Coisas que sinto falta do Brasil na Dinamarca
Muitas vezes quando moramos no Brasil, ou recém chegamos ao país estrangeiro, ficamos impressionados pela organização, estrutura e segurança em países desenvolvidos, o que para muitos é a maior queixa com relação à vida no Brasil.
Confesso que, quando saí do Brasil, quase 7 anos atrás, eu conseguia identificar mais defeitos do que qualidades em nós, brasileiros, e vejo como isso tem mudado após os anos em terras estrangeiras.
Uma coisa eu aprendi viajando por 23 países em 4 continentes : não existe povo ruim ou bom. Cada cultura tem seus pontos positivos e negativos.
Aqui vou listar algumas coisas que sinto falta do Brasil na Dinamarca:
1. Solidariedade
Uma característica marcante em nós brasileiros é a solidariedade. Quase todas as vezes que precisei de ajuda fora do Brasil, foram os brasileiros que moravam na minha região que me ajudaram, sem ao menos me conhecer direito. Dinamarqueses são altruístas e, portanto, fazem muito trabalho voluntário.
Mas a solidariedade a que me refiro é aquela que vemos no Brasil de fazer um favor para um vizinho, ajudar o outro com mantimentos, dar uma olhadinha nos seus filhos etc. Já vi muitos brasileiros fazerem arrecadação para ajudar um conterrâneo a voltar para casa. Abrigar pessoas que foram lesadas pelo empregador ao vir tentar a vida em terras estrangeiras e por aí vai. Esse tipo de solidariedade é muito difícil encontrar em outras culturas.
2. Respeito a grávidas, idosos e deficientes
Não me entenda mal. Não é que na Dinamarca as pessoas não respeitem idosos, grávidas e pessoas debilitadas. Mas não existe tratamento especial para eles.
Não é comum ver pessoas que teriam tratamento preferencial no Brasil ter lugar cedido no ônibus ou passar na frente em filas de bancos e supermercados.
Mas o que mais me incomoda é ver idosos já em idade avançada viverem sozinhos e serem responsáveis pelas próprias tarefas domésticas.
Claro que isso dá uma ideia muito clara sobre a questão da independência para os dinamarqueses e que também existe uma qualidade de vida associada ao envelhecimento no país.
Mas ainda assim, me sinto incomodada quando vejo velhinhos no prédio que eu moro, muitas vezes com algum tipo de deficiência ou até mesmo restrição de mobilidade, fazendo tarefas domésticas, como lavar roupas, supermercado etc sem ajuda de ninguém. Sempre que vejo um idoso carregando sacolas ou o cesto de roupa ofereço ajuda e quase sempre recebo a recusa.
3. Sorriso
Eu me recordo que o sorriso foi uma das primeiras coisas que notei quando fui visitar o Brasil da primeira vez desde que havia estabelecido uma vida fora. Nós, brasileiros, estamos sempre sorrindo, no ônibus, no metrô, no trabalho, na academia, no trânsito caótico. Embora haja caos e desorganização, sempre há espaço para a alegria. Eu brincava ao pegar os ônibus lotados para trabalhar em São Paulo, que era literalmente rir da desgraça todos os dias (risos).
Percebo que, embora nossa vida seja difícil, o brasileiro sempre tem um sorriso largo no rosto. Foi uma das coisas que a família do meu marido mais enfatizou na minha mãe quando ela veio nos visitar.
4. Hospitalidade
Muitos de nós já ouvimos que somos um povo hospitaleiro e, por esse motivo, cada vez mais estrangeiros querem visitar o Brasil. Mas acho que a nossa hospitalidade não é restrita ao âmbito do atendimento ao cliente e tratamento ao turista no país. O que sinceramente já é super ponto a favor do Brasil, uma vez que os próprios dinamarqueses admitem que atendimento ao cliente não é o forte deles.
No Brasil as pessoas se ajudam, dão informações na rua, seguram sua bolsa no ônibus e ajudam a carregar a mala. Outra coisa é que o brasileiro respeita as diferenças e as acolhem como se fosse algo da própria cultura.
5. Aproveitar fins de semana e feriados
Os dinamarqueses não têm tantos feriados quanto os brasileiros. Mas o país é conhecido justamente por ter jornadas de trabalho reduzidas e férias longas de pelo menos 5 semanas anuais. O meu ponto aqui é como esses dias/horas de folga são usados.
Brasileiros sabem aproveitar o seu momento de folga seja com um churrasco com família, indo à praia, ao shopping ou parque nos dias que estão livres. Sempre que converso com os meus amigos e família no Brasil, eles têm uma programação especial para o fim de semana, desde ir comer fora, ter um almoço especial com o restante da família, levar os filhos para assistir a um filme e por aí vai.
Aqui na Dinamarca as pessoas passam muito tempo dentro de casa. E muitas atividades sociais são combinadas com trabalho, atividades escolares dos filhos, voluntariado, encontro de pais etc.
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6. Você não é seu trabalho
Na Dinamarca, você costuma ser definido pelo que faz profissionalmente. O seu cargo está fortemente vinculado ao seu nome. Quando você conhece uma nova pessoa, após a primeira pergunta óbvia sobre qual é o seu nome, a segunda normalmente é: “O que você faz da vida? E não: “Quem é você?”.
Claro que o lado positivo disso, com relação ao Brasil, é que não importa muito qual o seu trabalho, ele pode ser braçal ou não, que será considerado tão importante quanto os bem pagos.
Mas se você não está empregado por diferentes razões, a pessoa não sabe como prosseguir uma conversa com você. Normalmente, seu trabalho inicia uma conversa e define a direção desses diálogos cotidianos na Dinamarca.
Eu passei por isso logo que me casei. A minha única ocupação era a escola de dinamarquês e confesso que me sentia muito mal por aqui. Penso que, embora muitos de nós passamos muitas horas da semana envolvidos com a nossa vida profissional, será que a somos resumidos a isso?
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No Brasil, as pessoas gostam de conhecer sobre o outro. Saber sua história de vida, sobre sua família, sonhos, hobbies e até mesmo se você tem dinheiro ou sua família é rica – qual sua classe social (esse último eu acho negativo). Mas você não é definido pelo trabalho que faz. Você é um conjunto de fatores e poucas vezes o seu cargo é questionado em conversas iniciais. Na verdade, conheço algumas pessoas há anos no Brasil, que não sei exatamente qual cargo elas têm nas empresas que trabalham e tenho um vago conhecimento do que elas fazem da vida.
7. Espontaneidade
Brasileiros são flexíveis e abertos à mudanças. Sempre encontram uma saída para uma situação que parece estar sem solução e tem sua própria maneira de fazer as coisas. Eu acredito que inclusive essa característica ajuda muitos brasileiros a se adaptarem super bem em outras sociedades. Os dinamarqueses por sua vez , são honestos e focados em regras. Não há muita espontaneidade e é preferível que as coisas não saiam da ordem natural. Não existe muito espaço para o improviso. Lembro de uma amiga relatando que a sogra quase teve um “treco” porque ela resolveu usar colher que estava na mesa para passar manteiga no pão , pois estava sem faca na mesa ( risos). Além disso, na Dinamarca tudo tem um cronograma: hora para começar e acabar. Festas e reuniões com a família e amigos também estão incluídas nessa regra.
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*Foto: Unsplash