorte pra ti nessa cidade linda e de luz que é Paris. PS: Você tem um blog? Espero que tenha, pois com essa escrita o mundo tá perdendo um belo escritor 😉 Um beijo, Mah
Nossa….amei seu depoimento!
Obrigada Rosa! ; ) Fico feliz que tenha gostado!
Obrigada por ler e comentar,
Um beijo
Maravilhoso comentário e maravilhoso texto!
Nossa Fernando, que coisa.
Eu moro há 4 anos em Berlin e eu me identifico demais com muito do que você disse. A única coisa que aqui talvez seja um pouco diferente de Hamburgo é que os berlinenses em geral são muito prestativos. Muitas vezes me vi enrolada com um bebê e um carrinho em uma estação onde o elevador estava quebrado e algum alemão veio e sem falar praticamente nada, segurou do outro lado do carrinho pra me ajudar a carregar, continuando seu caminho depois. Claro que na maioria das vezes sem sorrisos ou troca de gentilezas por motivos de… Berliner Schanuze, claro ????
Mas eu sinto também essa vibe aldeã e esse olhar de estranheza mesmo por aqui.
No meu caso ainda brigo bastante nesse aprendizado do idioma. Mas vamoquevamo um dia chego lá.
Viele Grüße aus Berlin ????
Same feeling Marcela! Que legal seu texto. Eu tb tenho um bloqueio com aprender Alemão, parece que se eu aprender não vou mais embora, estranho né? Tb moro em Hamburgo meu marido é publicitário tb, adorei seu texto.
Beijinho
Oii Gabriela! Olha, que tantas coincidências guria! 😉 Então, na verdade agora estamos morando em Berlim, mudamos pra cá há 2 meses. Mas eu amo Hamburgo! Aproveita aiiii! E que bom saber que não sou doida sozinha hehehehe que sentes o mesmo!
Boa sorte pra nós e tudo de melhor pra ti nesse novo ano.
Obrigada por ler e comentar!
Um beijo, Mah
Adorei te conhecer Mah, espero poder compartilhar muito comentos com você. Lindo texto.