Como adotar um cachorro romeno.
Quando a Romênia tornou-se o nosso destino, algo que nos chamou a atenção durante as pesquisas antecedentes a qualquer mudança foi a quantidade de relatos a respeito de cachorros abandonados.
Alguns partiam de vozes preocupadas com a situação e os termos usados eram: “maltratos”, “frio”, “descaso”; outras carregavam certo receio e já mudavam para: “ataques”, “doenças”, “matilhas urbanas”.
Como amante de animais e, na época, guardiã da Vitória, uma shar-pei marrom muito amada e já idosa, que vinha mudando-se conosco desde a minha partida do Brasil e estava prestes a aterrar em seu quinto país, fiquei preocupada com o alarme trazido pelos depoimentos.
Tomando as histórias como base, já me imaginava interrompendo nossos passeios matinais para fugir de bandos de cachorros loucos. Felizmente, a realidade foi outra e nunca chegamos a encontrá-los em grupos, mas os pobres bichos estavam por perto, vagueando por terrenos e parques, onde procuravam por abrigo, ou mesmo perambulando pelas ruas, em busca de comida.
Leia também: Custo de vida na Romênia
A condição desses animais não apenas me comoveu, como ocupou alguns meses da minha vida na Romênia. Pensando nisso, resolvi compartilhá-la, fazendo este apelo: adote um cachorro romeno! A seguir, explico-lhes os motivos e dou-lhes as razões.
Negligência e abandono
Se há um ponto em que defensores de animais e seus opositores (sim, existem) concordam, é sobre quando o problema começou. No anos 1980, boa parte da população teve a casa destruída em cumprimento ao plano de reconstrução da capital, executado pelo ditador Nicolae Ceauşescu. Obrigados a sair dos imóveis em poucos dias e realocados em apartamentos pequenos, na hora da mudança forçada, muitos pertences ficaram para trás, incluindo-se os animais de estimação.
Conto mais, no artigo sobre a História do Comunismo.
Reforçando o contexto, falta consciência e não se assumem responsabilidades. O desamparo de animais tornou-se prática comum; pior ainda, o abandono em condições cruéis não é uma exceção. São muitas as notícias sobre ninhadas indesejadas deixadas à própria sorte. Também vê-se casos de cães enforcados ou mutilados, queimados e largados na rua, como punição a alguma chateação causada.
Tem quem estimule inúmeros cruzamentos, em busca do macho de guarda perfeito, enquanto se livram de fêmeas e machos fora do perfil. Em casas com quintal, cachorros passam a vida amarrados com correntes e não são raros jogos malvados de perseguição infantil que tenham como presa um animal.
Não, não é só a Romênia que se vê às voltas com esse tipo de comportamento, nem o objetivo deste artigo é apontar dedos, no entanto, o fazer mal de uns não justifica o fazer mal de outros. Em sociedades como esta, o que falta é o entendimento sobre o que seria a tal da guarda responsável.
Ninguém é obrigado a gostar de bicho, na mesma proporção, ninguém tem o direito de maltratá-los. E se somos os tais seres pensantes, eles são nossa responsabilidade. É esse saber que falta, essa sensibilidade que não se faz presente.
O jornal Britânico Daily Mail traz um retrato do tratamento dispensado a cachorros na Romênia, nesse atigo aqui.
Denúncias de corrupção
Falando em faltas, inexistem políticas que viabilizem, por exemplo, mutirões de esterilização, providência útil não só para combater a ideia de que “cachorra saudável é cachorra que emprenha”, mas também para facilitar o acesso de gente com poucos recursos a esse tipo de serviço veterinário. Campanhas de vacinação pública de animais, então, esqueça!
Atualmente, vige a Lei n.º 258/2013 segundo a qual: caputurado um cachorro, o animal será submetido à eutanásia 14 dias após a entrada no canil público, caso não seja reclamado ou adotado. Como são muitos os quadrúpedes, a norma é drástica e tem causado polêmica, o que motivou certa apreensão do Parlamento Europeu sobre o assunto, como pode ser lido neste comunicado.
A preocupação justifica-se por tratar-se a eutanásia de medida extrema, a ser administrada apenas por médico veterinário de forma a garantir ao animal a ausência de sofrimento em seu momento de passagem. Acontece que a falta de transparência no que diz respeito à matéria impede a fiscalização de entidades defensoras de animais, surgindo denúncias de maltratos e corrupção.
Segundo dizem, os canis públicos seriam mantidos em condições extremamente precárias, ocorrendo desvios no orçamento destinado ao cumprimento da lei. Como resultado, os animais morreriam não pela eutanásia, mas em razão da hostilidade do ambiente.
Os heróis romenos
Em agosto último, a Vitória morreu, deixando dor e saudades. Para acarinhar a perda e dar utilidade ao amor que sempre sentirei por ela, decidi oferecer os meus préstimos a canis que cuidassem de cachorros de rua. Foi quando descobri o Dog Rescue Romania e o trabalho valente e incansável da equipe de Garofita e Rudi Hoffman.
Naquela semana, mais uma ninhada havia sido abandonada na porta do refúgio. Os recém-nascidos precisavam mamar a cada 3 horas e os veterinários deixavam de cuidar dos casos mais sérios para alimentar e limpar os pequeninos. Era essa a ajuda de que precisavam: alguém disposto a substituí-los nos cuidados com os 6 bebês. Decidi cuidar de 3 deles, um macho e duas fêmeas.
O Dog Rescue Romania nasceu da vontade deste casal de veterinários romenos em reverter o destino dos animais de rua do país. Como o nome diz, trabalham resgatando bichos abandonados que tenham passado por abusos, acidentes ou contraído doenças graves. Abrigam cerca de 800 animais que lá são alimentados e recebem cuidados médicos, promovendo jornadas de esterilização e campanhas de adoção.
Entre as ida e vindas à clinica localizada em Vitan, Bucareste, descobri que a maior parte das adoções são feitas por estrangeiros, especialmente alemães, ingleses e austríacos. Essa gente está informada sobre a situação dos animais domésticos locais e, num ato de compaixão, trazem para casa os bichinhos, vez ou outra tirados do corredor da morte de algum canil público.
Foi lá que conheci as histórias mais dolorosas, como a da pastora alemã de olhar meigo e gentil, que teve a pata amputada por um golpe de espada, numa espécie de punição sórdida aplicada pelo antigo dono. Hoje, ela vive feliz na casa da nova família, na Alemanha.
Após 4 meses, os meus filhotes cresceram fortes e felpudos. As fêmeas, ai, que saudades delas!, depois de vacinadas, também seguiram o destino da Alemanha e o macho, bem, o menino agora chama-se Lucas, e mora com a gente em Portugal, onde corre na praia nos dias de sol, e é muito amado, como todos esses bichinhos merecem ser.
E por quê adotar um cachorro romeno, quando há tanto bicho abandonado no mundo? Um senhor inglês, cuidador de cachorros enjeitados na Inglaterra, deu dois motivos: “Nunca sabemos quando vamos nos apaixonar por um cão e, talvez, o seu esteja esperando por você em um país distante. Além disso, os peludos romenos merecem uma segunda chance.”
Cuidar dos filhotes foi das experiências mais gratificantes. Sem falar que, ao decidir adotar, assina-se um contrato reforçando os preceitos da guarda responsável. Existe uma taxa cobrada pela adoção que cobre parte dos gastos com os cuidados caninos. Taxa justa porque é dela e de doações que o abrigo se sustenta.
Se você se sensibilizou com a causa, há muitas maneiras de ajudar, adotar é uma delas! Para quem mora na Áustria, Inglaterra e, especialmente, na Alemanha, o Dog Rescue tem o auxílio de associações que facilitam o processo. Existe, inclusive, um grupo no Facebook, em alemão, com a foto dos peludos prontos para serem adotados, chama-se Dog Club. Para quem não fala alemão e deseja saber mais, pode acessar a própria pagina do canil também no Facebook, a Dog Rescue Romania, com posts em romeno e inglês.