Hoje dei de cara com a seguinte frase do escritor norte-americano Joseph Campbell: “a gente precisa se dispor a abrir mão da vida que planejamos a fim de encontrar a vida que espera por nós”, e foi como se ela descrevesse a minha vida inteira nos últimos anos.
Consigo ver dois sentidos para essa frase que, no fim das contas, não são tão diferentes um do outro. O primeiro diz respeito a arriscar. Sair da zona de conforto. Encarar o desconhecido. Todos os requisitos básicos de quem emigra. Parece pouco, mas abrir mão de uma vida planejada, casa montada, emprego antigo, amigos antigos, família, é abrir mão de tudo que conhecemos como seguro, de tudo que construímos durante uma vida em rumo a um completo desconhecido e é por isso que tomar essa decisão sempre inclui medo. Afinal, o “desconhecido” costuma dar medo mesmo nas pessoas mais aventureiras.
E por que, meu deus do céu, tem esse bando de pessoas desajustadas que, mesmo assim, escolhem tomar essa decisão? As respostas são várias, propostas de emprego, busca de uma vida melhor, estudos, vontade de conhecer novas culturas, novas pessoas, novos países, novas propostas de vida. Mas, independente da resposta, há um denominador comum para todas essas pessoas, quando emigramos ganhamos uma página em branco para poder reescrever a nossa própria história.
Quando podemos olhar para a nossa vida sem as amarras de antigamente podemos mudar nosso estilo de vida, nossa profissão, nossas escolhas e até alguns valores. Eu que nunca me imaginei sobrevivendo longe do caos de uma grande cidade, hoje não posso me imaginar morando em um lugar onde eu não consiga fazer tudo a pé ou de bicicleta. Morar fora é descoberta, é estar mais perto de nós mesmo, é dar de cara com os nossos maiores medos, é enfrentar a solidão, é ganhar perspectiva, é ir correndo de encontro a vida que espera por nós.
Eu sempre brinco que depois que eu morei na Itália eu ganhei o “bichinho da inquietude” e, mesmo sempre tendo certeza que o Brasil será o meu porto seguro nas minhas andanças pelo mundo, não me vejo passando muito tempo sem querer mudar de novo. Também não me vejo mais planejando os meus próximos 5, 10, 20 anos, como eu, pessoa ansiosa, fazia antes. Se tem uma coisa que a vida me mostrou é que é só eu planejar e escolher o caminho, que ela me joga de ponta cabeça no sentido contrário, o que me leva ao segundo sentido da frase lá do começo: aceitar do fundo do coração que não podemos planejar, controlar e conseguir tudo que queremos nas nossas vidas.
Como eu sofri e vejo meus pacientes sofrendo por conta dessa incontrolabilidade da vida. É claro que podemos (e devemos) guiar as nossas vidas pelos caminhos que escolhemos, que precisamos descobrir quais são os nossos sonhos e lutarmos por eles, mas temos que aceitar que isso apenas nos levará apenas a uma aproximação do que a nossa vida vai ser no futuro porque, na verdade, as coisas nunca saem bem como planejamos.
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Cheguei à conclusão de que existem alguns poucos seres humanos sortudos que basta escolherem o que querem que conseguem. Escolhem a faculdade que vão fazer e passam no vestibular, escolhem o emprego que querem e conseguem, escolhem que querem casar e acham o amor da vida, escolhem que vão ter filhos e engravidam, mas fora esses poucos sortudos, a grande maioria da humanidade passa por uma vida de mais incontrolabilidade.
Sempre que a minha vida saía do prumo eu gastava um monte de energia tentando colocá-la de volta, mas o que demorou muito para eu perceber é que, enquanto eu me esforçava para colocá-la no caminho, eu perdia a viagem. O que eu fui entendendo com o tempo, e muita terapia, é que essa incontrolabilidade é a essência da vida. Que não podemos controlar tudo e que enquanto tentamos controlar deixamos de aproveitar o que os novos caminhos nos trouxeram de positivo. Preciso admitir que, no fim das contas, por mais que a vida tenha me dado poucas vezes as coisas que eu queria na hora que eu queria todos os caminhos tiveram finais muito felizes para mim.
A minha vinda para a França foi um recente exemplo disso. Eu conheci meu marido dias antes de embarcar para uma temporada na Itália e achava óbvio que nós não iríamos namorar tendo em vista que eu iria mudar para a Itália e ele estava de passagem pelo Brasil, pois fazia doutorado nos EUA. Pois o namoro vingou, eu voltei para o Brasil e montei meu apartamento novo com o maior carinho, afinal, para uma psicóloga clínica esse tempo na Itália já era uma exceção na carreira, eu jamais iria morar fora de novo. Depois de uma temporada de namoro à distância, meu marido voltou para o Brasil e, depois de míseros meses tranquilos ao meu lado, ele recebeu a proposta de pós-doc em Toulouse. Pânico, terror e aflição. A essa altura eu já tinha o consultório lotado de novo e o menor interesse em morar fora, mas o pós-doc era um passo importante na carreira dele e não é que eu iria reclamar de um ano sabático no sul da França, e lá fui eu mudar de país de novo depois de míseros 3 anos de volta no Brasil.
Eu tinha dois caminhos nessa nova mudança de país: vir para a França, ficar chateada que não estou trabalhando como gostaria, que não estou perto dos meus amigos, que não tenho mais meu carro, que não sei falar a língua ou me entregar para essa vida nova e ver o que ela me traria de positivo. O resultado disso é que eu continuo atendendo alguns pacientes por Skype, que ainda é o maior combustível da minha alma, fui aprender francês, fazer cursos de fotografia (paixão antiga), fazer amigos, academia, beber vinho, comer queijo e todos os estereótipos franceses possíveis. Fui fazer cursos de psicologia que há tempos eu queria fazer e não tinha tempo em São Paulo. Fui ler livros que estavam empoeirando na minha estante no Brasil. Fui ser feliz na vida “que esperava por mim”, porque a vida que eu havia planejado quando montei meu apartamento em São Paulo passou bem longe de mim e tem sido ótimo mesmo assim.
E você? Qual foi a vida planejada que você deixou para trás? Valeu a pena? Deixe o seu comentário para dividir comigo um pouco da sua experiência nesse mundão afora.
2 Comments
Fernanda, seu texto é bem apropriado para o meu momento atual. Estou em Portugal desde novembro de 2017 e com a parte do seu texto que diz: Fui ser feliz na vida “que esperava por mim”, reflete o meu momento atual- Obrigada pelas palavras. foram realmente confortantes em saber que o mais importante é ser feliz.
Oi Silvana, que gostoso ler o seu comentário! Fico muito feliz quando as pessoas se identificam com as coisas que eu escrevo.